A nossa era está profundamente marcada por um processo de personalização, quando o indivíduo se torna o centro de tudo, o sujeito de direitos, decisões e ações; e, diante do mundo e dos outros, sua indiferença é preponderante. A emergência da subjetividade e o pluralismo são as características mais visíveis neste momento. Não vivemos mais num mundo, no qual as definições religiosas são aceitas por todos como verdades absolutas. Nesta nova cultura prevalece a autonomia do imanente que dispensa uma legitimação e inteligibilidade abrangente do universo. Esta realidade, chamada por Peter Berger em sua obra, O Dossel Sagrado de “crise de credibilidade”, é, segundo ele, um dos sinais da secularização mais perceptíveis pelo homem comum. No entanto, essa cultura não pode ser definida como ateia, afirmando que Deus esteja ausente.
Hoje, mais do que nunca, tem-se falado muito sobre Deus. Fala-se sobre Deus nos rádios, jornais e televisões, nas universidades, nas Igrejas e nos botequins. Foi o termo mais usado na sessão da Câmara de Deputados em que se pediu o afastamento da Presidente da República. “Que Deus tenha misericórdia desta nação, voto sim”, pronunciou o deputado cristão Eduardo Cunha em sessão transmitida para o Brasil e para o mundo. Em nome da família, em nome da igreja e em nome de Deus. Foi o que mais se ouviu.
O que nos referimos quando falamos Deus? Qual a definição deste termo tão usado por pessoas e grupos tão diversos e completamente diferentes uns dos outros. São homens e mulheres, latifundiários e sem terra. É o mesmo termo usado tanto pelo grande empresário, cada vez mais rico, quanto pela catadora de material reciclável; tanto pelo banqueiro, quanto por uma jovem mãe inscrita no programa bolsa família. No entanto, sabemos que apesar de todos usarem o mesmo termo, as imagens de Deus que cada um tem são bastante diferentes. Daí que, nem sempre, a imagem de Deus apresentada, pregada e ensinada em tantos lugares é relevante e significativa para os homens e mulheres do nosso tempo. O Deus de que tanto se fala, muitas vezes, não corresponde ao Deus de amor e solidariedade que ouviu o clamor do seu povo e desceu para libertá-lo, que é presença constante na história de sua gente, o Pai de amor e misericórdia que Jesus nos revelou.
Não há dúvida que falar de Deus é uma tarefa difícil, sobretudo quando esse falar não quer ser apenas repetições de idéias e verdades absolutas, mas, na realidade, algo que seja pertinente, que toque a vida das pessoas, que seja relevante, sem que, com isso, se negligencie, se perca aquilo que lhe é próprio e específico, a sua identidade cristã. É preciso interpretar de maneira integral e significativa a profissão de fé que recebemos desde os primórdios. Não podemos nos omitir em afirmar que Jesus é o Cristo, levando em conta não só Sua paixão e morte, mas toda Sua vida e, sobretudo, Sua ressurreição.
Por Dom Zanoni Demettino Castro – Arcebispo de Feira de Santana (BA)
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