Não tendo sido por natureza nenhum santo, a figura de Camilo de Léllis foi avaliada de muitas maneiras em vários processos canônicos antes de ser inscrita no rol dos santos. Ele nasceu em Bucchianico, uma pequena aldeia nos Abruzos, perto de Chieti, filho do marquês João de Léllis e Camilla Campeli, aos 25 de maio de 1555, Festa de Pentecostes.
Sua mãe já tinha tido um primeiro filho quando era jovem, mas o tinha perdido ainda criança. Depois, passaram-se muitos anos sem que ela tivesse outros filhos e já havia perdido toda a esperança. Quando ficou grávida, não queria acreditar e só depois de ter ficado bem certa resolveu dar a boa notícia ao marido. A espera transcorreu entre a alegria, o dom esperado e o temor de não dar à luz por causa da idade avançada.
Na manhã de 25 de maio, Festa de Pentecostes, o tempo era bonito, mas sobre a colina de Bucchianico o ar estava frio, pois o monte Gran Sasso ainda estava coberto com a branca neve. A senhora Camila, por prudência, não quis sair de casa muito cedo para ir à primeira Missa, mas escolheu a Missa solene das dez horas. Já estava na igreja e o sacerdote havia apenas iniciado a liturgia quando sentiu de repente as dores do parto. Disse-o a duas amigas mais próximas e juntas saíram rapidamente da igreja. Por sorte, a casa delas era próxima, mas, mesmo assim, aos pés da escada as dores aumentaram e as duas amigas carregaram-na até um estábulo, onde de um lado havia um belo cavalo e do outro feno e palha. Embora o estábulo estivesse em ordem, não deixava de ser um estábulo, onde em pouco tempo veio à luz, um menino bonito e sadio, enquanto que da igreja se ouvia o soar dos sinos que advertiam que era o momento da elevação.
Quando o pai recebeu a notícia de que havia nascido um robusto menino ficou duplamente feliz e, em honra da esposa que tanto amava, pôs-lhe o nome de Camilo. João de Léllis era um homem muito bom, mas apaixonado pela arte da guerra. Havia servido todo o tempo às ordens do rei da Espanha, alcançando o grau de coronel. No momento, em que não havia guerra em nenhum lugar, estando em casa, comandava o distrito militar do quartel no castelo de Pescara.
João de Léllis era um homem muito bom, mas apaixonado pela arte da guerra. Havia servido todo o tempo às ordens do rei da Espanha, alcançando o grau de coronel. Agora que não havia guerra em nenhum lugar, estando em casa, comandava o distrito militar do quartel no castelo de Pescara.
A paixão do pai foi transmitida rapidamente ao filho. De fato, Camilo ainda não tinha aprendido a escrever e já usava com destreza as armas e, quando a senhora Camila faleceu, ao coronel viúvo não restou outra escolha que trazer sempre junto de si o menino de 13 anos que cresceu junto aos soldados.
Encontrava-se exatamente em Ancona junto com seu pai para alistar-se na Aliança a fim de ir para Lepanto lutar contra os turcos, quando o coronel de repente morreu e Camilo ficou órfão. Voltou para casa a tempo de colocar em ordem a herança paterna e depois, habituado à vida agitada das armas com o jogo de dados e das cartas, quando não tinha de empunhar o arcabuz, juntamente com seus amigos, dissipou todos os seus bens e caiu na miséria.
Se antes ser soldado era para ele uma paixão, agora se tornava uma dura necessidade.
Em 1571, foi a Roma, pois tinha uma ferida em sua perna que se fechava e reabria constantemente e haviam-lhe dito que na cidade dos papas havia um hospital geral que fazia milagres de curas. Camilo permaneceu em São Tiago dos Incuráveis até o final do ano, pois assim que se sentiu curado se alistou novamente na segunda aliança e combateu na Dalmácia e depois na Tunísia. Em 1574, retornou a Roma, e retomou jogar dados e cartas, chegou a apostar a própria camisa do corpo.
Camilo, encontrou-se por acaso com um frade capuchinho que lhe deu uma enérgica repreensão e, como ele sempre fora um gigante com um bom coração, arrependeu-se de seus pecados e aceitou ganhar o pão e recomeçar a vida como ajudante de cozinha no convento dos capuchinhos próximo de Roma. Um dia, retornando da Cidade Eterna, em um asno do convento trazendo alimentos para os frades, uma luz penetrou-lhe a mente e aqueceu-lhe o coração: de um lado viu a estupidez da sua vida passada e do outro descobriu que Deus, não obstante tudo aquilo, amava-o imensamente.
Não podia mais viver como antes. Disse aos frades que gostaria de seguir como eles o exemplo do Poverello (Pobrezinho) de Assis e vestiu com alegria o hábito franciscano. Infelizmente, a alegria durou pouco, porque a ferida na perna se reabriu novamente, e os padres enviaram-no para um hospital de Roma.
