“A família, como a Igreja, tem por dever ser um espaço onde o Evangelho é transmitido e de onde o Evangelho irradia… Os pais não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido”[1] (Paulo VI, EN n.71).
Na década de 1980, o beato João Paulo II já tecia um panorama sobre a real situação familiar e nos presenteava com a Exortação Apostólica Familiaris Consortio onde, logo no início, podia-se ler:
“A FAMÍLIA nos tempos de hoje, tanto e talvez mais que outras instituições, tem sido posta em questão pelas amplas, profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura. Muitas famílias vivem esta situação na fidelidade àqueles valores que constituem o fundamento do instituto familiar. Outras tornaram-se incertas e perdidas frente a seus deveres, ou ainda mais, duvidosas e quase esquecidas do significado último e da verdade da vida conjugal e familiar. Outras, por fim, estão impedidas, por variadas situações de injustiça, de realizarem os seus direitos fundamentais”[2].
Diante dessas palavras proféticas concluímos que, o que antes era comum entre nós, agora se tornou uma preocupação, ou seja, a família tem deixado em segundo plano a educação cristã de seus filhos, transferindo essa responsabilidade para a Igreja e, o que é pior, justamente quando a pessoa já está com a sua personalidade formada.
Como fazer para que a família assuma seu papel no processo educativo da fé cristã dos filhos e seja lugar de valores morais, de oração e de abertura para Deus? Eis o problema.
Sabemos que a sociedade mudou. A família, como parte viva da sociedade, também mudou, e essa mudança afeta o relacionamento dos seus membros. Sendo assim, a família tem dificuldades de se encontrar como família cristã e, com isso, vai diminuindo sua capacidade de responder aos novos desafios, no que diz respeito à fé e aos anseios mais profundos do coração humano.
A Igreja acredita na família e no seu fundamental papel na sociedade[3] — de ser, nela, célula primeira e melhor Igreja — e por ela olha com fé e convicção. Em virtude disso, luta para que os filhos encontrem, na Igreja, o primeiro espaço de encontro com Deus e o fundamento de sua fé. Portanto,
“Consciente de que o matrimônio e a família constituem um dos bens mais preciosos da humanidade, a Igreja quer fazer chegar a sua voz e oferecer a sua ajuda a quem, conhecendo já o valor do matrimônio e da família, procura vivê-lo fielmente, a quem, incerto e ansioso, anda à procura da verdade e a quem está impedido de viver livremente o próprio projeto familiar. Sustentando os primeiros, iluminando os segundos e ajudando os outros”[4].
Quando a educação da fé é iniciada na família é mais perceptível a sua assimilação em outros meios, como a catequese paroquial, o ambiente escolar e mesmo o universo jovem social. É preciso, então que a família tenha consciência de que os filhos são a sua maior riqueza e que os educando, por meio de valores morais e cristãos, estará preservando esse bem maior e preparando pessoas para uma vida feliz e realizada.
Nesse contexto social e cultural diversificado, o que fazer, então, para que a família seja, de fato, o lugar para o despertar da fé?
Primeiro: os pais precisam tomar consciência de que a verdadeira catequese começa ainda no ventre materno. Durante o período da gestação, devem-se tomar os cuidados necessários para que a gravidez seja serena e feliz. Cuidados para que a mulher viva esse período sem turbulências, agitos e dificuldades, procurando, esposo e esposa, dialogar, amar, conversar com a criança, demonstrando, assim, afeto e carinho, para que ela, desde esse período, experimente o amor de Deus e da família. A experiência mística dos pais, ao longo da gestação, do mistério da vida que brota no ventre materno, certamente fará com que a criança encontre, efetivamente, na família uma Igreja doméstica.
Segundo: é a partir da convivência familiar que a criança forma interiormente a imagem de Deus, que posteriormente será trabalhada na catequese em vista dos sacramentos. Se a criança percebe que a família é o espaço de comunhão, de partilha e de amor, certamente compreenderá melhor a imagem de Deus como um Deus amor, partilha e comunhão. Essa formação contribuirá para a formação de sua personalidade e de seu caráter.
