A Eucaristia é a experiência de certa comunhão entre nós. Ninguém sozinho é a Eucaristia. Todos a somos juntos, em Cristo. A hóstia é partícula. Parte. Ninguém é o pão. Somos pedacinho dele. Somos peça de um quebra-cabeça desses que servem de brinquedo para as crianças. Juntadas devidamente as peças, compomos o rosto de Cristo.
Quando a Eucaristia atinge seu pico, quando ela fica evidente para nós, todos gingamos sob esse toque. É uma experiência tão cativante, encantadora, fascinante que ser gordo, magro, bonito, feito, alto, baixo, careca, cabeludo, estrangeiro, conterrâneo, rico ou pobre não tem mais importância. Não notamos as diferenças. Elas ficam em segundo lugar. Por isso, se entra um rico num recinto e vosmicê o manda sentar no lugar distinto e o pobre, em lugar ínfimo, não está no vigor e na luz da Eucaristia (cf. Tg 2,1), está fazendo distinção de pessoas. Está no mundano e secular. Não entrou no espírito da Eucaristia.
“Se estiveres para fazer tua oferta e lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, depois, vem e faz a tua oferta.” (Mt 5,24) Quer dizer, fazer a oferta é dispor-se, é disponibilizar a si para que o Senhor nos una na Eucaristia. Veja, se você sabe que o seu irmão está desunido de você por algum entrevero havido, alguma rusga, vá primeiro acertar isso. Sem fazer isso antes, sua oferta é falsa. Você diz ao Senhor que quer que Ele o use como peça da Eucaristia, do quebra-cabeça que compõe seu rosto, mas não faz o que pode para a união, o tanto que depende de você, esboçando o rosto de Cristo. Só depois que eu já fiz tudo que posso pela união é que posso me ofertar autenticamente ao Senhor, para que Ele complete a obra, fazendo-me sentir a plenitude da comunhão que é a Eucaristia. Nas nossas ofertas, ofertamo-nos a nós.
Quando a Santa Missa produz em nós todo o efeito que ela é capaz de produzir, o que sentimos? O que vivenciamos? Sentimos o olhar do Pai nos mirando amorosamente e, sob esse olhar, irmanados entre nós. Primeiro, então, é sentir. Sacramento é sinal sensível. Tem que tocar nossos sentidos. Não é primeiro para ser meditado ou refletido. Depois, sim, dispara a mente em pensamentos, meditações e reflexões. Então, vamos lá, o efeito pleno da Santa Missa em nós é fazer-nos sentir o olhar do Pai, como foi descrito. O outro, o que está ao meu lado, é importante para mim. Ele também é mirado pelo mesmo olhar amoroso do Pai. Nós fazemos juntos essa experiência inominável, possuímos juntos esse segredo de sabermos que o Pai nos mira assim.
Na poesia “Patmos”, Hoelderlin diz da Eucaristia: “Quando as palavras não foram mais suficientes para dizer de tão grande amor, tomou o pão e o vinho e falou: ‘Comei e bebei, isto é o meu corpo e meu sangue’”. Quer dizer, a Eucaristia é o mais que Deus tinha a nos dizer e que nenhuma palavra conseguia comunicar. Tão grande amor não cabia mais em nenhuma das palavras do dicionário. É desse amor que Ele continua a nos dizer em cada Santa Missa: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”.
Por
Dom João Mamede Filho, ofm conv.
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