O seguinte texto visa apresentar Teresa de Lisieux na sua dimensão eucarística. Sabemos que a Eucaristia ocupa um lugar central na vida de Teresa que teve a graça de nascer em uma família onde a fé era transmitida aos filhos de modo muito profundo. Não sem motivos, os seus pais também foram elevados à honra dos altares.
Certamente uma das santas mais conhecidas e estudadas da atualidade, Teresa de Lisieux é fascinante, quanto mais adentramos a sua obra, mais descobrimos. Seus escritos tocam diferentes pontos da Teologia Cristã, suas palavras revestidas com o tom da cotidianidade e dos afazeres comuns de uma jovem monja carmelita carregam em si a inteligência da grande Doutora da Igreja, que mesmo nas limitações do seu tempo trouxe à luz muitos temas que depois foram abordados pela Igreja Universal.
Teresa vê além do seu tempo e podemos dizer isso também em relação à Eucaristia, afinal, o seu pensamento contribuiu muito, como veremos, para a compreensão de que é Jesus que vem ao nosso coração, Ele somente tem o poder de nos purificar e não o contrário.
Seria muito amplo tratar do tema da Eucaristia em toda a obra de Teresa de Lisieux que exigiria uma pesquisa mais detalhada e extensa, porém, teremos modo de revisitar uma parte importante da sua obra e colher aspectos válidos para a nossa reflexão.
A dimensão eucarística de Santa Teresa do Menino Jesus será abordada a partir da leitura do Manuscrito A de História de uma alma, a ideia é demonstrar a centralidade da Eucaristia já no início da vida espiritual de Teresa, enfatizando o momento da sua Primeira Comunhão.
Posteriormente, publicaremos outro texto seguindo o mesmo conceito de pesquisa a partir das cartas que Teresa escreveu à sua prima Maria Guérin.
Manuscrito A.
Santa Teresa do Menino Jesus, despensa apresentações, considerando a sua imensa popularidade e a força com que a sua mensagem atingiu os lugares mais distantes do mundo. Depois de uma vida inteira mergulhada na imensa misericórdia divina, a jovem carmelita, morta no dia 30 de setembro de 1897 no Carmelo de Lisieux, se torna uma grande missionária através dos seus escritos publicados anos depois com o titulo História de uma alma, permanecendo até hoje como um dos livros mais lidos do mundo.
O primeiro caderno, manuscrito A, é endereçado à Madre Inês de Jesus (Paulina) que incentivada por Irmã Maria do Sagrado Coração (Maria) pediu que Teresa escrevesse as suas recordações partindo do período da infância.
A doutrina de Teresa é uma verdadeira contemplação do “abaixamento de Deus” que “descendo assim, Deus mostra a sua grandeza infinita[1]”. Isso se reflete de modo extraordinária na dimensão eucarística da sua espiritualidade. Arrisco-me em dizer que a Eucaristia ocupava um lugar especial na vida da família Martin, os pais de Teresa foram os seus primeiros modelos de santidade e transmitiram o amor pelo Sacramento da Comunhão para cada uma das filhas. Como vemos no relato dos passeios que ela fazia com seu pai depois que a família se mudou para Lisieux após a morte da mãe:
“Todos os dias ia dar um passeio com o Papai; fazíamos juntos a visita ao Santíssimo Sacramento, visitando cada dia uma nova igreja. Foi assim que entrei, pela primeira vez, na capela do Carmelo. O Papai mostrou-me a grade do coro, dizendo-me que, por detrás estavam religiosas. Estava bem longe de imaginar que, nove anos mais tarde, eu estaria entre elas![2]”.
Gostaria de permanecer um pouco nesse relato de Teresa sobre suas visitas cotidianas ao Santíssimo Sacramento, porque nada em Teresa é por acaso e já em tenra idade podemos observar a sua capacidade de traduzir o amor e a oração em obras. Na verdade é uma característica que a acompanhou por toda a vida, dispensando gestos de caridade que ultrapassavam as suas “antipatias naturais[3]”.
