“Para renovar, na santidade, o coração dos vossos filhos e filhas, instituístes este tempo de graça e salvação.” (Prefácio da Quaresma II). A Quaresma é, portanto, um caminho de conversão do cristão batizado como discípulo de Cristo. Ele se fez servo obediente ao Pai até a morte na cruz. Diante de si, o cristão tem os cenários bíblicos dos últimos acontecimentos da vida de Cristo: A Transfiguração no Monte Tabor, sua caminhada decidida a Jerusalém; as controvérsias com os fariseus e doutores da Lei no Templo; sua entrada triunfal em Jerusalém; a última ceia; o lava-pés e o mandamento do amor; a oração de Jesus ao Pai pela unidade; o sofrimento de Jesus no Getsêmani, até sua morte na cruz. Acolhemos o convite de Jesus: “Permanecei aqui e vigiai junto a mim.” (Mt 26,38). A oração quaresmal é fazer companhia a Jesus. Como discípulo, “toma a sua cruz e me siga” (Mc 8,34), permanece com Ele.
Por isso, a oração quaresmal, como toda a oração, consiste em estabelecer uma relação, um diálogo, um encontro com Deus. A primeira atitude, com a invocação do Espírito Santo, é o recolhimento, o silêncio interior. Recolher-se e recolher a vida é o que Jesus fez, sendo conduzido, pelo Espírito, ao deserto (Lc 4,1). É, também, o que ele nos pede: “quando tu orares, entra no teu quarto” (cf. Mt 6,6). Mas não é um recolher-se no “nada”, mas para poder estabelecer um diálogo, comunhão, com Deus e, a partir dele, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. Só haverá oração, se esta comunhão se estabelecer. Ela pode se expressar no silêncio contemplativo do rosto e da Palavra de Jesus Cristo ou, então, como Jesus fez muitas vezes, na súplica, no louvor, na gratidão, na entrega, no pedido de perdão e, até, como o profeta Jó, no lamento diante do sofrimento. Recordo aqui o extraordinário exemplo de Santa Teresa, que apresenta uma antropologia positiva: o homem não é vazio por dentro, mas o “castelo” onde Deus habita. Ela mesma diz: “Pensai que neste palácio habita o grande Rei que se alegra por ser vosso Pai e que está sentado sobre um trono de enorme valor: o vosso coração.” (C 28,9). A experiência vivida por Santo Agostinho é similar: “Deus é mais íntimo a nós que nós mesmos.”
O certo é que a oração é meio para conversão, pois, com sua Palavra e os “olhos fixos em Jesus, autor e consumador de nossa fé” (Hb 12,2), nos tornamos o que contemplamos. Ao contemplar Jesus, em sua via crucis, “que nos amou até o fim” (Jo 13,1), misericordioso e justo, fiel, manso e humilde, despojado e serviçal, permitimos que o Espírito Santo nos molde à sua imagem. É um processo de conversão, como disse o Papa Bento XVI, “aprendo a ver aquela pessoa já não somente com meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspectiva de Jesus Cristo.” (DCE 18). Aprendemos a gratuidade do agir de Deus que nos leva a praticar as obras de misericórdia. O meio privilegiado é a Leitura Orante das páginas do Evangelho, pois “temos que ler e reler o Evangelho sem parar, de maneira que tenhamos o espírito, os fatos, as palavras e os pensamentos de Jesus diante de nós, a fim de que um dia possamos pensar, falar e atuar como ele o fez”. (Beato Carlos de Foucauld). Enfim, recordo as palavras do Papa na recente visita ao México: “Diga-me como rezas e te direi como vives; diga-me como vives e te direi como rezas!”
Por Dom Adelar Baruffi – Bispo de Cruz Alta (RS)
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