“Muitos vagalhões e tempestades ameaçadoras pairam sobre nós, mas não temos medo de ser submersos, porque estamos fundados sobre a rocha (…). O que haveremos de temer? O confisco dos bens? ‘Nada trouxemos para este mundo e nada podemos levar embora’ [1Tm 6,7]. Desprezo os poderes deste mundo e seus bens me fazem rir. Não temo a pobreza, não cobiço riquezas, não temo a morte, nem desejo viver, a não ser para o vosso bem”: são as palavras pronunciadas pelo pastor da Igreja de Constantinopla enquanto se caminhava para o exílio. A corte imperial não havia conseguido corrompê-lo para fazê-lo calar-se. Crisóstomo vivia e anunciava o Evangelho sem amenizá-lo nem para si nem para os outros. Foi a sua força diante de Deus e da história também a sua desventura diante dos poderosos de seu tempo.
Nasceu em Antioquia, entre os anos 340 e 350. Seu pai chamava-se Segundo e era um general do exército romano residente nesse local, na Ásia Menor. Quando conheceu Antusa, uma jovem grega, que à beleza física unia uma inteligência fora do comum, não pensou muito tempo para pedi-la em casamento. Eram ambos cristãos e sua aliança foi perfeita, com grande alegria das respectivas famílias.
Veio à luz uma menina, mas partiu para o Céu antes ainda de aprender a falar a língua desta Terra. Afortunadamente, seu berço foi muito em breve ocupado por outro filho, um menino, que todos diziam se assemelhar ao pai como uma gota d’água. Entretanto, também desta vez a alegria foi bruscamente transformada em luto pela morte improvisa de Segundo. Para Antusa, com apenas 20 anos, abriam-se dois caminhos: ou casar novamente – e não lhe faltavam ótimas propostas – ou então abraçar o estado de viuvez no Senhor, o que queria dizer se consagrar a Deus como as virgens.
Escolheu o segundo caminho, suscitando pasmo entre os notáveis da cidade, mas, encontrando pleno apoio na cunhada, a virgem Sabínia, uma diaconisa que já há tempo vivia inteiramente dedicada a Deus e à comunidade cristã. Além disso, tinha também seu filhinho João para criar e não lhe pareceu pouca coisa.
João terá orgulho dessa escolha heroica da mãe e contará um simpático episódio que lhe aconteceu na escola com o mestre Libório. Esse homem, famoso por seu saber, mas também por seus costumes pagãos, perguntou com que idade a bela Antusa havia ficado viúva e, quando soube que o era desde os 20 anos, “fez uma expressão de maravilha e, pousando os olhos sobre o auditório, exclamou: ‘Ah! Que mulheres existem entre os cristãos!’”.
Em seus estudos João obtinha tal sucesso na escola que aos 18 anos terminou os estudos clássicos e, contrariamente às expectativas maternas, em vez de se preparar para o Batismo, entregou-se “aos afãs do mundo e às quimeras da juventude”, desafogando-se “com os pronunciamentos no fórum e a paixão pelo teatro”. Não fazia nada de mau, mas queria mostrar suas capacidades na arte oratória e experimentar a embriaguez da liberdade juvenil. Assim fez durante dois anos.
A mãe esperava com paciência, mas, quando ele se decidiu a receber o Batismo, aos 20 anos, disse a ela que levava a sério sua escolha de tornar-se cristão e por isso se tornaria monge, deixando o mundo e retirando-se para a solidão.
Foi imediatamente aceito para o Batismo, recebendo do Bispo Melécio o sinal do cristão, na Páscoa do ano 368; quanto a tornar-se monge, ele o foi apenas em parte, porque sua mãe lhe fez notar que os rigores da vida ascética e eremítica não eram feitos para o seu físico tão frágil: permaneceria em casa, vivendo como asceta ao seu lado.
João não estava plenamente convencido disso, porém, admitiu que não era o caso de romper com sua mãe. Permaneceu na cidade, mas, não com as mãos nos bolsos.
Havia em Antioquia um famoso ascetério dirigido pelo mestre Diodoro, homem santo e instruído nas Escrituras. O ascetério era, ao mesmo tempo, mosteiro, seminário, centro de estudos e de irradiação do Evangelho. João o frequentava com assiduidade e nele se encontrava perfeitamente à vontade, porque ao conhecimento da Sagrada Escritura estava unida a prática de uma vida evangélica.
Quando o Bispo Melécio se apercebeu do valor desse jovem asceta, conhecedor da doutrina e exemplar nos costumes, propôs-lhe fazer-se ordenar padre para servir-lhe de ajuda.
O ideal de João não era o sacerdócio e, com um pouco de astúcia, apresentou em seu lugar um amigo seu, Basílio, que considerava mais digno.
A sugestão foi acolhida, entretanto, pouco depois o bispo voltou à carga para que aceitasse se fazer ordenar ao menos como leitor e se dedicar à instrução dos cristãos e dos catecúmenos.
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