As promessas messiânicas e o tempo que se cumpre (Gl 4,4)
Quando entramos em contato com os textos do Antigo Testamento percebemos que toda a história de Israel está marcada pela presença salvífica do Senhor no meio do Seu povo. Desde o início da Criação, passando por toda a caminhada dos nossos pais e mães da fé (Abraão e Sara; Isaac e Rebeca; Jacó, Lia e Raquel), movidos pela Aliança e a promessa de possuir uma terra, uma descendência e a bênção, Deus garante a Sua presença em todos os momentos dessa caminhada. “Eu estou contigo e te guardarei em todo lugar aonde fores, e te reconduzirei a esta terra, porque não te abandonarei enquanto não tiver realizado o que te prometi” (Gn 28,15).
Durante a dura escravidão no Egito, Deus escuta o clamor do povo oprimido e desce para libertar e conduzir o povo para uma nova terra onde “corre leite e mel” (Ex 3,8). Para Se encontrar e Se comunicar com o povo, o Senhor ordena a Moisés a construção de uma tenda (Ex 25,22), lugar onde Ele está presente e manifesta a Sua glória: “Ali virei Me encontrar com os israelitas, e o lugar ficará consagrado por Minha glória” (Ex 29,43).
Mais tarde, por meio dos profetas, surgem as promessas messiânicas. O Senhor promete um sinal da Sua presença no meio do povo, o nascimento de um menino que trará salvação e alegria. “Pois sabei que o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a jovem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel” (Is 7,14). As profecias anunciam que o Messias será da descendência de Davi (Is 11,1) e que nascerá em Belém (Mq 5,1). O Profeta Zacarias anuncia outros detalhes e encoraja o povo: “Exulta muito, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: Ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta” (Zc 9,9).
Profecias como essas e outras que vinham da tradição oral alimentavam a esperança da vinda do Ungido de Deus. Esse tempo da longa espera chegou ao fim e a promessa se cumpriu! Deus nos enviou Seu Filho! É o que afirma o Apóstolo Paulo: “Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4,4). Antes foi o tempo da espera, da preparação para acolher a plena manifestação de Deus na história humana. Em Jesus, plenitude da revelação, a promessa se cumpre e o Senhor mesmo vem morar entre nós. Tantos quiseram contemplar a face de Deus (Ex 33,18) e agora Jesus a torna conhecida. Deus tem um rosto, o Filho mostra a face do Pai: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9b).
A Anunciação: o “sim” de Maria – Lc 1,26-38
Podemos fazer um exercício de imaginação. Imaginar Deus em Seu Mistério, na Sua Grandeza… Deus que habita os Céus e governa todo o universo cósmico. E em determinado momento da história as Três Pessoas dialogando sobre a Criação e olhando para a humanidade decidem que uma Pessoa da Trindade, o Filho, virá visitar a Terra e tornar-Se um de nós.
É o Filho de Deus, o escolhido, que vem encontrar a Sua Criação. Ele vem para o que é Seu (Jo 1,11). Ele que já estava presente na Criação, pois “no princípio era o Verbo e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio Dele e sem Ele nada foi feito” (Jo 1,1-2).
Para que o Filho de Deus Se tornasse homem foi necessário Se encarnar no ventre de uma jovem. Divino e humano se unem num único projeto. O mesmo anjo Gabriel, que já havia anunciado o nascimento de João, o precursor do Messias (Lc 1,11-25), dirigiu-se a Maria para anunciar a sua concepção: “Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus. Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e O chamarás com o nome de Jesus” (Lc 1,31).
O “sim” de Maria é importante. Naquela jovem, todos nós, homens e mulheres de boa vontade, estamos representados. Quando ela disse “Eu sou a serva do Senhor: faça-Se em mim segundo a Tua palavra!” (Lc 1,38) ela o disse em nome próprio, mas também em nome de toda a humanidade. Nós O acolhemos e Lhe dissemos “Seja bem-vindo!”.
