“…e a semente vai germinando e crescendo, mas o agricultor não sabe como isso acontece” Mc 4,27
Conta-se que o notável pintor francês Renoir, já sexagenário e bastante afamado pela vitalidade que deu ao impressionismo, foi procurado por um jovem admirador interessado em aprender as artes do desenho. Porém, alegando um tempo escasso para tal empreitada, o apressado discípulo desejava saber quanto tempo duraria o aprendizado, pois ficara assombrado ao ver que o grande mestre fora capaz de fazer uma bela pintura com delicadas pinceladas, mas com uma rapidez espantosa.
Diz Renoir: “Fiz este desenho em cinco minutos, mas demorei 60 anos para conseguí-lo”.
Esta é a resposta de alguém que é um sábio consistente e que ultrapassa o senso comum e o óbvio, gerando o novo (em vez de produzir mera novidade). É a revelação da sabedoria daquele que consegue maturar, sem pressa, a experiência de vida.
Esse é o problema do mundo moderno: a agitação, a pressa e a preocupação se tornam um estilo de vida e acabam controlando nosso ritmo cotidiano, tornando-se fonte inesgotável de ansiedade. Em nosso padrão cultural, somos pressionados a mostrar o tempo todo que estamos ocupados e “produzindo” alguma coisa. Vivemos perdidos numa floresta de compromissos e atividades, incapazes de perceber alguma trilha estreita para poder andar e respirar. Mesmo com tudo que foi inventado para facilitar a vida – celular, internet, e-mail, mensagens instantâneas – parece que não temos tempo para nada.
Há muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Acuados pelo relógio, pelo ativismo, pela agenda, pela opinião alheia, disparamos sem rumo feito hâmsteres que se alimentam de sua própria agitação.
A pressa constante é mais um dos muitos transtornos que vem afetar nossa qualidade de vida. Quem sofre deste mal sente a necessidade compulsiva de cumprir tarefas durante 24 horas por dia e, se por algum instante, se encontra sem nada para fazer, se sente culpado. Além disso, a pressa, ao nos tornar superficiais, nos impede de perceber o verdadeiro valor e originalidade do trabalho próprio e dos outros. Quanto vale o trabalho de um artesão, uma cozinheira, um mecânico, uma professora, um palestrantes, um médico, uma cientista, um místico…?
O escritor alemão Lothar J. Seiwert, autor do best-seller “Se tiver pressa, ande devagar”, afirma:
“Se você negligencia suas próprias necessidades e trabalha até cair de cansaço, desprezando férias e lazer, se torna uma pessoa de difícil trato e uma ameaça para aqueles com quem convive, desperdiça o tempo por falta de atenção e cria um clima de tensão permanente”.
No fundo a questão é esta: qual o sentido e a direção daquilo que fazemos?
Para quê? Para quem? Qual é a intenção ou a motivação que está por trás de nossa ação?
Esta “dica” pode nos ajudar a superar a ansiedade e a pressa, harmonizando-nos com o “tempo” e fazendo as pazes com o relógio. Igualmente isso vale para viver e saborear, de uma maneira mais tranquila, as atividades cotidianas mais simples.
Normalmente, vivemos ações “insensatas”, ou seja, sem sentido, sem direção. Se fizéssemos uma faxina em nossos compromissos e deveres, boa parte desapareceria rápido no ralo do bom senso. Se examinássemos o baú de nossas prioridades, certamente a arrumação interior seria outra.
Vivemos uma quantidade de experiências rápidas, amontoadas, sem possibilidade de avaliação… O cotidiano torna-se convencional e, não raro, carregado de desencanto, pesado, estressante… Aliviar a vida, o coração e o pensamento… eis o desafio; não para inventar de acumular ali mais alguns compromissos estéreis e sem sentido.
Jesus e suas provocativas parábolas: Ele foi um grande artista na construção de parábolas tiradas do cotidiano. Através delas, Ele nos ajuda a “ver” no centro da realidade “o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração humano não percebeu”, ou seja, a realidade impensável do Reino de Deus no meio de nós, emergindo como dom.
As parábolas nos Evangelhos não são contos com uma finalidade moral, nem representam uma doutrinação; seu núcleo original busca, antes de tudo, interrogar, provocar, chamar a atenção sobre a realidade presente. Podemos afirmar que Jesus tem a pretensão, através desta linguagem, de provocar a quem o escuta e motivá-lo a uma tomada de posição frente à realidade. Não existe, na parábola, a intenção de pintar um quadro mais bonito da realidade, mas de utilizar o potencial do relato para que as pessoas se aproximem de uma dimensão sempre nova da existência.
Nas duas parábolas de hoje, Jesus revela que a única coisa que a semente precisa é de um ambiente adequado para destravar sua vitalidade. Ela foge da eficácia e dos resultados instantâneos. Não tem pressa.
As duas parábolas nos falam mais de aposta no futuro, de calma, de paciência, de realidade sujeita a inclemências de todo tipo, que de certezas ou finais previamente escritos. Igualmente elas nos desvelam que o resultado futuro não vem de fora, mas que vai se forjando por dentro.
Em cada uma das duas parábolas Jesus quer destacar um aspecto dessa realidade potencial dentro da semente. Na primeira, sua vitalidade, ou seja, a força, o impulso que tem para desenvolver-se por si mesma. Na segunda, nos é revelada a desproporção entre a pequenez da semente, quase imperceptível, e a enorme planta que dela surge, onde, inclusive as aves podem fazer seus ninhos.
Estas imagens nos fazem pensar que as coisas de Deus são de outra maneira e de outro ritmo.
Ao mesmo tempo, elas nos questionam: não vivemos hoje muito rápido? Tudo tem que ser prá já; temos perdido a paciência, o sossego, a paz. Fizemos do verbo “esperar” uma relíquia do passado. Tudo parece imprescindível. Tudo urge. Parece que muitas vezes é a agenda que controla nossa vida. E corremos o risco de esvaziar-nos e nos frustrarmos porque queremos correr muito esperando já os frutos quando temos apenas plantado a semente. Outras vezes sofremos porque não vemos os frutos de nosso esforço.
Mas é necessário a paciência do camponês para respeitar processos e colher os frutos no devido tempo. Oxalá saibamos aproveitar os dias, plantar a semente de algo bom, ativando, pouco a pouco, nossas capacidades no serviço aos outros; que saibamos celebrar a vida, preocupar-nos com coisas que verdadeiramente valem a pena e fugir de nossas manias, pressas e ansiedades. Deixemos as pressas de lado, pois o Amor e a Vida, isso sim, é o mais seguro.
Espere o momento
“Não apresses a chuva, ela tem seu tempo de cair e saciar a sede da terra;
não apresses o pôr do sol, ele tem seu tempo de anunciar o anoitecer até seu último raio de luz;
não apresses tua alegria, ela tem seu tempo para aprender com a tua tristeza;
não apresses teu silêncio, ele tem seu tempo de paz após o barulho cessar;
não apresses teu amor, ele tem seu tempo de semear, mesmo nos solos mais áridos do teu coação;
não apresses tua raiva, ela tem seu tempo para diluir-se nas águas mansas da tua consciência;
não apresses o outro, pois ele tem seu tempo para florescer aos olhos do Criador; não apresses a ti mesmo, pois precisas de tempo para sentir tua própria evolução”.
Textos bíblicos: Mc 4,26-34
“Domine a pressa, purificando-a pela mística da atenção a tudo e todos que compõem o seu existir”.
– Reze sua agenda cotidiana: ativismo? Pressa? Ansiedade? Tarefismo?…
Pe. Adroaldo Palaoro sj,
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana-CEI
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