“Os olhos e a palavra do rei tinham somente o desejo de trazer a paz e a tranquilidade para a alma daqueles que iam visitá-lo com o coração arrasado pelas paixões.”
Difundir assim a paz é próprio dos santos. São Luís IX, rei da França, gostava de se chamar Ludovico de Poissy, lugar no qual foi batizado, para afirmar que a dignidade de ser cristão, para ele, tinha mais importância do que a dignidade régia. Por isso é que a Igreja o venera também com o seu nome de Batismo, São Ludovico.
Luís nasceu em 1214 e foi coroado rei na idade de 12 anos, por causa da prematura morte do pai; permaneceu sob a regência da mãe Branca de Castela. Afirma-se que ela era uma senhora profundamente religiosa, mas também experiente em política; soube cercar-se de colaboradores honestos e competentes e cuidou com igual empenho da formação humana e cristã do filho e da administração do reino.
Quando Luís chegou à maioridade, assumiu as responsabilidades de rei em pleno acordo com a mãe e casou-se com Margarida da Provença. Para evitar que seu Matrimônio fosse fruto de gélidas leis da política, Luís, evitando astutamente a vigilância da mãe, havia se encontrado várias vezes com a futura esposa e tinha dado seu consentimento só depois de estar certo de que entre eles havia amor verdadeiro.
De fato, foi um Matrimônio feliz: os dois cônjuges se amavam ternamente e tiveram numerosos filhos. Recorda-se só um episódio de desentendimento entre os dois, quando a rainha queria conceder favores aos seus parentes; o rei se opôs decididamente, não querendo que a praga do nepotismo se infiltrasse na corte.
O PACIFICADOR
Já no início de seu governo, Luís precisou enfrentar problemas muito graves. O fato de firmar-se a autoridade régia no século XIII havia suscitado o ressentimento de vários fidalgos das províncias francesas e eles, com o apoio dos soberanos da vizinha Espanha e da Inglaterra, levantaram-se em rebeliões armadas, reivindicando a própria independência.
Luís, não sem o conselho da mãe, soube trazer a paz, conservando a unidade do reino e indo ao encontro daquelas que lhe apresentavam as justas reivindicações dos soberanos da Inglaterra e da Espanha. O seu modo de agir foi tão apreciado em toda a Europa que lhe deram o nome de pacificador e várias vezes foi convidado a conciliar as controvérsias entre os príncipes e a estabelecer a paz entre o imperador e o Papa.
O rei tinha bem claro o seu programa de vida: ser um homem justo para cuidar bem de todos os súditos. Dizia: “Eu gostaria muito de receber o nome de prud’homme [homem prudente] sob a condição de verdadeiramente o ser”. É difícil traduzir essa expressão, talvez o termo mais exato seja o bíblico, de homem justo no sentido de que possui um grande equilíbrio, porque no seu agir se deixa guiar por Deus. Estava convencido de que para realizar esse grande trabalho seria preciso tornar-se santo.
No século XIII, o ideal de santidade ainda era o monástico ora et labora (oração e trabalho). Luís o assumiu. Todos os dias, os clérigos da corte celebravam duas missas e recitavam no coro as horas canônicas na presença do rei e da sua família. Durante o ano, Luís se submetia rigorosamente aos jejuns prescritos pela liturgia e às obras de caridade a favor dos pobres. Todo dia dava de comer a trezentos pobres e frequentemente convidava treze deles para a sua mesa e os servia pessoalmente. A quem lhe observou que gastava muito com os pobres, ele respondeu: “Prefiro gastar em esmolas por amor de Deus do que em luxo para a vanglória deste mundo”.
A figura monástica que mais o atraía era a de Bernardo de Claraval, que lhe transmitiu também o amor pela Terra Santa. Às suas expensas fez construir a abadia cisterciense de Royaumont, para onde ia de boa vontade servir na mesa os monges e para assistir com os seus médicos da corte os monges doentes. Depois, ia visitar e servir pessoalmente um monge leproso que, para evitar o contágio segundo a mentalidade do tempo, vivia sozinho em uma pequena casa isolada.
O rei tinha muita admiração pelos franciscanos e dominicanos e favoreceu a presença deles na Universidade de Paris, interessando-se pelas novas aberturas intelectuais de Alberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura de Bagnoregio. Além disso, encorajou Roberto de Sorbon na fundação da escola que depois se tornou a famosa Sorbonne.
O AMOR PELOS ÚLTIMOS
Profundamente sensibilizado pela figura de Francisco de Assis, o rei tornou-se terciário e dele aprendeu a reconhecer no rosto de qualquer pobre a figura de Cristo. Isso o ajudou a ver com olhos novos a situação dos camponeses de seu reino, a classe que mais sofria pela opressão dos senhores.
