Este pequeno artigo nasce a partir da meditação do Evangelho de São João 15,1-8 – A verdadeira videira.
A princípio podemos pensar que esta passagem do evangelista João nada tem a haver com o nosso tema, mas o que nos chama a atenção neste anúncio é que embora esse relato seja curto, Jesus usa por sete vezes o verbo permanecer, ou seja, os frutos da permanência se dão a partir da ligação e intimidade com Cristo. É justamente nessa ideia de permanência que entra o tema da cela, pois para nós carmelitas a nossa cela é o nosso santuário, extensão da capela, é o viver na presença de Deus, como nos lembra nosso pai, o Profeta Elias: “vive o Senhor, Deus de Israel, em cuja presença estou” (1Reis 17,1)
“Na cela nos é mostrado o tesouro inestimável, e incomparável de contemplação cheio de perfumes, de maneira que, desprezada totalmente as coisas caducas da terra, a nossa alma se consome inteiramente no desejo da contemplação[…]”, (Nicolau Gálico, A flecha de fogo, cap. 9). A cela é o lugar de vigília, oração, meditação, trabalhos, ascese e do descanso, mas às vezes para se fazer um santuário desse lugar, basta conseguir permanecer nela, por que aí se encontra a transformação, passando do homem exterior para o homem interior.
Quando permanecemos em nossa cela, vamos ao encontro de nossa obscuridade, se permanecemos nela como progresso humano, não fugiremos de nós mesmos, mas pelo contrário, vamos ao nosso próprio encontro. Mas não basta simplesmente permanecer na cela é preciso haver uma união íntima com Cristo, do contrário afirma-nos o patriarca Amonas: “um homem pode permanecer em sua cela durante cem anos sem, contudo, aprender o modo adequado de como se deve permanecer nela” (Apot 670)
É justamente com o verbo permanecer que se inicia o parágrafo número 10 da regra da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, que assim diz: “permaneça cada um na sua cela, ou mais perto dela, meditando dia e noite na lei do Senhor e vigiando em oração” […]. Os padres do deserto aconselhavam repetidamente a permanência na cela, como um caminho de autoconhecimento, o auto suportar-se e não fugir de si mesmo. A ideia de permanência dos patriarcas nos apresenta uma condição de estabilidade. A permanência da cela não deve ser vista como delírio, mas como condição de progresso humano e espiritual, em outras palavras, o caminho para se chegar à divindade passa primeira pela nossa humanidade
Para bem ilustrarmos a nossa ideia, podemos recorrer ao evangelho e pensar: o que garante a estabilidade de uma figueira? São as suas raízes, e na medida que a árvore se estabiliza, pela profundidade de suas raízes no solo, ela cresce. O permanecer na cela é antes de tudo permanecer em si mesmo, por isso nos aparece uma pergunta fundamental para o conhecimento humano: quem sou eu? Vemos então que a cela é o lugar do aprofundamento identitário e só passando desse primeiro exercício que poderemos ir à presença de Deus.
A Ordem do Carmo nasceu no Monte Carmelo, onde os primeiros carmelitas entregues a uma vida de oração compreendiam o monte como o lugar à parte, o deserto. Aquele que deseja se encontrar com o Senhor precisa se retirar, subir o monte para ir ao Seu encontro. Hoje compreendemos que não é necessário ir a Israel, no Monte Carmelo para está com o Senhor, mas temos a cela que é o nosso lugar de encontro a sós com Ele, o nosso próprio deserto, o nosso próprio monte.
A cela é um pedaço do Monte Carmelo, onde devemos estar dia e noite na presença do Senhor, nas palavras de Nicolau Gálico; “na cela recebemos as verdadeiras delícias do paraíso que de tal modo deleitam e restauram o nosso homem interior, que o seu desejo ao mesmo tempo, aumenta a sede e é saturado”. (Nicolau Gálico, A flecha de fogo, cap. 9). Na Idade Média, os monges cantavam elogio a cela: Célia est coelum – a cela é o céu, por que é justamente aí que podemos experimentar o amor de Deus e sua proximidade. Contudo, só serei capaz de fazer essa experencia de for capaz de permanecer na cela, assim faremos a experiência do céu, pois Deus mesmo mora nela.
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