Considerando a onda de clericalismo que ainda afeta boa parte de nossas comunidades católicas, precisamos dizer, logo de início, que a vocação e a missão do padre situam-se numa dinâmica de “um ministério entre os ministérios” (Doc 62, CNBB). Sua vocação não é a de ser a “síntese dos ministérios”, mas o “ministério da síntese” (Doc 62, CNBB). Não é uma vocação para o “monopólio do ministério”, mas um chamado para animar a multiplicidade de ministérios na comunidade eclesial.
Isso significa que a vocação e a missão do presbítero não podem ser vistas de forma isolada, mas no conjunto de uma Igreja que em si é toda ministerial, ou seja, chamada ao serviço em seu próprio interior e na relação com toda a humanidade.
De uma forma positiva poderíamos dizer que a vocação do presbítero é a de representar “Cristo enquanto chefe e sacerdote, portanto a de ser guia espiritual para a valorização de todos os carismas, e de pastor, para orientar todo o povo de Deus de modo que ele se sinta participante de uma co-responsabilidade missionária.
1. CHAMADO A SER SINAL DE UNIDADE DA COMUNIDADE
a) Chamado a ser sinal de Cristo-cabeça
Ser representação de Cristo chefe, pastor e sacerdote significa ser sinal do Cristo cabeça no meio da comunidade. A Igreja, koinonia de pessoas, não é necessariamente um grupo acéfalo. Cristo, como diz Paulo, é a cabeça da Igreja, ou seja, aquele que faz com que o Corpo, “em sua inteireza, bem ajustado e unido por meio de toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de cada uma das suas partes”, realize “o seu crescimento para a sua própria edificação no amor” (Ef 4,16). Cabe afirmar aqui que o presbítero não é nem poderá ser jamais a cabeça.
Somente Cristo é a cabeça. Além disso, sua vocação e sua missão consistem em fazer com que a ekklesía seja, de fato, um corpo, no sentido explicado. “Portanto o padre é chamado a um ministério presidencial, que é representação de Cristo cabeça e sacerdote e que lhe confere uma graça particular para harmonizar os diversos carismas do povo de Deus, de modo que este se realize como povo sacerdotal (cf. 1Pd 2,9-10)”.
b) Chamado a promover a pluralidade na unidade do Corpo
É função do presbítero “vigiar” – no sentido bíblico da expressão – para que a comunidade cristã não seja mutilada da riqueza da pluralidade, mas, como todo verdadeiro corpo, seja algo diversificado, cheio da variedade de membros e de serviços. Cabe ao presbítero a responsabilidade de lembrar sempre a todo o povo de Deus que “o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira” (Jo 15,4).
O serviço de junção e de ligadura deve ser de tal forma flexível que permita a mobilidade dos membros, como acontece num corpo. Ligadura não pode ser jamais confundida com imobilização, “placa de gesso” ou “atadura” que impede que os membros realizem com naturalidade seus movimentos.
2. CHAMADO A DESCOBRIR OS CARISMAS PRESENTES NA COMUNIDADE
É tarefa primordial dos presbíteros despertar, discernir, cultivar e acompanhar todas as vocações. Nesse serviço, sua participação é de fundamental importância. No II Congresso Internacional das Vocações, realizado em Roma em 1981, chegou-se a falar desse serviço às vocações como de um ministério fundamental para a vida dos presbíteros.
No documento conclusivo, os congressistas pedem aos presbíteros que não se deixem vencer pelas dificuldades, mas, inspirados pela fé, realizem com alegria e entusiasmo o serviço de animação vocacional. Naquela ocasião, os participantes do congresso lembravam que o trabalho vocacional dos presbíteros se dá em quatro vertentes inseparáveis:
1° anúncio da Palavra que convoca a comunidade;
2° abertura capaz de animar as pessoas, especialmente os jovens, na busca de valores autênticos, capazes de dar sentido à vida;
3° testemunho, com o qual o presbítero move outras pessoas por seu exemplo de vida;
4° capacidade de saber reconhecer os sinais de vocação presentes em determinadas pessoas e de explicitamente convocá-las para o seguimento de Jesus, por meio de uma vocação específica.
3. CHAMADO A PASTOREAR
Sua vocação é pastorear a comunidade, ou seja, conhecer profundamente as pessoas e dar sua vida por elas. A razão de ser do pastor é o rebanho, para o qual ele existe e é destinado. Pastorear é seu ofício.
a) Chamado a conhecer as pessoas
“Eu sou o bom pastor: conheço minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai”(Jo 10,14-15). Conhecer significa, acima de tudo, procurar ter um relacionamento de profunda comunhão, deixar-se modelar, deixar-se arrastar, deixar-se consumir pêlos outros.
b) Chamado a dar a vida pela humanidade
O cardeal Martini afirma que a beleza do grande pastor Jesus “está no amor com o qual entrega a si mesmo à morte por cada uma das suas ovelhas e estabelece com cada uma delas uma relação direta e pessoal de ntensíssimo amor”. O próprio Cristo afirma isso com grande clareza: “Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas” (Jo 10,15).
