O mês de novembro nos traz uma oportunidade importante para pensarmos na morte em virtude da celebração que faz memória aos fiéis falecidos. Recordar aqueles que partiram é uma maneira de podermos homenagear os que nos deixaram e cultivar uma bonita saudade de quem foi especial em nossas vidas, mas, nem sempre foi assim…
Pode-se considerar que a primeira das angústias da vida foi a tentativa de a modernidade ocidental dissimular a tragédia da morte. Até os anos 1970 ela era considerada um tabu e os livros sobre o assunto não eram vendáveis. Praticamente, pode-se considerar que ela foi expulsa dos domicílios! Há cinquenta anos, 80% dos óbitos já ocorriam nos hospitais e o morto, levado para as casas funerárias, era maquiado para ostentar uma máscara de vivo, o que não atenuava, em nada, a dor dos familiares. Nos enterros laicos, não há presença de rituais nem de orações, o que prejudica uma adequada despedida ao falecido, um vazio que, muitas vezes, tenta-se preencher com música, discursos e coroas de flores.
Contudo, o mundo virtual, ao qual hoje nos encontramos tão expostos, não admite manifestações de sofrimento e nem de compaixão por meio dos quais os seres humanos se tornam próximos uns dos outros. A pergunta “De onde venho e para onde vou?” não é considerada e tampouco ocupa lugar nos programas de ensino. O filósofo da linguagem, Wittgenstein, foi quem afirmou que a morte não era um evento da vida porque o ser humano não pode viver da morte. Por outro lado, sabemos com quanta dedicação outros pensadores opuseram-se a essa ideia, dizendo que a morte pertence não só à forma, mas à estrutura com a qual a vida nos é doada.
Assim sendo, vê-se que a necessidade de compreender o processo de luto se faz de vital importância. Devemos considerá-lo não como um apagamento daquele que conosco conviveu; ao contrário, devemos rememorar os dias passados juntos daqueles que partiram, as melhores lembranças deixadas e os sentimentos mais profundos que se estabeleceram. Isso é uma trajetória de ressurreição: as vivências do passado se encontram com os desafios do presente e, nesse momento, a saudade prevalece no lugar da tristeza.
Podemos voltar aos textos propostos pela liturgia da Igreja para a celebração dos mortos e constatar como eles são convidativos a essa reflexão e dotados de uma beleza ímpar. O prefácio da Missa de Finados nos diz: “E, aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola. Senhor, para os que creem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, é-nos dado, nos Céus, um corpo imperecível”.
Essa passagem nos convida a refletir que, na jornada da vida e da morte, não estamos sós, mas consolados por um Deus que nos garante a eternidade. Se disso estivermos convictos é possível compreender que a passagem desta vida não se faz um término, é uma transformação. Ao nos revestir de um corpo imperecível, em nós se estabelece a certeza de que, parafraseando São Paulo, combatemos o bom combate e vencemos.
Entretanto, em 2023, ainda mais neste segundo semestre, não falar da morte se faz uma tarefa difícil. Todos os dias somos assaltados por imagens de destruição e de assassinatos de mais uma guerra que eclodiu na Terra Santa. O ódio, o egoísmo, o desprezo, a indiferença e a desatenção se agravam por toda parte e, sem trégua, a crueldade se espalha.
O bem está sempre ameaçado e colocado sob perseguição, por isso, o apelo a uma ética de resistência à crueldade do mundo e à crueldade humana passa pela solidariedade e pela fraternidade, pelo amor, pela religação e pela consideração aos que sofrem. A fraternidade, a solidariedade que reina entre os vivos e os feridos é a única forma de vida diante do horror da guerra.
É impossível que o mal desapareça, porém, é preciso tentar impedir seu triunfo. As únicas resistências estão nas forças de cooperação, comunicação, compreensão, amizade, comunidade de amor, de inteligência, cuja ausência pode favorecer as forças de crueldade.
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