Terceiro: a família deve compreender que, quando a criança chega à catequese paroquial, ela já precisa ter vivenciado os valores da fé no seio familiar, assim como deve compreender que a Igreja é apenas uma cooperadora na continuidade da educação cristã. Deve também tomar consciência de que a catequese é um processo permanente e não se destina simplesmente à preparação para os sacramentos. Assim, compreendemos que a catequese, como processo, é algo a ser vivido por toda a vida, portanto, deve ser transmitida em seus vários níveis e a família é a instituição que acompanhará essa evolução.
Por fim, quando a criança já estiver participando da catequese paroquial, é importante que a família acompanhe e ajude a Igreja a transmitir e a vivenciar os valores da fé. Grande parte das famílias contribui para isso. Muitas outras se esquecem de seu papel e atribuem toda essa responsabilidade à Igreja. Isso acontece porque muitas vezes falta o interesse pela educação religiosa dos filhos.
Os pais são, na maioria dos casos, os que não praticam a religião e, por esse motivo, não possuem a identidade religiosa que deve ser transmitida. Isso se dá devido a inúmeros fatores: a frágil estrutura familiar dentro de uma sociedade marcada pelo egoísmo, pelo individualismo, pelo consumismo e pela competição; as atividades de lazer, priorizadas nos finais de semana, são motivos para que os pais abdiquem da responsabilidade de levar seus filhos à Igreja, de modo especial para participar da Santa Missa; a necessidade do trabalho fora de casa que impede os pais de educar os filhos como gostariam, e tantos outros problemas sociais, como a falta de emprego e moradia, que dificultam a educação humana e cristã dos filhos[5].
A Igreja, sabedora dos desafios que afrontam o seio das famílias, deseja, antes de tudo, ser um porto seguro, capaz de auxiliá-la na difícil tarefa de educar com valores perenes[6].
É preciso então que, antes mesmo de receberem o matrimônio, os pais tenham consciência de que a família é um projeto de Deus e para que esse projeto seja executado Deus conta com a participação ativa deles[7]. Só assim continuaremos com uma sociedade alicerçada na família, tendo-a como célula mater e, por sua vez, uma sociedade organizada e embasada nos valores humanos e cristãos.
Texto escrito por Pe. Almerindo da Silveira Barbosa, assessor da catequese — Diocese de Luz-MG
Pe. Almerindo da Silveira Barbosa é Natural de Espinosa-MG, sacerdote há 7 anos e incardinado na Diocese de Luz-MG. É pároco na Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Arcos-MG e assessor diocesano da Pastoral Catequética. Também é professor de história da filosofia antiga e introdução à catequética no seminário diocesano.
Bacharel licenciado em filosofia e bacharel em teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tem pós-graduação lato sensu em ensino religioso pela Faculdade do Noroeste de Minas — Finom.
[1] PAULO VI, Exortação Apostólica Evangelli Nuntiandi 71, www.vatican.va [acessado em 14/5/2013].
[2] JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio 1, www.vatican.va [acessado em 14/5/2013].
[3] “A família é, em certo sentido, uma escola de enriquecimento humano. Mas, para atingir a plenitude de sua vida e de sua missão, requer a comunhão de alma no bem-querer, a decisão comum dos esposos e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos”. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et Spes 52, Ed. Vozes, 12 ed., Petrópolis, 1978.
[4] JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio 1, www.vatican.va [acessado em 14/5/2013].
[5] Cf. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio 6.
[6] “Num momento histórico em que a família é alvo de numerosas forças que a procuram destruir ou de qualquer modo deformar, a Igreja, sabedora de que o bem da sociedade e de si mesma está profundamente ligado ao bem da família, sente, de modo mais vivo e veemente, a sua missão de proclamar a todos o desígnio de Deus sobre o matrimônio e sobre a família, para lhes assegurar a plena vitalidade e promoção humana e cristã, contribuindo assim para a renovação da sociedade e do próprio Povo de Deus.” Cf. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Familiaris Consortio 3.
[7] A Familiaris Consortio apresenta nos números 66, 67, 68 e 69 a preocupação da Igreja com a preparação dos seus filhos que desejam receber o sacramento do Matrimônio. Oferece, na presente exortação, os caminhos pré e pós-celebrativos do sacramento. Tal objetivo é lançar diretrizes para que os jovens esposos percebam o amparo da Igreja na constituição de suas famílias, bem como na educação dos filhos.
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