“Perdi um belo pedaço de tempo indo atrás das vaidades; gastei toda a minha juventude com ocupações inúteis, enquanto me voltava totalmente para o aprendizado das doutrinas próprias de uma sabedoria que Deus tinha definido como insensatez. Depois, num belo dia, tive a impressão de ter despertado de um sono profundo. Assim que volvi meus olhos para a maravilhosa verdade evangélica, compreendi a inutilidade da sabedoria dos mestres deste mundo, feita de nada. Lamento agora amargamente minha vida miserável e fiz uma prece: pedi que me fosse mostrado o caminho que me fizesse chegar à vida interior.” (Ep 223,2)
É dessa forma que Basílio conta sua conversão. Aos 26 anos, decidiu receber o Batismo. Vinha de uma família afortunada, rica de valores humanos da cultura e da riqueza bem administrada, e de uma genuína fé cristã. Os avós gozavam da auréola do martírio, pois, durante a perseguição do imperador romano Maximino, durante sete anos, tiveram que ficar escondidos nos montes, no meio do mato, vivendo de caça e correndo o risco de perder a propriedade rural. Os pais, Basílio e Emmelia, tinham o mesmo temperamento, e a comunidade cristã de Cesareia colocou-os entre os seus santos.
DESDE CRIANÇA DEDICADO AOS ESTUDOS
Basílio nasceu em Cesareia, na Capadócia, em 329 ou 330. Ainda em tenra idade, devendo seu pai transferir-se para Ponto, foi entregue à avó paterna, que se chamava Macrina, como também se chamava sua irmã. A avó era uma mulher nobre e uma cristã considerada de peso. Foi discípula de São Gregório, o Taumaturgo, e soube instilar no coração do pequeno Basílio toda a riqueza do Evangelho, não como uma norma para ser observada, mas, como um compromisso de vida.
Ele continuou os estudos primeiro em Cesareia, depois em Constantinopla e, finalmente, em Atenas. Lá o esperava Gregório, amigo de coração desde os tempos de estudos em Cesareia.
Os dois amigos fundaram um círculo de amigos com as seguintes intenções: deixar-se guiar não pelos interesses materiais passageiros, mas pelos valores superiores, como haviam feito os sábios da Antiguidade e como faziam então os ascetas do deserto.
Depois de cinco anos de estudos na capital da sabedoria grega, Basílio retornou à sua pátria, escutando o chamado da irmã Macrina e de Eustázio, bispo de Sebaste. Macrina lhe fazia compreender que já era hora de ser batizado e de deixar de lado a vaidade da ciência humana para se dedicar somente a Deus; Eustázio o convidava a ajudá-lo a implantar a vida monástica na sua região.
UMA VIAGEM, UMA LUZ
Nesse período o coração e mente de Basílio amadureceram. Ele tinha uma grande admiração pela vida dos monges, assim se expressava na carta endereçada ao amigo Gregório: “Admirei a dureza da vida deles, a constância que têm na ascese… Como se vivessem numa carne não própria, por seu modo de fazer compreender o que significa ser peregrino nesta vida e ter a própria cidadania no céu. Fiquei muito admirado e compreendi que a vida deles estava no paraíso, pois demonstravam com o próprio comportamento que traziam no próprio corpo a morte de Jesus. Então comecei a orar como um louco para ter a graça de me tornar como um deles” (Ibid., 223,4). E se tornou monge.
Se, de um lado, os ascetas do deserto demonstravam claramente a radicalidade do amor a Deus, não tinham, contemporaneamente, a possibilidade de vivê-la no amor ao próximo, isolados uns dos outros, até mesmo quando estavam fisicamente vizinhos. Certo Gregório presbítero deixou escrito que Basílio e Gregório, “tendo cursado juntos os estudos humanísticos e permanecido separados por pouco tempo, um do outro, correram novamente um para perto do outro…
Dessa forma se cumpriam neles aquelas palavras: ‘Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, eu estou no meio deles’. Ainda mais, permanecendo ali juntos, cresciam na virtude estimulando-se um ao outro e elaboravam as leis da vida monástica para homens religiosos e consagrados a Deus retirados do mundo” (Patrologia Graeca (Escritos dos padres gregos 35,259). Não havia dito Jesus que os dois mandamentos, o amor a Deus e ao próximo, são inseparáveis?
Se os monges, além disso, quisessem viver como vivia a primeira comunidade de Jerusalém, deviam ir ao encontro também das necessidades das igrejas locais, oferecendo não só as orações e os exemplos, mas, dedicando-se à instrução e às obras de caridade. Basílio concebeu o cenóbio (habitação de monges), onde, sob a guia do abade, reina entre os monges o amor fraterno e os clérigos e leigos vão aprender a como encarnar o Evangelho no mundo.
APÓSTOLO E MONGE
A luz que tinha recebido foi logo colocada à prova na sua própria pessoa. Precisou deixar os numerosos monges que o seguiam, pois o Bispo Eusébio de Cesareia, em 364, quis ordená-lo presbítero e tê-lo como colaborador no governo da diocese. Basílio obedeceu, mas, depois de certo tempo, o bispo ficou com inveja da estima de que ele gozava junto ao povo e o transferiu. Chamou-o mais tarde para pacificar o povo dividido pela heresia ariana e Basílio novamente obedeceu, até que, com a morte do bispo, foi eleito para sucedê-lo. Tinha 40 anos e era rico de experiência e de santidade.
A MAIOR DOR
No coração desse pastor da Igreja ardia também outra paixão. Sonhava com uma Igreja harmoniosa na unidade e laboriosa nas obras santas, como um autêntico cenóbio. Infelizmente, teve que assistir a brigas doutrinais que frequentemente afundavam as suas raízes em invejas pessoais dos próprios bispos. Alguns deles, para fugir da sua jurisdição, conseguiram a divisão da Capadócia em duas partes. Basílio respondeu com energia e pôs seu irmão Gregório como bispo em Nissa e o amigo Gregório Nazianzeno, em Sasima.
Outro espinho em seu coração foi a situação da Igreja de Antioquia, antiga e gloriosa sede apostólica. Há anos que já perdurava a luta insensata não só com o bispo ariano, mas também entre os dois bispos católicos que brigavam por aquela cátedra, Paulino e Melézio.
Basílio fez de tudo para acabar com aquele escândalo. Escreveu ao amigo Atanásio de Alexandria, que gozava da plena confiança do Papa, pedindo seu apoio junto a Roma, mas, não foi ouvido. Basílio então escreveu mais vezes diretamente ao Papa e aos bispos do Ocidente para que mandassem uma embaixada para “unir os dissidentes e renovar a amizade entre as igrejas de Deus”. Foi tudo inútil, pois o medo do arianismo era tal que ninguém apoiado por Basílio confiava em Melézio. Só depois da morte do imperador Valente, partidário dos arianos, uma esperança de paz começou a surgir nas Igrejas do Oriente, mas Basílio não viu dela a não ser a aurora, pois a saúde debilitada não lhe permitiu ir além de 1º de janeiro de 379. Deixava à Igreja um riquíssimo patrimônio de tesouros espirituais: o monarquismo que ele havia renovado e as famosas regras e os escritos teológicos, cheios de sabedoria, que lhe fez merecer o título de doutor, e ainda a solene liturgia, chamada justamente basiliana, que ainda hoje é celebrada no rito bizantino, pelo menos dez dias ao ano.
Texto extraído da edição de janeiro de 2018 da Revista Ave Maria.
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