O grande risco que se corre, hoje, com o aumento do número de pessoas que se declaram “católicas não praticantes”, é o surgimento de um Deus meramente milagreiro, que, apesar de apresentar fragilidades, acaba atraindo multidões. Por outro lado, numa sociedade marcada pela globalização e pelo constante acesso à informação de todo tipo, muitos não creem nesse Deus todo-poderoso e, por isso, preferem agir como se Ele sequer existisse. A realidade, então, é bastante paradoxal.
Para os cristãos católicos, porém, Deus não permaneceu distante dos homens. Ao contrário, sua encarnação em Jesus de Nazaré – cujo mistério há pouco se celebrou – conferiu, ao homem, uma série de possibilidades. O Nazareno assumiu em tudo a condição humana, exceto o pecado. Nesse sentido, os milagres de Jesus não foram unicamente para afirmar ou apresentar um Deus todo-poderoso. Inclusive, segundo o relato bíblico (cf. Mt 4,1-11; Lc 4,1-13), quando tentado para utilizar de seu poder para matar sua fome no deserto, Jesus se negara a fazê-lo.
Na verdade, o que Jesus pretendeu, além de salvar o gênero humano, foi apresentar-se ou se mostrar a si mesmo como uma nova proposta de vida, além de comprovar, com seus próprios gestos, o quanto é possível de se fazer ou de se realizar sendo humano, ou seja, marcado pela finitude. Em outras palavras, o Deus de Jesus de Nazaré não é apenas o Deus milagreiro, ou o Deus do Impossível. Ao contrário, no Filho, o Pai mostrou ao ser humano tudo o que é possível de se fazer.
O mar, por exemplo, nas Sagradas Escrituras, representava, por assim dizer, o mal. Dele sai a besta do Apocalipse (cf. Ap 12,1-7); para ele se dirigem os porcos, quando possuídos pela legião que estava no homem acorrentado no cemitério (cf. Mc 5,1-20). De fato, no Êxodo, Moisés e o povo hebreu atravessa o mar dos Juncos a pé enxuto; enfrentam a dificuldade de frente. Apesar disso, hoje, pela oração, “o mar não vai se abrir”, como tem expressado, inclusive, muitas canções. Ao se encarnar em Jesus, Deus mostrou algo muito maior: por causa da fé Nele, é possível caminhar sobre o mar (cf. Mt 14,22-33; Mc 6,45-52; Jo 6,16-21), porque, afinal, Jesus caminha ao lado, dizendo: “Coragem! Não tenha medo”, firme e fiel na promessa que Ele mesmo fizera: “Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (cf. Mt 28,10).
Não foi à toa que Jesus, logo em seguida de lavar os pés dos discípulos, disse: “Dei-vos o exemplo para que façais a mesma coisa que eu fiz” (cf. Jo 13,15). Nesse sentido, os cristãos não podem enxergar ou ler as palavras do Nazareno como impossíveis. O pedido de Jesus no Sermão da Montanha, para que sejamos santos tal qual o Pai do céu (cf. Mt 5, 48), não se tratou apenas de palavras jogadas ao vento. O Nazareno conseguiu não julgar (cf. Jo 8,7); ensinou a acolher de volta alguém que confiava demais em si, a ponto de partir e, só depois de esbanjar todos os seus bens, cair em si (cf. Lc 15, 11-32); mostrou aos homens o poder da fé (cf. Lc 17,5-6)… Foram tantos os feitos! Naturalmente que Jesus era, sim, Deus por essência; o primogênito do Pai. Todavia, por Ele, Nele e com Ele todos se tornaram filhos.
Por isso, neste ano que se inicia, a história pode mudar, porque o cristão é o homem da esperança; é aquele que, com a fé encarnada no chão da vida, mesmo em meio aos dramas e tramas da história, sabe mostrar ao mundo que é possível ser e fazer diferente. Que 2016 encontre, portanto, todos disponíveis ao anúncio do Reino, e como rezam os salmos, seja o tempo em que “a verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão; da terra brotará a fidelidade e a justiça olhará dos altos céus” (cf. Sl 84). Assim seja.
Tiago Cosmo é seminarista na Diocese de São Miguel Paulista. É jornalista e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Teologia Paulo VI, em Mogi das Cruzes. Cursa o segundo ano de Teologia, também em Mogi, e também uma especialização em Religião e Cultura pelo Centro Universitário Assunção – UNIFAI, em São Paulo.
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