Colecta do III Domingo da Quaresma: “Deus, Pai de misericórdia e fonte de toda a bondade, 11 que nos fizestes encontrar no jejum, na oração e no amor fraterno os remédios do pecado, olhai benigno para a confissão da nossa humildade…”
Os 3 grandes meios que este “tempo favorável” nos apresenta como caminho de penitência e conversão são, pois: o jejum, a oração e o amor fraterno.
Esta trilogia apareceu-nos logo no Evangelho da Quarta-feira de Cinzas (Mt 6, 1-6.16-18): “… quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti [..] Quando rezardes, não sejais como os hipócritas […] Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio…”
Mas também nos relatos da tentações de Jesus, do Domingo I da Quaresma (Mt 4, 1-11; Mc 1, 12-15; Lc 4, 1-13) encontramos a referência ao jejum, bem como a referência ao deserto como lugar do encontro intenso e íntimo com Deus e, por isso, como lugar da oração; não aparece explicitamente o terceiro elemento, a caridade, mas encontramo-la nas leituras da missa ao longo de todo o tempo quaresmal.
Por isso, partimos precisamente do texto das tentações de Jesus, Evangelho que ouvimos proclamar no primeiro Domingo da Quaresma. Nesse texto são-nos apresentadas, de forma sintética, as características maiores deste tempo litúrgico.
Oração.
A Quaresma é um tempo de oração mais intensa, mas também de revisão de vida, de “retiro”. Em 1983, o então Cardeal J. Ratzinger (hoje, Papa Bento XVI), quando orientou os exercícios espirituais ao Papa João Paulo II e à Cúria Romana, afirmou: “os 40 dias da Quaresma são já, em si mesmos, os grandes exercícios espirituais que a Igreja nos oferece ano após ano”.
A Quaresma é o “tempo favorável” para esse mais intenso encontro com Deus. Os 40 dias são-nos propostos como itinerário intenso de encontro com Deus, de conversão, de confronto da nossa vida com a Palavra de Deus.
A Palavra de Deus.
A escuta e meditação da Palavra é elemento fundamental da vivência deste tempo litúrgico da Quaresma. Neste tempo, a Palavra de Deus apresenta-nos Jesus Cristo como o protagonista da caminhada quaresmal que iniciámos. Jesus, além de protagonista, aparecenos, neste tempo, como o mestre, aquele que nos guia nesta caminhada quaresmal. Isso é particularmente evidente nas leituras dos dias feriais, que nos apresentam os temas fundamentais da vida cristã.
A conversão surge como o grande apelo feito a cada cristão, conversão que Jesus concretiza nos caminhos que nos aponta, em ordem a um seguimento mais radical. Jesus aparecenos, na Quaresma, por fim, como o modelo a imitar: assim como Jesus vai para o deserto 40 dias e vence as tentações, também nós somos desafiados a fazer deste tempo a imitação de Jesus. Como diz o prefácio da missa do primeiro Domingo da Quaresma, Jesus Cristo “triunfando das insídias da antiga serpente, ensinou-nos a vencer as tentações do pecado, para que, celebrando dignamente o mistério pascal, passemos um dia à Páscoa eterna”.
O jejum.
O jejum está conotado com a penitência. É sinal de arrependimento, de desejo de conversão. Jejuar é privar-se do que é necessário, é reconhecer a dependência daquele que dá a bebida e a comida, isto é, de Deus. O deserto, os 40 dias ou 40 anos e o jejum remetem, assim, antes de mais, para a atitude de arrependimento, conversão, penitência. O mais antigo elemento da Quaresma é o jejum. O Papa João Paulo II afirmou: “Pode dizer-se que Cristo introduziu a tradição do jejum de quarenta dias no ano litúrgico da Igreja, porque Ele próprio jejuou quarenta dias e quarenta noites antes de começar a ensinar. Com este jejum de quarenta dias a Igreja é, em certo sentido, chamada, cada ano, a seguir o seu Mestre e Senhor, se quiser pregar eficazmente o seu Evangelho” (João Paulo II, Audiência Geral de 28/2/1979).
O jejum faz parte da Quaresma! A abstinência de carne é apenas uma forma mitigada de jejum. É claro que hoje, falar de jejum não recolhe muita simpatia. Contudo, sem absolutizarmos tal prática, convém termos consciência da importância de renunciar a algo, de que o alimento é apenas um sinal 12 sensível. S. Leão Magno di-lo de forma clara: o jejum “não consiste só na abstinência dos alimentos, mas também e sobretudo em abster-se do pecado”. São João Crisóstomo utiliza uma linguagem pradoxal para dizer isso: “Como é possível que jejuando, não se jejue? É possível se, renunciando ao alimento habitual, não se renuncia ao pecado. Como é possível que, não jejuando, se jejue? É possível se se toma alimento, renunciando ao pecado. Este jejum é bem melhor que o outro; e não apenas melhor, mas ainda mais fácil” (cit. por A. Nocent, Célébrer Jesus-Christ. L’année liturgique 3. Carême, Paris 1976, 46).
Amor fraterno.
Por fim, um terceiro meio para a conversão é o amor fraterno, a caridade. Na tradição cristã o termo mais usado era o da esmola. E sobre este meio não me pretendo alongar. Não há oração verdadeira, expressão do amor a Deus, sem sincera atenção aos outros. O amor a Deus e ao próximo são inseparáveis. Em cada ano, cada Diocese determina o destino a dar à “renúncia quaresmal”, o que mostra o quanto o jejum, aquilo a que se renuncia, está também ligado ao amor fraterno, à ajuda aos mais necessitados. Jejuar é também renunciar a alguma coisa para poder ajudar os outros.
Os três meios são inseparáveis.
Os três meios por excelência para a conversão quaresmal, para nos prepararmos convenientemente para a celebração da Páscoa – a oração e a escuta mais intensa da Palavra de Deus, o jejum e o amor fraterno – são inseparáveis. Não se trata de escolher um deles, mas de os abraçar em conjunto. Di-lo claramente São Pedro Crisólogo, num sermão (Ofício de Leitura da terça-feira da III semana da Quaresma): Há três coisas, irmãos, pelas quais se confirma a fé, se fortalece a devoção e se mantém a virtude: a oração, o jejum e a misericórdia. O que pede a oração, alcança-o o jejum e recebe-o a misericórdia.
Oração, jejum e misericórdia: três coisas que são uma só e se vivificam mutuamente.
O jejum é a alma da oração, e a misericórdia é a vida do jejum. Ninguém tente dividi-las, porque são inseparáveis. Quem pratica apenas uma das três, ou não as pratica todas simultaneamente, na realidade não pratica nenhuma delas.
Portanto, quem ora, jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda as súplicas de quem lhe pede, pois aquele que não fecha os seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus às suas próprias súplicas. […] Façamos, portanto, destas três virtudes – oração, jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única operação sob três formas distintas.
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