Inicia-se o período da gestação. Maria está grávida; é como se toda a humanidade estivesse grávida do divino que está para vir. Ele vem habitar conosco, morar no meio de nós, assumindo toda a nossa realidade, menos o pecado (Hb 4,15). Jesus não escolhe o melhor, mas o mais frágil. Um lugar pequeno, o ventre de uma mãe
A encarnação: o Verbo Se fez carne e habitou entre nós! (Jo 1,14)
O Menino Jesus nasce em meio aos perigos da vida: fora de casa, na noite fria, numa pobre gruta, em meio aos animais, entre o povo pobre (Lc 2,1-14). No Evangelho de João não temos o relato do nascimento e da infância de Jesus, mas o quarto evangelista no seu prólogo destaca esse momento de glória da história da salvação: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós!” (Jo 1,14). Deus armou sua tenda entre nós humanos!
Lucas e Mateus relatam de modo diferente as primeiras relações humanas de Jesus. Segundo Lucas Ele recebe a visita de pobres pastores (Lc 2,19-20). Para Mateus são os magos que chegam de longe, guiados pela estrela, trazendo seus presentes (Mt 2,1-11). Acolhido, mas também rejeitado; o Salvador é também uma ameaça. Por isso, logo depois de nascer, Jesus já sofre o perigo do rei Herodes, que quer matá-Lo e então deve fugir para o Egito (Mt 2,12-18).
Ele é o Emanuel, o Deus conosco! (Mt 1,23)
A presença do Deus-menino em nosso meio é um grande mistério! Como pode um Deus tão louco de amor que é capaz de despojar-se e assumir a fragilidade de um recém-nascido?! Mas foi assim que o Pai escolheu enviar o Seu Filho a este mundo para redimir a Sua criação. Escolheu um jeito simples de se fazer entender sendo concebido por obra do Espírito Santo no seio de uma jovem de Nazaré (Lc 1,35; Mt 1,20).
Jesus é o Verbo de Deus encarnado que nos revela a face de Deus. No Filho o Pai Se torna plenamente conhecido, Jesus manifesta a Sua vontade salvífica. Por meio Dele somos chamados a entrar em comunhão no seio da Trindade. Agora, podemos contemplar o Seu rosto, reclinar a cabeça sobre o Seu peito, achegarmo-nos a Ele e encontrar descanso.
Por isso podemos dizer que a Encarnação é presencialidade. Jesus é presença de Deus em nosso meio. Ele é o “Emanuel, o Deus conosco!” (Mt 1,23). Mas Ele é também presencialidade, isto é, um presente de Deus à humanidade. Mais que isso Deus não podia nos dar!
A encarnação na comunidade de Nazaré
A Encarnação não foi somente no ventre de Maria, mas também numa família, na comunidade de Nazaré, no povo de Israel e em toda a terra. Ele veio para o que era Seu (Jo 1,11).
Jesus cresceu numa vila chamada Nazaré. Nazaré em hebraico significa “broto novo”. Aquele lugar desprezado, do qual se dizia “De Nazaré pode vir alguma coisa de bom?” (Jo 1,46), foi onde brotou e cresceu a Vida. Foi ali que Ele viveu 30 anos no anonimato. O que Jesus fez nesses 30 anos? Conviveu com o que era Seu. Admirou e contemplou o mundo. É fascinante imaginar o encontro de Jesus com a Sua Criação, com o sol que nascia, com a chuva que caía, com o vento que soprava, com as flores do campo, com os frutos das árvores, com a colheita dos campos, com os pássaros do céu… Jesus passou 30 anos contemplando e se preparando e amando o mundo. Viveu na casa de José e Maria, trabalhou na carpintaria, ensinando que o trabalho tem valor e edifica o ser humano, viveu e frequentou a vila de Nazaré para dizer que a comunidade é o lugar da vida e da convivência. Sentiu na pele o sofrimento do seu povo oprimido pelo Império Romano e por um regime religioso legalista que excluía os mais pobres, os trabalhadores, os doentes, as mulheres, os pecadores, etc.
É na contemplação com a criação e com a história do ser humano que Jesus, 30 anos depois, começa a anunciar o Reino de Deus (Mc 1,15; Mt 1,17). Ele passou fazendo o bem (At 10,38) e dizendo que a humanidade é o lugar da vida: “Seja feita a Tua vontade assim na terra como céu!” (Mt 6,10) e quase que a gritar constantemente que “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância!” (Jo 10,10).
Por Frei Ildo Perondi
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