“Permaneça cada um em sua cela ou na proximidade dela, meditando dia e noite na Lei do Senhor e vigiando em orações…” (RC. 10)
Desde a 1ª Semana Bíblica Nacional em 1947, setembro ficou conhecido como o mês da Bíblia, oficialmente assumido pela Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil em 1976 promove reflexões e celebrações que nos ajudam a aprofundar e reconhecer a importância da Palavra de Deus na vida da Igreja.
Para nós carmelitas o mês da Bíblia é uma boa ocasião para revisar a vivência do nosso carisma e recordar a importância da Palavra de Deus na espiritualidade de nossa Ordem.
É impossível desassociar o carisma carmelitano da Sagrada Escritura, portanto, uma vocação carmelita não se sustenta sem um contato constante com a Palavra de Deus. A exortação da Regra para que o carmelita medite dia e noite na lei do Senhor indica que desde o inicio da Ordem esse é um ponto fundamental da vida carmelitana.
Permanecer na cela e meditar é escutar e contemplar a Palavra de Deus primeiramente no silêncio e da solidão para que essa possa de fato inundar todo nosso ser e então certamente nossas palavras e ações poderão anunciar a Salvação para aqueles que estão ao nosso redor.
As Constituições da Ordem Carmo ao tratar da vida fraterna no capitulo III, ressalta momentos de maior importância para a vivência de uma verdadeira fraternidade baseada no conhecimento mutuo e no amor. Entre esses momentos importantes da vida comunitária, juntamente com a celebração da Eucaristia e a Liturgia das Horas, está à escuta orante da Palavra de Deus[1].
O hábito de praticar a Letcio Divina (leitura orante da Palavra de Deus) apresentada na Regra do Carmo não deve ser uma opção casual, mas, uma prática diária e constante. Somos convidados a cultivar essa prática também como irmãos a fim de “partilhar a experiência com Deus e dar uma resposta comunitária à sua Palavra que nos provoca[2]”.
Na espiritualidade carmelita, a contemplação e o silêncio impulsionam para uma vida de missão e de anúncio. A experiência pessoal com a Palavra de Deus só será eficaz se atingir o coração do outro, por isso, o carmelita é chamado a ser profeta e propagador da mensagem de salvação, principalmente para os que mais necessitam de um olhar e de uma palavra de esperança.
As mais diversas atividades e missões dos carmelitas devem incentivar as pessoas a uma busca constante de Deus e ao cultivo de uma vida de oração. Somos inspirados pela escuta e meditação da Sagrada Escritura para conformar a nossa vontade com a vontade de Deus[3]. Nesse aspecto são nossos exemplos o Profeta Elias, nosso pai e a Santíssima virgem Maria, nossa Mãe.
Como é bonito saber que há tantos anos a Ordem do Carmo entendeu que o melhor meio para promover vocações é o entusiasmo dos frades que como carmelitas amam a Sagrada Escritura[4]. Basta um simples contato com a vida de um santo carmelita e nos daremos conta de como viveram intensamente a escuta e o anúncio da Palavra de Deus.
A Fórmula de Vida[5] antes das modificações feitas por Inocêncio IV não falava do oficio canônico, mas, da oração com os salmos[6]. A partir dessa afirmação, sabemos que os primeiros eremitas no monte Carmelo recitavam os salmos estabelecidos pela Igreja[7] e podemos deduzir que conheciam o saltério à memoria[8]. Isso certamente favorecia o que hoje chamamos de “ruminação”, ou seja, a repetição mental de uma palavra ou de um versículo da Sagrada Escritura durante as atividades do dia.
O Concilio Vaticano II por meio da Constituição Dogmática Dei Verbum (sobre a revelação divina), convida todos os fiéis ao contato profundo com a Palavra de Deus: “Debrucem-se, pois, com gosto sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja[9]”. Pela mesma Dei Verbum, vemos refletir o carisma dos carmelitas que desde os primeiros passos no monte Carmelo uniu a leitura da Palavra e a oração: “Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem; porque «a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos»[10]”.
Frei Carlos Mesters que dedicou sua vida ao estudo e ao ensinamento da Bíblia incentivando principalmente a leitura e reflexão comunitária nos recorda que o parágrafo sobre a meditação da Palavra de Deus na Regra do Carmo, apesar de ser breve é considerado um dos pontos principais da espiritualidade carmelitana[11].
A Palavra de Deus tem a força para transformar o mundo, basta abrirmos o coração para que ela germine e dê seus frutos. Uma pessoa que é nutrida com a Sagrada Escritura só poderá ter atitudes e palavras que revelam o amor de Deus. Devemos nos familiarizar com o texto bíblico por meio da leitura, escuta, meditação e estudo. É importante não desanimar quando a leitura parecer incompreensível porque Deus escolheu revelar as grandes coisas aos mais pequeninos[12].
Frei Juliano Luiz da Silva, O.Carm.
BIBLIOGRAFIA
Carlo Cicconetti, O.Carm. La regola del Carmelo, 2018. Edizione Carmelitane, Roma.
Carlos Mesters, O.Carm. Intorno alla fonte. Edizione Carmelitane, Roma.
Costituzioni dell’Ordine dei fratelli della Beata Vergine Maria del Monte Carmelo, 1996. (Edizione per uso interno dell’Ordine) Roma.
Dei Verbum, Constituzione Dogmatica sulla divina Rivelazione, 1965, Roma.
Joachim Smet, O.Carm. I Carmelitani v.I, 1989. Istitutum Carmelitanum, Roma.
[1] Constituições, cap. III, 31.
[2] Constituições, cap. V, 82.
[3] Constituições, cap. VI, 95.
[4] Constituições, cap. XII, 131.
[5] Vitae Formula, Santo Alberto de Jerusalém (1207).
[6] CICCONETTI, p. 392.
[7] CICCONETTI, p. 388.
[8] SMET, p. 21.
[9] Dei Verbum, 25.
[10] Dei Verbum, 25.
[11] MESTERS, P. 88.
[12] Mateus 11,25.
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