Ele, homem de oração, revelou-se também homem de ação, empenhando-se numa grande reforma da justiça, que foi retirada das autoridades locais e confiada aos enviados régios. Estes, sob precisas instruções, viajaram pelas províncias, ouviram os lamentos do povo e obrigaram os senhores a acertar o que estava malfeito. Em toda a França foi instituído um sistema judiciário mais equânime, que dependia diretamente do rei. Essa reforma foi, naquele tempo, uma novidade sem par em prol dos mais fracos e permaneceu vigente até a Revolução Francesa. No seu testamento, deixava ao seu herdeiro, como conselho, tudo o que ele sempre havia realizado: “Para os teus súditos comporta-te com retidão, de tal maneira que estejas sempre no caminho da justiça, sem te desviares nem para a direita nem para a esquerda. Fica sempre preferivelmente mais do lado do pobre do que do lado do rico, enquanto não estiveres certo da verdade”.
A AVENTURA DAS CRUZADAS
Uma página menos gloriosa na vida de Luís foi a das Cruzadas. Ele tinha no coração mais o espírito batalhador de Bernardo de Claraval contra os sarracenos ou o espírito mais conciliador de Francisco de Assis? Talvez as duas realidades conviviam e se alternavam na sua pessoa, mas uma, coisa é certa: ele não empreendeu as Cruzadas com a finalidade de lucro, mas unicamente na tentativa de assegurar aos cristãos livre acesso à Terra Santa.
A primeira expedição, que partiu da França em 1248, parecia que teria bom êxito depois da conquista de Damieta, nas margens do rio Nilo, mas – pela desobediência do conde de Artois – o exército cristão foi derrotado e o rei, aprisionado. Um acontecimento imprevisto, mas talvez providencial, porque a permanência do rei como prisioneiro entre os muçulmanos suscitou neles uma profunda admiração, tanto que o chamaram de “sultão justo”. Solto junto com o restante do exército, depois do pagamento de um pesado resgate, reencontrou-se com a mulher e as milícias que permaneceram defendendo Damieta e foi para São João de Acre. De acordo com o sultão do Egito, ele podia reforçar o governo dos cristãos na Terra Santa, com a finalidade de conter o avanço dos mongóis para o Egito. Luís, depois de ter consolidado as fortalezas cristãs durante quatro anos, deixando tudo em paz, voltou para a França.
Infelizmente, nos anos seguintes, os mongóis não ficaram parados: conquistaram a Síria, avançando ameaçadoramente para o sul; os muçulmanos, por sua vez, avançaram para o norte e tomaram posse de São João de Acre.
Luís sentiu novamente o chamado às Cruzadas e em 1270 colocou-se em viagem, dirigindo-se junto com o irmão Carlos de Anjou para as costas da Tunísia. Teria sido mais vantajoso estrategicamente desembarcar na Síria, aliar-se aos mongóis e depois ir contra os muçulmanos, mas Luís tinha recebido a informação de que o emir da Tunísia o esperava nas suas terras, porque desejava abraçar o cristianismo. Não lhe parecia justo traí-lo e ele enviou uma mensagem dizendo-se pronto a passar toda a sua vida em prisão, sem ver jamais a luz, se isso servisse para dar a fé cristã ao emir e ao seu povo. Quando suas tropas colocaram os pés nas margens cartaginesas não só não encontraram amigos, mas tiveram de deparar com a peste. O próprio rei foi atingido pelo mal, morrendo no dia 25 de agosto de 1270.
Carlos de Anjou apressou-se a concluir com o emir um tratado comercial que favorecia a Sicília e, pegando os remos na barca, tomou o caminho de retorno. O que restava do exército francês, depois de uma longa e penosa viagem, retornava para a França, levando o esquife do rei que já gozava da fama de santo. Foi também reconhecido oficialmente pela Igreja em 1297.
UM CAMINHO DE SANTIDADE PARA TODOS
A figura de São Luís teve uma grande importância na história da espiritualidade cristã, pois ele demonstrou que a vida evangélica não era privilégio só de quem com a fuga mundi se refugiava nos mosteiros, mas podia encarnar-se também nas vocações seculares no mundo.
Um historiador moderno observou que, naquela época, com “(…) a separação entre clérigos e leigos, a Igreja sente a necessidade de reconhecer oficialmente o valor da vida vivida no seio da sociedade. (…) A canonização do rei da França, Luís IX, por obra de Bonifácio VIII, em 1297, é disso uma luminosa demonstração. (…) Os ofícios (litúrgicos) falam da perfeição da sua vida e os textos salientam que Luís foi um homem ‘à procura de Deus’: esta fórmula antes se aplicava (só) a quem renunciava viver no mundo. Através dos louvores a ele conferidos (…) possam-se determinar as condições do caminho para a perfeição: o conhecimento da Palavra de Deus, a castidade vivida no Matrimônio, o espírito de pobreza praticado no meio das riquezas, uma caridade inseparável da justiça, o zelo pela fé e a procura da paz. Finalmente, uma soma de virtudes que justificou a sua canonização”.
Com a morte desse rei santo, o espírito batalhador das Cruzadas, que até então tinha regulado os relacionamentos entre os cristãos e os muçulmanos, começava a perder incidência, mas ainda será preciso muito tempo para que a incompreensão entre a cruz e a meia-lua cesse de fazer espargir sangue e o espírito de diálogo abra novos horizontes para a vantagem de todos.
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