Nessa perspectiva, levemos afirmar que faz parte da vocação e da missão do presbítero sua disponibilidade para estar totalmente a serviço do povo de Deus, de tal forma que, se necessário, ele deve dar a vida por aqueles e aquelas que integram a comunidade pela qual ele é responsável.
A disposição total em querer “dar a vida por suas ovelhas” (Jo 10,11) leve ser um critério fundamental no momento de discernir a vocação daquele que deve agir in persona Chrísti. Esse agir que, segundo alguns, caracteriza o específico da missão do presbítero, não pode ficar reduzido à dimensão sacramental.
4. CHAMADO A FORMAR COMUNIDADES A PARTIR DO ALTAR
As reflexões feitas até agora nos ajudam a entender que a vocação do presbítero é essencialmente ser formador de comunidades. Toca a ele a missão significativa de reunir pela Palavra e pela celebração dos sacramentos, especialmente pela Eucaristia, o povo de Deus.
a) Vocacionado a ser ministro da Palavra de Deus
Como “a fé depende da pregação e a pregação é o anúncio da palavra de Cristo” (Rm 10,17), pode-se deduzir que a vocação e a missão específica do presbítero é fazer essa Palavra chegar a todas as pessoas de boa vontade, provocando a conversão, condição primeira para o seguimento de Jesus (cf. Mc 1,15).
b) Vocacionado a ministrar os sacramentos
O presbítero é vocacionado a ser, por excelência, ministro dos sacramentos. Todavia é no ato de presidir a celebração da Eucaristia que sua vocação e sua missão se tornam mais explícitas. De fato, é por meio da presidência da Eucaristia, e a partir dela, que o presbítero realiza seu múnus de pastor, estimulando, discernindo e valorizando todos os carismas da comunidade, fazendo que tudo venha a convergir no bem comum e na solidariedade.
Pela presidência da Eucaristia, o presbítero se torna sinal visível e efícazao Cristo pastor de sua Igreja. Na presidência da celebração eucarística, temos a imagem visível do específico do ministério presbiteral. Nela fica bem claro que a vocação e a missão do presbítero é harmonizar todos os carismas que o Espírito vai suscitando na porção do povo de Deus que ele coordena.
5. A DIFERENÇA ENTRE O PRESBÍTERO DIOCESANO E O CONSAGRADO PRESBÍTERO
A diferença entre o presbítero diocesano e o consagrado presbítero não é apenas de ordem jurídica ou prática, mas de ordem teológica. O presbítero diocesano, como vimos, possui a vocação e a missão específicas de representar Cristo cabeça e pastor da Igreja diante da comunidade.
O consagrado presbítero, antes de ser representante de Cristo diante da comunidade, é chamado – em razão de sua vocação primeira que é a vida consagrada – a representar a comunidade toda ela carismática diante dos ministros ordenados. Por causa da consagração assumida pêlos votos públicos ou privados, o consagrado presbítero é vocacionado acima de tudo a “um autêntico ministério profético, falando em nome de Deus a todos, também aos pastores da Igreja”.
A ele é pedido que ofereça à Igreja e à humanidade “o seu testemunho, com a ousadia do profeta que não tem medo de arriscar a própria vida”. Conseqüentemente, o exercício de seu ministério presbiteral deverá estar subordinado ao exercício profético de sua consagração, que é sua vocação principal, originária.
Não se entra na vida consagrada para a realização da vocação presbiteral. Entra-se tão somente para responder ao chamamento divino que convoca um grupo minoritário de pessoas para ser, na comunidade eclesial e na sociedade, sinal profético e escatológico do Reino de Deus. Portanto o consagrado presbítero tem uma vocação própria, uma índole própria que não pode, de forma alguma, ser confundida com a do presbítero diocesano que será tratada no próximo tema.
Para aprofundar:
– Doc 62, CNBB – Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas
– José Lisboa – Nossa resposta ao amor – Teologia das vocações específicas, Editora Loyola
Textos para meditar:
Mt 9, 35-38; 10, 9-10; 26, 26-28; 28,18 Mc 14, 22-24; 16, 14-16 Lc 10,1-7; 22, 14-20 Jo 10, 10-18; 20, 19-23 Ef4, 11-12
1 Cor 1,17; 1Cor4,1
2 Tm 1,6 1 Pd 5,2-4
Fonte: Catequese Católica
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