“Seu jugo é suave e seu peso é leve.” (Mt 11,30)
FATO: Tiago dizia ter se afastado da Igreja, da “religião”, desde que fizera a Primeira Comunhão. Afirmava com seus amigos que a religião é algo chato, pesado e triste. Não via na religião interesse algum, segundo seu modo de pensar.
A decisão de ser um discípulo de Cristo envolve todo o nosso ser: pensamentos, sentimentos, atitudes, comportamento. A fé não é uma ideologia, nem se trata de meras afirmações nem ideias sobre Deus. Há muitas formas de idolatria na história humana, inclusive nos tempos atuais, de identificar Deus com uma ideia, com conceitos, com “imagens” criadas segundo nosso modo de “achar” e sentir. Deus está além de qualquer palavra e conceito porque Ele é inefável.
A verdade não é uma fórmula, é uma experiência, uma descoberta e um encontro com o mistério e não se pode transferir uma experiência. O que tem valor não pode ser transferido, mas pode ser testemunhado.
Os primeiros cristãos – na originalidade e pureza da experiência de ser discípulos de Cristo – eram comparados com o Sol por São João Crisóstomo, que dizia: “Eles que, assim que apareciam, dissipavam as trevas e persuadiam antes de falar”. Perdoavam como amavam e incentivavam seus irmãos.
Essa atitude nos ensina que é preciso não desmentir com o comportamento a afirmação de Cristo, nosso Senhor, que o “seu jugo é suave e seu peso é leve” (Mt 11,30) e não dar a entender o contrário, tornando seu caminho algo pesado e antipático.
Como cristãos é preciso difundir a doçura, a bondade, a paciência e ser abnegados. A medida do que havemos de receber estará no que dermos. Se dermos tudo, pois a Deus estamos dando, muito receberemos.
Por vezes somos brandos conosco e duros para com os demais; transigentes conosco, intransigentes com o próximo. Por falta de vencer a si mesmo nascem muitos males. Sem sacrificar-se é impossível ser amável, sem amar não há bem algum. Para tornar-se tudo para todos, conquistando alguns para Cristo, é preciso deixar de pertencer a si mesmo. Devemos ser intransigentes conosco e condescendentes com os demais. O limite dessa tolerância deve ser o pecado.
Sofrer nós mesmos e prodigalizar benefícios ao próximo: que eu padeça para que o irmão usufrua. Muitas vezes é preciso pôr nos próprios ombros as amarguras para que os demais assumam as alegrias. Duros conosco e brandos com os outros. Essa é a atitude de um discípulo de Cristo que segue realmente o Mestre.
Muitos verão nossa suavidade como fraqueza, temor, desejo de agradar e até como meio de ser queridos e admirados. Nosso rigor conosco muitas vezes pode ser interpretado em sentido desfavorável.
Dar-se bondosamente e sofrer em silêncio são coisas que passam ignoradas pelas pessoas, mas isso são as verdadeiras virtude e atitude. Nem sempre o bem é reconhecido e respeitado ou mesmo valorizado. Um cristão “leva a vida a sério”.
Isso significa que reconhece a vida como mistério a ser descoberto a cada instante, em cada circunstância, que da vida não se perde nada, não se joga nada fora. Tudo é oportunidade para penetrar o mistério e com isso reconhecer a verdade revelada por Jesus, que vai muito além de nossos conceitos, fórmulas e repetidas afirmações.
Um cristão vê em tudo a oportunidade para afirmar sua fé, amar a Deus e ao próximo sem que nada o escandalize e sem que tenha um conceito errado do mundo. Pobre de espírito, puro de coração, manso e humilde, misericordioso a ponto de se alegrar com as exigências desse caminho, pois nele vê de maneira nova e profunda o mistério de Deus, que se revela.
Longe de nós, cristãos, pensar que para seguir Cristo é necessário que estejamos em constante conflito com o mundo e acabemos sendo presenças assustadoras, pesadas e aborrecidas com todos. Enganamos a nós mesmos acreditando que é mais agradável a Deus a intransigência do que a tolerância prudente, que é mais eficaz o rigor que a benevolência, que é zelo o amor-próprio.
