Além do estudo e do verdadeiro conhecimento das Escrituras, temos necessidade de uma vida correta e de uma alma pura, bem como das virtudes segundo Cristo, a fim de que, caminhando na virtude, o intelecto possa alcançar e compreender o que deseja, tudo o que a natureza humana pode compreender de Deus Verbo. Efetivamente, sem um intelecto puro e uma vida modelada sobre a vida dos santos, não podem ser compreendidas as palavras dos santos, assim, quem quer compreender o pensamento dos teólogos deve purificar e lavar a alma com a sua vida e se aproximar dos santos por meio da imitação de suas ações, a fim de que, unindo-se a eles mediante a conduta de vida, compreenda o que Deus lhes revelou.
Para Atanásio, o verdadeiro teólogo deve ser um santo, de outra forma lhe será impedida a compreensão da verdadeira fé. Por isso, desde a juventude ele uniu o estudo à ascética, a contemplação da palavra à sua encarnação. Os seus contatos com Antão, patriarca do monaquismo, não cessavam de o encantar, pois constatava que aquele pobre monge compreendia as verdades da fé muito mais e melhor que tantos outros homens mergulhados nas bibliotecas de Alexandria.
Atanásio viveu num período histórico muito difícil para a Igreja, que, tendo saído das perseguições, enfrentava dois graves problemas: os relacionamentos com a autoridade imperial e a formulação da verdadeira doutrina dentro da cultura greco-romana. Esses problemas, se não fossem bem resolvidos, poderiam assinalar também a degeneração e o fim do cristianismo.
Constantino havia dado a liberdade à fé cristã, mas, precisando conservar a paz entre os súditos como chefe supremo da sociedade imperial, continuava a se comportar também como “sumo pontífice”, como haviam feito todos os imperadores do passado, e convocava concílios, destituída bispos, apoiava e até mesmo impunha determinadas doutrinas. Como compreender o seu desempenho dentro dos justos limites? E quais eram esses justos limites segundo o cristianismo?
A outra espinhosa tarefa prendia-se mais de perto à vida interna da Igreja e se tratava antes de tudo da formulação da doutrina trinitária. A cultura grega, na qual se movia o mundo mediterrâneo, havia chegado ao monoteísmo e não encontrava dificuldade em aceitar um cristianismo filho do judaísmo, mas, para abraçar a fé em um Deus uno e trino era enorme o passo que deveria dar. Daí provinha a interrogação sobre quem eram exatamente Cristo e o Espírito Santo.
Ario dava uma resposta simples e bastante compreensível para a mentalidade helenística, mas, destruía a peculiaridade do cristianismo. Para ele, Jesus era um homem que Deus elevou à dignidade de seu filho, para fazê-lo nosso mestre: um homem extraordinário sem dúvida alguma, mas, não obstante, sempre um homem. Se Jesus era um homem, também o seu Espírito não poderia ser senão uma criatura. Deus permanecia na sua grandeza solitária e a mente humana não deveria, pois, fazer grandes esforços para aceitá-lo. Nesse contexto doutrinal, o cristianismo, inspirando-se nos ensinamentos do mestre Jesus, alcança a salvação com suas próprias forças.
Atanásio percebeu logo os dois grandes perigos e lutou durante toda a sua vida, até mesmo quando o mundo inteiro parecia que se tinha tornado irremediavelmente ariano, dando uma contribuição determinante para o triunfo da verdadeira fé. Essa luta lhe tornou a vida particularmente uma grande tribulação.
NO TURBILHÃO EM ALEXANDRIA
Atanásio nasceu em Alexandria no ano de 295-296 numa família cristã, recebendo juntamente com a fé uma boa formação literária. Conhecia bem a cultura helênica e a copta, a Filosofia e a Teologia como eram ensinadas no prestigioso didaskaleion da cidade, a mais famosa escola daquela metrópole. Viveu sua infância e sua adolescência no tempo em que se enfurecia a perseguição contra os cristãos, decretada por Diocleciano, e admirou a coragem dos mártires.
