O momento que vive nosso país tem feito nascerem as mais diferentes reflexões e propostas – de cunho político, econômico, jurídico etc. –, na busca por soluções para os problemas presentes. Com o desejo de oferecer uma contribuição nascida da fé, volto o meu olhar para uma distante experiência – aquela vivida, no Antigo Testamento, pelo povo que Deus escolheu para ser o Seu povo, esperando que ele O aceitasse como o seu Deus. Refiro-me ao Êxodo.
O Êxodo passou a ser visto não só como um caminho de libertação, mas também de purificação. Afinal, foi no deserto – terra árida, lugar em que, além da falta da água, parecia faltar também a bênção divina – que Deus mostrou estar mais próximo daqueles que amava: “Portanto, reconhece no teu coração que o Senhor, teu Deus, te educava, como um homem educa seu filho” (Dt 8,5).
Israel fez no deserto a experiência de sua dependência do Senhor. A longa peregrinação dos hebreus pelo deserto – 40 anos! –, pode ser vista de forma pessimista, como eles próprios a julgaram, durante a travessia. Não nos esqueçamos, contudo, de que foi precisamente nessa época que se realizou a aliança de Israel com o Senhor, momento culminante na História desse povo. Por intermédio de Jeremias, o Senhor dirá mais tarde: “Eu me lembro, em teu favor, do amor de tua juventude, do carinho de teu tempo de noivado, quando me seguias pelo deserto” (Jr 2,2). Não é fácil para nós percebermos o tal carinho da parte dos filhos de Israel, dada a sua constante infidelidade. Mas assim é o Senhor: sempre pronto a perdoar e atento a toda e qualquer manifestação de arrependimento de seus filhos e filhas.
Quando o ser humano perde tudo e não vê perspectivas à sua frente, fica só com desejos, saudades e desânimo. Assim foi o Povo de Israel: ora teve saudades do tempo da escravidão e até desejou voltar para o Egito; ora se prostrou num desânimo mortal, sem o mínimo entusiasmo pelas promessas de liberdade e de poder viver uma nova vida em uma terra que seria sua. A experiência do Povo Escolhido nos ensina que, quando não se alimenta a fé, a esperança se apaga; quando, por outro lado, só se pensa em satisfazer os desejos imediatos, a fé perde a sua força e os projetos do Senhor não mais nos entusiasmam. Daí por diante, é fácil prever o que acontece: buscam-se alegrias palpáveis e sensíveis (poder, dinheiro, prazer…). A longa e penosa peregrinação do Povo de Israel pelo deserto nos mostra que só Deus permanece; todo o resto é nada. Assim como ele purificou seus filhos de muitas idolatrias e seguranças demasiadamente humanas, assim também nos conduz ao deserto (= sofrimentos, desafios, falta de perspectivas…) ou nos permite passar por ele para nos falar ao coração (cf. Os 2,16) e nos ajudar a descobri-lo.
A experiência do deserto atingiu seu ponto máximo em Jesus Cristo. No início de sua vida pública, enfrentando um longo jejum e vivendo em profunda oração, ele venceu as grandes tentações: a procura de satisfação imediata, o desejo de colocar Deus à prova e a idolatria. Ele mostrou-se disposto a morrer, manifestou sua confiança no Pai e o adorou. Ao longo de sua vida, muitas vezes ele voltou a se retirar para o deserto, e o fez com a mesma intenção: dar ao Pai a glória devida. Quando, enfim, em seu longo Êxodo, viveu o momento máximo de seu deserto (“Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” – Mc 15,34), o fez num gesto de confiança, de abandono e de amor: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
Espero que, também nós, um dia, saibamos tirar proveito das lições vividas nestes tempos difíceis.
Por Dom Murilo S. R. Krieger – Arcebispo de Salvador
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