Tudo o que o ser humano faz tem suas falhas. É preferível o que provém da bondade, da simplicidade, da humildade, da abnegação do que do rigor, da justiça, da retidão e da intransigência. “Vós sois o sal da terra” (Mt 5,13). O sal tempera o insosso. Esta é a missão do cristão: dar sabor ao que for insosso, nos lugares aonde for, onde morar, às pessoas com quem se encontrar. Tornar agradável a vida fervorosa, ser amável à virtude, alegre à penitência, consolador ao sofrimento.
O sal cauteriza o que está corrompido. Para cauterizar o sal se derrete, isto é, destrói a si mesmo, por assim dizer, para o bem do próximo, e esse sacrifício não pode ficar sem recompensa. O sal preserva os indivíduos da corrupção.
O exemplo do cristão deve ter uma força tão poderosa que ninguém fique indiferente à sua presença. E sua simplicidade e naturalidade devem ser de tal modo que todos os que o cercam sintam em sua presença um apelo a uma nova vida. O cristão deve elevar tudo o que tocar.
O desejo que têm alguns de querer que todos se adaptem à medida sua é um defeito que leva a muitos sofrimentos. Cada ser humano é único, original e irrepetível. Deus, nosso Senhor, sabe santificar a todos, levando cada um pelo caminho que Ele traça.
Você acha que é como deve ser? É bom que ache, desde que assim seja. Mas, por que pensar que o próximo, por não ser como você, não é como deve ser?
É difícil calcular os males que acarreta a tola presunção de querer que todos sejam como queremos, sem jamais querermos deixar de ser como somos. É vulgaridade imprópria dos que sabem algo sobre o espírito não tolerar no próximo as faltas mais mínimas, pretendendo que a nós sejam perdoadas as maiores.
Esse deve ser o nosso programa: vamos tirar de nós tudo aquilo que, quando vemos nos outros, causa-nos indignação, impacienta-nos e revolta-nos. Vamos praticar tudo de bom, tudo que vemos no próximo e nos edifica.
A alegria é fruto da santidade, testemunho da consciência livre, reflexo da paz da alma. Para estar alegre assim, nada é preciso além da graça de Deus. A alegria torna o tempo breve e fácil a vida, amáveis as pessoas, torna atraentes o bem e a verdade e transforma a terra em céu.
O filósofo Aristóteles dizia que a alegria aperfeiçoa a obra e a tristeza a corrompe. Se viver alegre, você fará tudo com satisfação, sem cansaço, sem desfalecimento.
Santo Agostinho nos ensina onde devemos buscar a alegria: dentro de nós, no coração, fazendo abstração de tudo que nos pode tirar essa alegria, que devemos procurar tornar imperturbável.
Se a alegria estiver baseada nas coisas externas, virá e se afastará ao sabor dos acontecimentos. Mas, se suas raízes estiverem no coração, e esse for bem protegido, não haverá perigo.
Quando o que vem de fora nos levar à tristeza, voltemos a olhar para dentro e encontraremos a alegria. É um recurso de que você terá de lançar mão com frequência. Dentro você sempre encontrará motivo para estar alegre, embora rodeado pelos acontecimentos tristes.
Para viver como seguidores de Cristo, para buscá-lo, encontrá-lo e servi-lo, o Espírito Santo indica alegria.
Para os que buscam Deus, isso já é a causa de alegria. Que grande graça é buscar Deus! Para os que o encontram, não há felicidade maior. Para os que o servem, não há nada mais belo e precioso na vida.
“Alguém de vós está triste? Reze” (Tg 5,13), isto é, busque Deus, recuse simples respostas humanas, fale com Deus e não busque nada fora dele. A tristeza não se cura buscando satisfações, mas falando com Deus.
A alegria é inseparável do amor, da paz, da sabedoria de viver. E isso apesar das numerosas dores e amarguras. Que sofrimento maior que os terríveis tormentos dos mártires? Que, no entanto, seguiam contentes e alegres para dar a vida por Cristo.
Artigo de autoria do Padre José Alem.
Texto extraído da seção “Espiritualidade” da Revista Ave Maria – Edição junho/2017.
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