Assistiu também à controvérsia dos assim chamados lapsi, cristãos que nas perseguições não tinham tido coragem suficiente de enfrentar a morte e que em tempos de paz pediam para serem readmitidos na comunhão eclesial. Os bispos mais severos, como Melécio de Licópolis, opuseram-se, dando origem ao partido dos melecianos.
Na juventude, Atanásio conheceu Antão e entre os dois nasceu uma profunda amizade espiritual. Não sabemos se passou um período no deserto, mas certamente foi influenciado pelos valores do carisma de Antão e procurou encará-los na sua vida cotidiana, vivendo como um asceta.
Quando estalou a heresia ariana, ele já era diácono ao lado do Bispo Alexandre, que ele acompanhou ao Concílio de Niceia no ano 325. Uma experiência inesquecível, na qual os padres puderam exprimir clara e livremente o que o Espírito queria dizer à Igreja, proclamando que o Filho é “consubstancial ao Pai”. O imperador soube manter-se no seu lugar, limitando-se a respeitar e a fazer respeitar as decisões do Concílio. Ario não quis se submeter a tal decisão e foi excluído da comunhão eclesial. Atanásio tornou-se conhecido e respeitado por muitos bispos, mesmo sendo um simples diácono. Ele já se impunha pela doutrina e santidade de vida.
Três anos depois, tendo morrido Alexandre, Atanásio foi clamado seu sucessor e os bispos, que acorreram para considerá-lo, aprovaram a escolha reconhecendo que ele era “um autêntico cristão, um asceta, um verdadeiro bispo”.
SEMPRE EM PERIGO
Depois da sua eleição, Atanásio dirigiu-se em visita pastoral a Tebaida entre os monges de São Pacômio. Era importante consolidar a unidade com eles, pois tinham uma grande influência sobre o povo e sua fidelidade à fé nicena podia ser determinante para o bem da Igreja, sem esquecer que seu coração batia muito forte pelo mundo dos ascetas, pois todos sabiam de sua amizade com Pacômio que, não obstante, procurou se esconder temendo que o amigo bispo quisesse ordená-lo sacerdote e envolvê-lo no ministério. Atanásio o compreendeu e lhe perdoou essa fuga.
Enquanto visitava aquele imenso território ao redor de Assuã, os melecianos, guiados por certo João Arkaf, acusaram-no diante do imperador de ter sido ordenado bispo ainda muito jovem, de ter imposto tributos injustos aos cristãos, de ter quebrado o cálice sagrado de um bispo meleciano e – coisa inaudita – de ter tramado contra a vida do próprio imperador. Não foi difícil para ele se defender dessas grandes falsidades. No fim do ano 332, uma nova infame acusação: ele teria mandado matar o bispo Arsênio de Ipsele. Também dessa vez foi grande a vergonha pela qual passaram os inimigos. Atanásio tinha ao seu lado os monges e Arsênio, que estava escondido em um mosteiro, compareceu vivo e vigoroso no tribunal.
Além dos melecianos, havia também os arianos para lhe tornar a vida penosa. Esses conseguiram que Ario subscrevesse uma fórmula de fé que poderia, talvez, ser interpretada no sentido ortodoxo, mas sem a palavra “consubstancial”. O imperador pediu a Atanásio para readmiti-lo em sua Igreja, mas, ele não aceitou. Os bispos arianos e melecianos obrigaram-no a convocar um concílio em Tiro no ano 335. Atanásio partiu acompanhado de mais ou menos cinquenta bispos egípcios, todos fiéis a Niceia, mas eles foram excluídos da participação nas reuniões conciliares onde se decretou a readmissão de Ario na comunhão eclesial e a condenação de Atanásio. Durante o concílio, Atanásio foi insultado, coberto de injúrias e obrigado a fugir escondido em uma jangada, dirigindo-se a Constantinopla para falar pessoalmente com Constantino.
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