Ficou em São Tiago por aproximadamente quatro anos, mas com um comportamento diferente: estava mais atento às necessidades dos outros do que à sua ferida. Quando disseram que ele estava curado, retornou ao noviciado capuchinho. Mas, a ferida reabriu-se novamente e, dessa vez, os capuchinhos lhe disseram claramente que, para um homem tão adoentado, não havia lugar em uma ordem muito severa como a deles. Foi dispensado definitivamente. Retornou a São Tiago e compreendeu que aquela era sua casa: dedicou-se à assistência aos doentes, sentindo inundar o coração com a mesma luz radiante que um dia tinha brilhado para ele quando retornava de Roma para o convento em que fora ajudante. E o fenômeno se repetia frequentemente, nos momentos mais inesperados. Um dia, enquanto lavava os pés de um doente, compreendeu que era Jesus, Jesus que sofria, e sentiu a alegria de poder cuidar de seu Senhor. Gravaram-se com letras ardentes, em seu coração, aquelas palavras do Evangelho: “Todas as vezes que fizestes isto a um só destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,40).
Nos momentos livres, Camilo ia ao Oratório de Filipe Néri, que bem depressa se tornou seu amigo e conselheiro.
Observando no hospital o grande número de doentes e o estado miserável no qual se encontravam, pois os enfermeiros trabalhavam só por dinheiro, pensou em reunir um grupo de homens de boa vontade, para os quais ele transmitiria a luz que tinha no coração para se dedicar à assistência dos enfermos, só por amor de Deus. A ideia era ousada e para alguns até mesmo absurda. Enquanto rezava diante de um crucifixo, Camilo teve a resposta: “Esta obra não é tua”, disse-lhe Jesus Cristo, “mas minha!”. Também Filipe Néri o confirmou. Nasceu assim a Congregação dos Ministros dos Enfermos. Mas os enfermos não tinham só necessidade de assistência corporal e ele foi aconselhado a estudar teologia para ser ordenado padre.
Mais do que nos bancos da escola, Camilo aprendia daquela luz que brilhava dentro do seu coração enquanto cuidava dos doentes. Mesmo assim, aceitou o conselho, passou nos exames não se sabe como e foi ordenado sacerdote em 26 de maio de 1584. No dia 8 de setembro do mesmo ano foi autorizado a entregar o hábito religioso a seus primeiros companheiros e o novo grupo partia toda manhã com alegria imensa da casa para o hospital para servir a Jesus nos doentes.
Dois anos depois, Sisto V aprovava a nova congregação e em 1591 Gregório XIV reconhecia-a como ordem religiosa, na qual os membros, além dos três votos tradicionais, emitiam um quarto voto de “perpétua assistência corporal e espiritual aos doentes, mesmo que estivessem com peste”. Seria como se hoje alguém fizesse o voto de se dedicar aos cuidados com os doentes de AIDS. Porém, pior ainda, pois hoje sabemos nos proteger mais facilmente do contágio, mas, naquele tempo, se alguém cuidasse de um pesteado, facilmente poderia pegar a doença.
A ordem se espalhou rapidamente em outras cidades italianas e Camilo procurou dar uma formação profunda espiritual a seus filhos, com cartas e exortações, com visitas às várias casas, mas, sobretudo, com o seu exemplo.
Na época da terrível inundação do rio Tibre em Roma, em 1598, enquanto Camilo procurava salvar os doentes, percebeu que estava faltando um religioso. Ele, chamado pelos companheiros para o trabalho pesado, havia se desculpado, dizendo que estava fazendo o seu turno de adoração diante do Santíssimo Sacramento. Camilo lhe mandou dizer que, se ele não descesse imediatamente até o térreo que estava inundado para carregar nas costas os doentes e salvá-los, poderia sair imediatamente da ordem, pois ele não sabia o que fazer com um religioso que adorava Cristo presente na Santa Hóstia, mas não conseguia reconhecê-lo presente nos irmãos necessitados.
Tendo consciência de que é inútil falar de amor a Deus sem socorrer quem está precisando de ajuda, ele estabeleceu para os seus esta hierarquia no agir: cuidar do corpo antes que da alma, do corpo para a alma, um e outro para Deus e realizá-lo sabendo que se está fazendo diretamente ao próprio Jesus. Desejava que seus filhos fossem preparados também humanamente para poder socorrer a criatura humana em sua totalidade. A experiência pessoal da condição miserável de pecador, não só a de enfermo incurável, havia-lhe ensinado o caminho certo para se aproximar dos doentes. Frequentemente, esses, além das feridas físicas, trazem escondidas no seu íntimo as feridas bem mais profundas que só o amor verdadeiro pode curar. Por isso, ele gostava de repetir que é preciso servir a todos os enfermos com uma caridade especial, com o mesmo amor de uma mãe pelo seu único filho, com o amor de Maria aos pés do crucificado.
Nos últimos anos, Camilo deixou para os outros o governo de sua ordem e, como o último dos irmãos, dedicava-se exclusivamente ao serviço dos enfermos. Morreu em Roma em 14 de julho de 1614, mas sua obra difundiu-se pelo mundo inteiro, levando a todos os cantos o amor a Cristo presente no enfermo. Assim se confirmava sua oração: “Quero um coração tão grande como o mundo”. Em 1746, Camilo foi proclamado santo e, em 1886, patrono dos hospitais juntamente com São João de Deus. Atualmente é considerado também o precursor da Cruz Vermelha.
Texto extraído da seção “Santo do mês” da Revista Ave Maria, na edição de julho de 2017.
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