“Uma vez que a vida na terra é um tempo de tentações e todos aqueles que querem levar uma vida em Cristo estão sujeitos à perseguição e, além disso, o vosso adversário, o diabo, anda à vossa volta como um leão a rugir, procurando a quem devorar, com toda a diligência procurai revestir-vos com a armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do inimigo.” (RC 14, o combate espiritual)
Estimados confrades, iniciemos nossa breve meditação sobre o Dom da Fortaleza, situando-nos na terra do Carmelo! Aí fomos introduzidos para saborear os seus frutos e os seus bens (cf. Jr 2,7a). Esta passagem bíblica evoca o segundo fim da vida eremítica, qual seja: “[…] não só depois da morte, mas ainda nesta vida mortal, possa gozar no afeto do amor e no gozo da luz do entendimento, algo sobrenatural do poder da presença de Deus e o deleite da eterna glória. Isto quer significar beber da torrente da delícia divina.” (Institutio Primorum Monachorum, p.6).
Quem não se enche de bom ânimo ao desfrutar, neste tempo de peregrinação, as graças que se derramam abundantemente, como chuva copiosa? Esta experiência da graça preveniente e generosa antecipa o Céu. Dá-nos a conhecer Aquele que é o desejado das nações, por quem a alma anseia e se lança destemida ao encalço, a zaga de tu huella (sequela Christi). Esta graça que Deus nos faz imerecidamente nos induz à prática do bem; nos convoca a vida em Cristo e, portanto, nos põe no horizonte da conversão, da renúncia e do bom combate.
Sim, há uma carreira a correr e uma vitória a alcançar (cf. 1Cor 9,24-25). Aqui recordamos Felipe Ribot (IPM), ao tratar da perfeição religiosa e expor o primeiro fim da vida eremítica: “Este fim consiste em oferecer a Deus o coração santo e limpo de toda mancha atual de pecado […] Primeiro fim que é o coração puro se alcança pelo esforço e a prática das virtudes, ajudados pela divina graça. Ao segundo, chega-se pelo amor perfeito e pela pureza do coração.” Mística e ascese caminham juntas! Afinal, “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti”, assevera o Santo Doutor de Hipona ecoando o próprio Cristo no Evangelho: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita” (cf. Mt 7,13-14).
A temática carmelita desde as origens teve em grande conta o combate espiritual. Os próprios carmelitas estavam numa terra disputada através das cruzadas, guerras de reconquista do Lugar do Senhor, lá onde Cristo passou pelo mundo fazendo o bem; ali onde Cristo enfrentou e venceu o maligno; onde Cristo ofereceu a vida, num combate renhido, e saiu vencedor do pecado, do mal e da morte. O carmelita empreende esta luta a fim de guardar puro o coração, terra sagrada em que o Senhor faz morada (cf. Jo 14,23-24). Guardar a Palavra é guardar-se na presença de Deus, a Ele ser fiel como o Único Absoluto; é, sem delongas, manter puro o coração. Justamente por isso, a Virgem Maria é puríssima, por ser a Virgem que sabe ouvir tudo quanto o Senhor lhe diz. Guardou a Palavra com total fidelidade, ou seja, pureza perfeitíssima de coração.
Com frequência, pensamos ser o dom da fortaleza posto em ação nas ocasiões de dificuldade. Nestas horas, haveremos de ser fortes, de ter bom ânimo e lembrar que o Senhor nos pede isto, pois neste mundo “tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” (cf. Jo 16,33). No entanto, seria demasiado estreito reduzir este dom a eventos e momentos difíceis. Não! O dom da fortaleza “liberta o coração do torpor, das incertezas e de todos os temores que podem detê-lo, de modo que a Palavra do Senhor seja posta em prática, de forma autêntica e jubilosa […] Este dom deve constituir o fundamento do nosso ser cristãos, na ordinariedade da nossa vida quotidiana. Como disse, em todos os dias da vida quotidiana devemos ser fortes, precisamos desta fortaleza, para fazer avançar a nossa vida, a nossa família, a nossa fé.” (Papa Francisco. Audiência Geral, 14 de maio de 2014)
A fortaleza é bem mais que virtude cardeal elencada já pelos gregos que refletiam sobre esta temática das virtudes como ideal do comportamento ético ou moral. Para os cristãos, a fortaleza, além de virtude, é dom do Alto, do Santo Espírito. Este dom, justamente, nos lança na arena da vida cristã com coragem. Combatemos pelo Senhor e Sua Palavra, Sua causa, Seu Reino; combatemos as forças do mal, que se opõem ao Reinado de Cristo em nossos corações e na sociedade. O carmelita não foge à luta! Ao contrário. Herdeiro dos cruzados, empunha a escudo da Fé, reveste-se da couraça da justiça/santidade para amar a Deus de todo o coração; toma o elmo da salvação e agarra a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus. (cf. Ef 6,10-17).
“Sinto em mim a vocação de guerreiro […] Sinto, afinal, a necessidade, o desejo de realizar por ti Jesus, todas as obras, as mais heroicas… Sinto na alma a coragem de um Cruzado, de zuavo Pontifício. Desejaria morrer no campo de batalha pela defesa da Igreja.” Que coragem animava a pequenina flor de Lisieux, Santa Teresinha. Ela é autêntica carmelita e descobre esta força indestrutível ao encontrar, no coração da Igreja, sua vocação, o Amor. Ah, que vergonha sentimos diante de tanto ardor! Nós que somos tíbios em viver a Palavra, nós que achamos desculpa recorrendo à nossa fraqueza e permanecendo dentro e fora do castelo, arriscando a perder a graça e afastar-nos do amor do Senhor.
A escusa de sermos fracos não poderia mudar-se, justamente, em fundamento de nossa fortaleza? Afinal, “é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder” (cf. 2Cor 12,7-10). O grande profeta Elias, nosso Pai, era um homem fraco como nós (cf. Tg 5,17-18). Mas ao colocar-se na Presença de Deus e na escuta fiel da Palavra que o Senhor lhe dirigia, tornava-se o profeta inflamado de zelo pela glória de Deus. A força do Alto que virá sobre a Igreja não é apenas para suportar adversidades. Se assim fosse, cairíamos na comiseração, a pena de nós mesmos, no orgulho disfarçado de lamentação pela dureza da vida.
O dom da fortaleza nos enche da mesma coragem que animou os mártires a darem a vida por Cristo. “Sinto na alma o desejo de realizar por ti, Jesus, todas as obras!”. Eis a fortaleza! Eis a expressão do bom ânimo num coração bem-disposto e que ama Jesus Cristo, nosso Senhor. Bem- disposto, aliás, porque ama. E ama com o mesmo amor de Deus que age nos corações que lhe dão espaço, que se deixam fazer morada da Pessoa Dom, o Espírito de Deus. Coragem! Amemos o Amor, dando por Ele nossa vida. Amemos com atos e entrega generosa, ainda que em gestos simples. Espírito Santo, descei sobre nós e dai-nos do dom da fortaleza!
Frei Jerry de Sousa, O.Carm.
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