“Durante os passeis que dava com o Papai, ele gostava de me mandar dar a esmola aos pobres que encontrávamos, Um dia vimos um que se arrastava penosamente com muletas; aproximei-me para lhe dar uma moeda, mas, não se considerando bastante pobre para receber a esmola, olhou-me sorrindo tristemente, e recusou aceitar o que lhe oferecia[4]”.
A experiência de adoração eucarística já inspirava na pequena Teresa ações de caridade que ligava o seu coração aos que mais precisavam de um olhar misericordioso. O seu gesto falido de dar esmola a fez perceber que poderia oferecer algo irrecusável, essa seria a sua intenção principal no dia que receberia pela primeira vez Jesus na Eucaristia;
“Porém, queria dar-lhe qualquer coisa que ele não pudesse recusar, pois sentia por ele uma simpatia muito grande. Então me lembrei de ter ouvido dizer que, no dia da Primeira Comunhão se obtinha tudo quando se pedisse; este pensamento consolou-me e, apesar de ter então apenas seis anos, disse para comigo: “Rezarei pelo meu pobre, no dia da minha Primeira Comunhão”. Cumpri a promessa cinco anos mais tarde, e espero que Deus tenha atendido a oração que Ele inspirou fazer-Lhe por um dos seus membros sofredores[5]”.
O Domingo era um dia especial para Teresa, a “festa do Bom Deus[6]”, a Páscoa semanal, mas, também as festas e solenidades eram vividas com grande intensidade, contando com a ajuda de suas irmãs mais velhas para compreender o sentido e a riqueza de cada uma delas: “Gostava, sobretudo, das procissões do Santíssimo Sacramento! Que alegria espalhar flores sob os passos de Deus!… Mas antes de deixá-las cair, lançava-as o mais alto que podia, e nunca ficava tão contente como quando via as minhas rosas desfolhadas tocarem no Ostensório Sagrado[7]”.
A alegria que prova a alma que recebe Jesus na Eucaristia foi antecipada a Teresa já na primeira comunhão de Celina: “O dia da Primeira Comunhão de Celina deixou-me uma impressão semelhante à da minha. Ao acordar, de manhã, sozinha na cama grande, sentia-me inundada de alegria. “É hoje!… Chegou o grande dia!…” não me cansava de repetir estas palavras. Parecia-me que era eu que ia fazer Primeira Comunhão. Creio que recebi grandes graças nesse dia, e considero-o como um dos mais belos da minha vida[8]”.
Se a primeira Comunhão de Celina foi um momento especial na vida de Teresa, tanto mais foi quando chegou a sua vez. Depois de uma preparação espiritual assegurada por sua família e pelas religiosas da Abadia onde Teresa realizou seu retiro: “A época da minha Primeira Comunhão ficou-me gravada no coração como uma recordação sem nuvens[9]”. Diversas são as vezes que Teresa recoradará desse momento em sua obra, um momento que permaneceu na memória e no coração: “Chegou finalmente o mais belo dos dias! Que inefáveis recordações deixaram na minha alma os mais pequenos pormenores desse dia do Céu![10]”.
Um beijo de amor era como Teresa descrevia o momento de sua primeira Comunhão, uma experiência mística esponsal que a unia inteiramente a Jesus, como escreveu: “Foi um beijo de amor. Sentia-me amada, e de minha parte dizia: “Amovos, entrego-me a Vós para sempre”. Não houve pedidos, nem lutas, nem sacrifícios. Desde muito, Jesus e a pobre Teresinha se tinham olhado e compreendido. Naquele dia, porém, já não era um olhar, era uma fusão. Já não eram dois: a Teresa desaparecera, como a gota de água que se dilui no bojo do oceano[11]”.
Para Teresa, receber Jesus na eucaristia era ter o céu na alma, por isso dizia não se sentir triste pela ausência de sua mãe nesse dia tão especial: “Não estava o Céu dentro de mim, e nele não tinha Mamãe desde muito tomado lugar? Desta forma, quando recebi a visita de Jesus, recebi também a de minha querida Mãe, que me abençoava e se regozijava com minha felicidade[12]”.
