“Ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas…” (At 1,8).
Os Atos dos Apóstolos constituem a segunda parte da obra de Lucas (1,1-2). Desde muito cedo este escrito foi considerado Escritura Sagrada, sendo lidos na liturgia da Igreja como memória e norma de fé. Esta obra relata o resultado do Evangelho confiado aos Apóstolos e expõe os primeiros passos da comunidade cristã. Por isso a Igreja viu nela um guia precioso e um estímulo exemplar para a vida dos cristãos: da escuta da Palavra à fé, do Batismo à solidariedade, da perseguição ao martírio.
AUTOR, DATA E TEXTO
O nome de Lucas, o mesmo do Evangelho, é consenso entre os estudiosos.O livro teria sido escrito por volta do ano 80, ou seja, depois do Evangelho do mesmo autor. Um dos elementos a favor desta datação é a abertura e indeterminação do epílogo, cujo resumo da estadia de Paulo em Roma mostra como o anúncio do Evangelho já chegava de Jerusalém às extremidades da terra (1,8; 28,30). Além da coordenação de todos os materiais, o autor pôde dispor de fontes orais e escritas, muitas vezes ligadas à fundação e à vida das igrejas referidas ao longo do livro. Ressaltam de um modo particular as passagens descritas com o sujeito “nós”, em que o autor se sente testemunha ocular, deixando-nos uma espécie de “diário de viagem” ou um itinerário dos acontecimentos ligados a Paulo (16,10-17; 20,5-15; 21,1-18; 27,1-28,16). Em Atos estão os vetores fundamentais que devem caracterizar a Igreja de todos os tempos e em todo o lugar onde se fizer presente: escuta assídua do ensinamento dos Apóstolos, comunhão fraterna e solidariedade, participação na fração do pão e nas orações (2,42-47; 4,32-35; 5,12-15).
VALOR HISTÓRICO
As narrações e os discursos dos Atos são confirmados pelos dados da História e da Arqueologia e estão de acordo com os Evangelhos e com as Cartas de Paulo. Os resultados do exame histórico ajudam a compreender e a estabelecer os elementos de uma cronologia bastante segura das origens cristãs, assim como das Cartas de Paulo. A visão histórica do livro aparece integrada numa visão teológica. Assim, Deus é ator e autor do crescimento da Igreja (2,47; 11,21.23). De um modo particular o autor (Lucas) insiste no Dom do Espírito, atuando sem cessar na expansão da Igreja. Para Ele, a história do mundo é uma História de salvação que tem Deus como autor principal e se divide em duas etapas importantes: a primeira é o Antigo Testamento, tempo da promessa, da prefiguração, da preparação e da profecia; a segunda é o Novo Testamento, tempo do cumprimento, da realização, da salvação já presente. Esse cumprimento do desígnio salvífico de Deus em Cristo Senhor abre um tempo em que a história da Salvação continua até a plenitude final. Daí a importância decisiva que Lucas atribui ao “hoje”, como memória e imperativo da fé em Cristo ressuscitado.
UNIVERSALIDADE
Deste “hoje” faz parte, em primeiro lugar, o anúncio da Boa Nova e o testemunho de Jesus, Senhor e Messias, que encontra nos Doze, nos diáconos e, sobretudo em Pedro e Paulo, os arautos mais credenciados. Deus é sempre o ator principal; e, tornado invisível, Jesus não deixa de ser, com Ele, o centro dos acontecimentos: a sua missão continua (3,26), Ele derrama o Espírito (2,33) que anima a vida da Igreja (1,8) e “anuncia”, em pessoa, através de Paulo, “a luz ao povo e às nações” (26,23). Os Atos dos Apóstolos descrevem o espaço da expansão desta Boa-Nova de Jesus. Enquanto no Evangelho de Lucas a manifestação de Jesus começa em Nazaré e termina em Jerusalém, nos Atos o anúncio a Boa-Nova parte de Jerusalém (2-5), passando depois à Samaria e Judéia (8,1), a Fenícia, Chipre e Síria (11,19-21), para através da Ásia Menor e da Grécia (13-18) chegar a Roma (28,30). O Evangelho destina-se a todos (17,31); mas a passagem da salvação do Evangelho, povo de Israel para os pagãos (13,46) faz parte do Plano de Deus (2,39; 15,7-11.14) e constitui o tema principal deste livro.
ORGANIZAÇÃO DAS COMUNIDADES
No interior das comunidades apareciam tensões, sobretudo entre helenistas e judaizantes, mas também sobressaem grupos de pessoas com funções particulares de governo, de direção e de serviço, e até com poderes taumatúrgicos. Tudo isso representa uma certa estrutura, necessária para a comunhão das igrejas. Depois dos Doze Apóstolos, com lugar privilegiado para Paulo, vêm os Sete Diáconos (6,1-6), os Anciãos (14,23; 20,18.28) e os Profetas (11,27). Esta exemplaridade dinâmica, animada pelo Espírito Santo, ontem como hoje, há de se traduzir em decisões e atitudes que sejam testemunho da ressurreição do Senhor, mediante a comunhão na diversidade, na solidariedade e na piedade. Nesta “Via do Senhor” está a identidade própria do Povo de Deus, com uma história a recordar e a recriar, primeiro a partir de Jerusalém, depois a partir de Roma, “até os confins do mundo” (1,8).
TEOLOGIA
Um dos pontos fundamentais da trama literária dos Atos é a passagem do judaísmo para o cristianismo. De fato, os primeiros cristãos, que eram judeus, deviam dar um salto da convicção da salvação pela Lei (15,1.5) para a salvação pela fé em Cristo (15,9.11). Daí as tensões que surgem na abertura a circuncisos e incircuncisos, e na passagem do Evangelho para os pagãos. Sem rejeitar os judeus, e sem se deixar “judaizar”, a Boa-Nova de Cristo tem como fronteira a universalidade. Este dado teológico ajuda a compreender a intenção do autor. Ao compor a sua obra, Lucas pensava, sobretudo, num público cristão, constituído por judeus e não-judeus. Homem da unidade e da comunhão, ele apela a que os cristãos espalhados pelo mundo se conduzam pela exemplaridade da comunidade de Jerusalém. Insistindo sobre a fé, ele opõe-se a eventuais tendências judaizantes; respeitando a fidelidade dos judeus-cristãos à Lei, ele desarma as críticas destes aos irmãos vindos dentre os gentios.
DIVISÃO DO TEXTO BÍBLICO
O livro divide-se em duas partes:
1ª) Atos de Pedro: 1 – 12.
2ª) Atos de Paulo: 13 – 28.
Pode-se ainda distinguir diversas unidades literárias, cuja extensão e repetição conferem ao livro a sua fisionomia Eclesial:
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