A Campanha da Fraternidade deste ano apresenta um tema bastante oportuno para refletir sobre as relações sociais com os outros. Trata-se de “Fraternidade e amizade social”. Essa temática surge como um oásis num contexto em que a amizade tem sido posta de lado e, muitas vezes, num mundo em que alguns só pensam em si e não mais na experiência da alteridade, do ver no outro alguém com quem se pode dialogar e construir laços sólidos.
É interessante notar que a proposta social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com a Campanha da Fraternidade, no período da Quaresma, é sempre um convite à conversão, ou seja, à mudança de pensamentos e de atitudes. Essa conversão precisa haver porque o contexto do tempo presente é por demais desafiador. Se outrora viver em sociedade e se relacionar mutuamente com os irmãos era um desafio, muito mais hoje, quando as relações sociais estão sendo cada vez mais fragmentadas por ideias e conjunturas que têm favorecido o individualismo, o relativismo, o instrumentalismo e tantas outras filosofias que têm mexido com as mentes e os corações, sobretudo dos mais vulneráveis, a exemplo dos jovens que, nessa fase da vida, buscam se firmar no modo de pensar, ser e viver.
A filosofia deste tempo pós-moderno é por demais fluida, ou seja, líquida. Já dizia o grande sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman: “Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar”. Esse, de fato, tem sido o pensamento do momento. Alguns não querem mais construir o que é sólido. Se é no âmbito social, o jovem parece só se aproximar de quem lhe convém ou que acha que pode lhe retribuir alguma coisa. Torna-se uma amizade por interesses e não por afinidade de corações e propósitos de vida; se é no âmbito do amor, não se vive mais o processo natural de namorar, noivar e casar. A onda agora é “ficar”, como acha que deve. Talvez casar para ver se dar certo, senão, separam-se. Isso tudo só reforça as vãs filosofias mencionadas anteriormente.
Na contramaré disso tudo aparece a Igreja para salvaguardar o que é sólido e que, com certeza, se posto em prática trará resultados muito positivos, quer em âmbito pessoal ou social. Algo, por sua vez, que é bastante sólido é uma amizade livre, desinteressada, com bons propósitos de vida partilhada. A Palavra de Deus assegura que o “amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro” (Eclo 6,14). Um verdadeiro amigo vê no outro um irmão, alguém com quem se pode contar em todas as fases da vida. A cultura do encontro, pensada e amplamente difundida pelo Papa Francisco, favorece que as pessoas se tornem irmãos, construindo laços afetivos e efetivos de modo a modificar essa famigerada cultura líquida. Diz o Papa, na Carta Encíclica Fratelli Tutti: “Falar de ‘cultura do encontro’ significa que, como povo, somos apaixonados por querer encontrar-nos, procurar pontos de contato, construir pontes, planejar algo que envolva a todos. Isso se tornou uma aspiração e um estilo de vida”. Com essa e tantas outras iniciativas, percebe-se que nem tudo está perdido. Há sinais visíveis de que há uma parcela da juventude ávida por um tempo de esperança, de seguridade na amizade, em que se pode ir ao encontro para não somente encontrar-se com o outro, mas deixar-se encontrar e criar laços sólidos.
É essa visão positiva que a Campanha da Fraternidade deste ano vem propor sobre a amizade social, despertando no coração de todos a importância do criar e fortalecer laços de amizades que edificam, gerando testemunhos de uma amizade leal, sadia e que vale uma vida inteira. Para tanto, o lema desta campanha se torna um ponto de partida e, ao mesmo tempo, um ponto de chegada: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8). Crendo e buscando viver como irmãos, os jovens serão muito mais felizes e saberão o valor que é ter uma amizade social, visto que, como já dizia o poeta inglês John Donne, “Nenhum homem é uma ilha!”.
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