Como sabemos na época de Teresa a comunhão frequente não era um uso comum, por isso, somente depois de um mês da sua primeira Comunhão ao confessar-se para a Solenidade da Ascenção do Senhor, recebeu a autorização para comungar pela segunda vez[13]. Muito emocionada, Teresa se recorda das palavras de São Paulo “Não sou eu que vivo, mas, é Cristo que vive em mim”. O desejo por receber a comunhão frequente será retomado outras vezes nos escritos de Teresa. Comentando essa ocasião onde recebeu a autorização do sacerdote, Teresa escreve “A partir dessa Comunhão, meu desejo de receber o Bom Deus tornou-se cada vez maior; obtive permissão de fazê-lo em todas as festas principais[14]”.
A partir da sua primeira Comunhão Teresa se sente “inundada de consolações[15]” que alimentavam o seu desejo de sofrer por amor e de encontrar alegria somente em Deus: “Muitas vezes, repetia em minhas comunhões as palavras da Imitação de Cristo: “Ó Jesus! doçura inefável, convertei-me em amargura todas as consolações da terra!…” Esta oração me saía dos lábios sem esforço, sem constrangimento. Vinha-me a impressão de que a repetia, não por minha vontade, mas como criança que repete as palavras que uma pessoa amiga lhe sugere[16]”.
A epidemia que no inverso de 1890 já tinha causado 70.000 mortes na França, atingiu o mosteiro de Lisieux devastando a comunidade, primeiro com a morte de Madre Genoveva, depois de Irmã São José de Jesus no dia do aniversário de 19 anos de Teresa em 1892 e logo depois continuando com a morte de Irmã Febronia e Irmã Madalena do Santíssimo Sacramento. Nesse período Teresa teve seus trabalhos redobrados pela necessidade de cobrir o ofício das irmãs que estavam doentes: “a morte reinava em todo lugar, as mais doentes eram tratadas pelas que apenas conseguiam se arrastar. Logo que uma irmã soltava o último suspiro, éramos obrigadas a deixá-la sozinha[17]”.
Durante esse tempo de grande provação no mosteiro de Lisieux e em toda França, Teresa encontrou forças na Eucaristia e recebeu a consolação de fazer a comunhão todos os dias: “Ah! como era bom!… Jesus me mimou muito tempo, mais tempo que suas fiéis esposas, pois permitiu que me fosse dado sem as outras terem a felicidade de recebê-Lo[18]”.
Outro detalhe importante da narração do período da epidemia é a felicidade de Teresa em poder tocar os vasos sagrados e as alfaias preparando o altar para a Santa Missa: “Estava também muito feliz por poder tocar nos vasos sagrados, por preparar os paninhos destinados a receber Jesus. Sentia que precisava ser muito fervorosa e lembrava-me com frequência esta palavra dirigida a um santo diácono: “Sede santo, vós que levais os vasos do Senhor[19]”.
Relatos como esse, retornam na obra de Teresa como, por exemplo, na poesia 40 As sacristãs do Carmelo a pedido de Irmã Maria Filomena de Jesus e na Poesia 25 Os meus Desejos junto de Jesus escondido na sua Prisão de Amor, composta a pedido de Irmã São Vicente de Paolo.
POR: FREI JULIANO LUIZ DA SILVA, O.CARM
BIBLIOGRAFIA
Santa Teresa di Gesù Bambino e del Volto Santo. Opere Complete. Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, Roma 2009.
CAPRIOLI. MARIO, I papi del secolo XX e S. Teresa di Lisieux. Teresa di Lisieux, novità e grandezza di un dottorato. Teresianum, Roma 2000.
[1] Ms A 3rº.
[2] Ms A 14rº.
[3] Ms C 13vº . Em referimento à “antipatia natural” que sentia em relação à Irmã Teresa de Santo Agostinho.
[4] Ms A 15rº.
[5] Ms A 15rº.
[6] Ms A 17rº.
[7] Ms A 17rº.
[8] Ms A 25vº.
[9] Ms A 32vº.
[10] Ms A 34vº.
[11] Ms A 35 rº.
[12] Ms A 35vº.
[13] Cf Ms A 36rº.
[14] Ms A 36rº.
[15] Ms A 36rº.
[16] Ms A 36vº.
[17] Ms A 79vº.
[18] Ms A 79vº.
[19] Ms A 79vº.
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