“Não sabeis que sois o templo de Deus?”(1Cor 3,16)
Sobre o altar da Basílica Inferior de São Francisco, em Assis (Itália), existe uma pintura de Cristo como o “Antigo de Dias”. Jesus é representado de cabelos brancos (Ap 1,14), pois Ele existe deste antes do início dos tempos. Esse pequeno afresco passa quase despercebido, pois decora a pedra angular que se encontra exatamente sobre o altar maior desta basílica. Nas antigas construções de pedra, os tetos que formam estruturas em forma de arco são sustentados por uma única pedra. Se aquela pedra for retirada, todo o edifício desmorona. É ela quem sustenta o edifício e é chamada de pedra angular, mas este nome pode ser utilizado também para pedras que sustentam as bases ou os ângulos da construção.
Jesus usa a imagem da pedra angular para falar de si mesmo. Ele é a pedra que os sábios e doutores rejeitaram, mas que sustenta a Igreja, novo povo de Deus. Representando a figura de Cristo sobre a pedra de ângulo da Basílica de Assis, o que era uma metáfora acaba se tornando uma imagem bem concreta.
Os apóstolos Pedro e Paulo, como também o evangelista Lucas, retomam essas palavras de Jesus para explicar a vocação de cada cristão na Igreja: “Achegai-vos a Ele, pedra viva que os homens rejeitaram, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus; e quais outras pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste edifício espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pe 2,4-5). Na sua Igreja, Jesus é a pedra viva, Ele é o sacerdote, é a vitima e é o altar. Sobre essa pedra angular tudo está edificado. Ele sustenta as bases dessa construção e carrega sobre si todo o peso do edifício para que ele não desmorone. Cada cristão é também uma pedra vivente desse edifício espiritual que se ergue majestoso pela ação do Espírito Santo.
No Antigo Testamento o lugar da presença de Deus em meio ao seu povo era o templo de Jerusalém. Quando o Verbo se fez carne a importância do templo se relativizou e ele passa a ser visto pelos Padres da Igreja como uma imagem que antecipava a presença divina que Cristo realiza plenamente. Esse simbolismo é muito rico de imagens e pode ser lido em vários níveis de interpretação. Primeiramente, o templo representa o corpo físico de Cristo que encerra a humanidade e a divindade do Verbo encarnado. Ele também significa a Igreja como corpo místico de Cristo no qual somos inseridos pelo Batismo.
Porém, não podemos esquecer que pela ação do Espírito Santo cada cristão se torna um templo vivo de Deus. O corpo de cada pessoa é o lugar onde Deus pode ser adorado em espírito e verdade: “Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16).
É importante perceber que entre o Antigo e o Novo Testamento existe uma mudança no modo de entender o significado do lugar de culto. Os judeus possuíam um único templo. Entendido como lugar da morada de Deus na terra ele se tornou meta de peregrinação obrigatória porque somente ali se podiam oferecer sacrifícios. Com a vinda de Cristo e o envio do Espírito Santo nos foi revelado que Deus está presente no mundo de muitas maneiras: na Eucaristia e nos sacramentos, na Sagrada Escritura, na comunidade que celebra, no íntimo de cada um de seus filhos, como também em todas as obras que Ele criou.
Tendo consciência da riqueza dessa presença nos damos conta de que a expressão “casa de Deus” não é feliz para designar os edifícios de culto dos cristãos. Não podemos limitar a presença de Deus. De fato, a diferença entre o templo e as igrejas pode ser entendida partindo do estudo da própria arquitetura dos edifícios. O templo de Jerusalém dispunha de dois ambientes internos; o chamado Santo, onde ficavam os sacerdotes, e o santuário (chamado Santo dos Santos), onde originalmente estava a Arca da Aliança e tábuas da Lei. Era o lugar mais sagrado do edifício. Os fiéis se reuniam fora do templo, separados de acordo com as categorias (judeus, gentios, mulheres). O edifício de culto cristão também tem uma estrutura bipartida (o Santuário onde se encontra o altar e a nave onde ficam os fiéis), mas toda a comunidade se reúne dentro do mesmo espaço fechado.
Então, seria mais justo pensar na igreja como a casa da comunidade cristã, lugar onde ela se encontra para celebrar. Por isso a chamamos igreja e não templo. De fato, a palavra igreja vem do grego “ecclesia”, que corresponde ao hebraico “qahal”, que em português significa “assembléia”. O edifício de culto cristão é o lugar onde a Igreja se reúne para celebrar a ação de graças “eucaristia”, em grego: “Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18,20).
No cristianismo a presença de Deus é múltipla e dinâmica, mas a sua expressão máxima é o encontro dominical, em que a Igreja, corpo de Cristo, reúne-se em torno ao altar para celebrar a Páscoa da nossa salvação: mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo. É nesse momento que a Igreja entende a sua própria identidade como povo de Deus, corpo místico de Cristo, assembleia dos eleitos.
Artigo de autoria do Frei Sidney Machado.
Texto extraído da seção “Espiritualidade e Arte” da Revista Ave Maria – Edição Março/2017.
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