A evidência inexorável de que o universo é antigo, imenso, dinâmico e interconectado nos aponta para uma teologia cristã que não pode ignorar o modo pelo qual a humanidade de hoje representa o mundo, originário no caldo primordial dessa criação divina e destinada à salvação. A pesquisa sobre o cosmos é indissociável de uma investigação sobre o homem, pois essa busca perpassa a compreensão antropológica e tem necessariamente repercussões teológicas.
O planeta Terra, sendo realmente uma criação, é assim como um sacramento da glória de Deus, com seu valor intrínseco particular e, portanto, para nós cristãos, a destruição contínua do planeta apresenta marcas de profanação e de profunda angústia em face da aludida interconectividade. Isso repercute em pensar uma teologia também sensível à dimensão histórico-crítica de sua mensagem, em que o seu discurso deve produzir uma intransigente defesa do amor e da justiça a todas as criaturas viventes, bem como ao ecossistema em que estamos insertos.
O cosmos se encontra impregnado da ação fecunda de Deus, em que a vivência e a experiência são uma constante dinâmica, em que se realiza o plano divino para que o homem opere sua contribuição para sua transformação. Deus confia ao homem a missão de levar a termo o aperfeiçoamento do universo criado, onde todas as suas ações devem contribuir efetivamente para a transformação benigna do mundo.
Na medida em que vamos descortinando nosso conhecimento sobre o mistério divino, descobrimos que ele é inesgotavelmente rico e que jamais conseguiremos chegar até o seu fim último, o que não significa simplesmente que não possamos compreender o que ele contém. Nesse contexto, a cosmologia se apresenta como um bom exemplo de laboratório para investigar a possibilidade de diálogo entre a ciência empírica e a fé religiosa. Em tempos de pós-modernidade esse debate pode propiciar comportamentos mais abertos e fecundos.
A ciência da cosmologia trata das origens do universo no plano material, a fé religiosa nos ordena essa criação no plano transcendente. Ambas as concepções são independentes, com metas e métodos diferentes, mas podem ser enriquecidas uma pela outra num diálogo honesto e respeitoso, inter-relacionadas com o conhecimento e a compreensão de nós mesmos e do nosso cotidiano, fundamentando nosso encontro com os aspectos racionais da ciência e da transcendência. Um algo mais que pode significar um expressivo avanço nas relações humanas e, consequentemente, no entendimento sobre o sentido da vida e do cosmos.
Invade nossa reflexão a concepção de uma consciência maior que concebeu todo esse quebra-cabeça cósmico, porquanto é possível refletir Deus, crer em Deus, acolher Deus e agir à luz da existência de Deus neste mundo que chega ao alcance de seu imenso desenvolvimento e complexidade cultural e tecnológica, exatamente por ser uma obra complexa e imersa no mistério da consciência criadora.
Compreender Deus na atualidade é um desafio hercúleo, pois dissertar sobre Ele na pós-modernidade é resgatar a espiritualidade de nossa profissão de fé, imprimindo a necessária dose de racionalidade. Observamos os diuturnos questionamentos aos conceitos básicos da teologia cristã, revelando o desafio de estruturar nossa compreensão religiosa num contexto marcado pela manifestação das diferenças culturais, do pluralismo cético, da transitoriedade da ideias, do conhecimento egocêntrico, do individualismo e do relativismo.
Não é mais possível à teologia contemporânea assentar bases em categorias fixas, em concepções estáticas e distanciadas da contraposição e contradição de ideias que inundam a formulação de pensamentos, desenvolvendo assim seus conceitos e seus argumentos de forma clara e abrangente. Torna-se necessário mergulhar no oceano intelectual atual, articulando as categorias emergentes com a fé, cuja argamassa está presente como elemento de elaboração da teologia, capaz assim de ser sempre contemporânea no contexto histórico.
A teologia vive o instante em que um dos seus maiores problemas é exatamente a compreensão da universalidade salvífica do Cristo diante da face pluralista das tradições religiosas e do racionalismo secular pós-teísta, em que esse Cristo cósmico transcendente às relatividades e diversidades culturais pode desbravar nossos corações e também pode nos conduzir ao gesto salvífico universal, como sentido e destino da nossa consciência, entregue aos erros e acertos da nossa aventura humana.
Podemos encerrar esta sucinta reflexão com a citação sobre a ação de Deus Criador em Cristo, que
“(…) derramou profusamente sobre nós, em torrentes de sabedoria e de prudência. Ele nos manifestou o misterioso desígnio de Sua vontade, que em Sua benevolência formara desde sempre, para realizá-lo na plenitude dos tempos — desígnio de reunir em Cristo todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra” (Efésios 1,8-10).
Por Márcio Oliveira Elias
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