Hoje está na moda falar de empatia. Num mundo tão tecnicista e cheio de distrações, as pessoas têm sentido falta de relações humanas verdadeiras, de olho no olho, de aperto de mãos, abraços, enfim, coisas que só um ser humano concreto pode oferecer. Chegamos a um ponto que não dá mais para esconder o profundo vazio e distanciamento que nossa sociedade está vivendo. Nas ruas, encontramos moças e rapazes oferecendo “abraços grátis”. Ora, empatia tem a ver com essa necessidade de conexão, com a atitude profundamente humana de colocar-se no lugar do outro e compartilhar dos mesmos sentimentos.
O ser humano não foi feito para ficar só. Está na sua natureza pessoal a busca por relações, nas quais ele possa reconhecer-se numa família; a descoberta do outro é, como salientava Gustavo Corção, uma das coisas mais fascinantes e admiráveis da existência, porque, estando “face a face com o outro, o homem está como diante de um espelho: inebriado, fascinado, enamorado numa espécie de narcisismo positivo que se abre para o louvor” [1]. O outro nos interroga e, ao mesmo tempo, nos consola, nos revela a nossa própria identidade pelo simples fato de nos estender a mão e, com isso, mostrar que somos feitos do mesmo barro.
Porém, quando essas relações não acontecem, o homem adoece e perde o elã da vida. Se falta empatia — ou seja, se falta amizade, compaixão, amor, companheirismo etc. —, nossas histórias acabam perdidas como cartas no baú, porque não temos com quem compartilhá-las; não há quem as escute, mesmo que seja para rir de nossas estrepolias. Tornamo-nos, de fato, uma mônada, uma bolha fechada em nossas próprias depressões. E aí surgem as máscaras de relações artificiais, de busca de alguma coisa que possa substituir os relacionamentos ausentes; as pessoas vão atrás de morfina para amenizarem a dor do tumor que lhes corrói a alma, submetendo-se a qualquer tipo de coisa para deixarem de ser invisíveis.
É isso o que notamos no romance As vantagens de ser invisível, de Stephen Chbosky, por exemplo. A história gira em torno do adolescente Charlie, um jovem bastante tímido, que, após algumas experiências traumáticas na infância, acaba bastante debilitado emocionalmente, sofrendo de fortes alucinações. Para aliviar seus sentimentos, ele escreve cartas em uma espécie de diário, no qual despeja todos os seus pensamentos sem qualquer medo de censura ou depreciação. Mas tudo começa a mudar na vida dele, quando Charlie ingressa no ensino médio e passa a ser “percebido” pela turma de “descolados” do colégio.
Nesse novo ambiente, Charlie tem a oportunidade de mostrar como ele se sente, porque encontra um ambiente de cumplicidade. Assim como ele, os seus amigos têm sede de viver algo em profundidade, não temendo os riscos do que suas atitudes podem acarretar. É emblemática a cena em que a jovem Sam, paixão secreta de Charlie, sobe na carroceria do carro de seu irmão, e abre os braços para experimentar o vento correndo sobre seu corpo e, desse modo, “sentir-se como o infinito”. De fato, eles têm desejo de um amor para além deste mundo, que os faça sair da bolha na qual estiveram aprisionados por tanto tempo
Aos poucos, porém, Charlie vai descobrindo as feridas e os segredos de cada um de seus amigos, e como ainda estão vazios, mesmo com todas as suas festas, transgressões e rebeldias. Ele mesmo tem um encontro com suas “chagas” depois de ser privado da presença de seus companheiros, que o distraíam da sua interioridade bagunçada. Certo dia, vendo sua irmã ser agredida pelo próprio namorado, ele se intriga com aquilo e pergunta ao seu professor de inglês, com quem mantinha certa confiança: “Por que pessoas legais escolhem pessoas erradas para namorar?” E o seu professor responde: “Aceitamos o amor que imaginamos merecer”.
Na mosca. A maior parte dos personagens de As vantagens de ser invisível vive esse terrível drama de contentar-se com qualquer aparência de amor que sirva para retirá-los da fossa, por assim dizer. Eles sentem, sim, desejo do amor infinito (desiderium naturale videndi Deum, diriam os escolásticos), mas, por se julgarem tão antiquados e fora dos padrões, vão se entregando às aventuras da vida, porque, no fim das contas, acreditam ser a única coisa que lhes resta. E é assim que Charlie aparece, uma hora, na fila da Comunhão, junto com seus pais, para receber a Santíssima Eucaristia e, depois, na casa de seus amigos, para consumir drogas. Ele também aceita o amor que julga merecer.
Na realidade, nós todos experimentamos essa sensação terrível de querer algo infinitamente superior às nossas próprias forças e capacidades, e, ao mesmo tempo, julgarmo-nos dignos apenas das mixarias que a história nos oferece, porque não encontramos quem possa se conectar a nós mesmos, de maneira tão profunda como gostaríamos. Temos sede de absoluta empatia, mas nós não nos amamos o suficiente para renunciar àquilo que nos destrói a alma. Esse é um daqueles muitos paradoxos da humanidade, sobre os quais tanto escrevia G. K. Chesterton.
Chesterton também precisou passar pelo fio da navalha, até finalmente encontrar-se com a resposta que tanto procurava para seus dilemas. No seu livro Ortodoxia, ele afirma que sua vida pode ser definida como a viagem de um homem que sai à procura do infinito, da verdade mais profunda de seu ser, e a acaba encontrando no lugar mais improvável: a sua própria casa, de onde saíra.
Durante toda a sua juventude, ele viveu tormentos profundos e grandes dúvidas espirituais, que o fizeram passar do ateísmo ao agnosticismo, de modo que ele chegou a pensar no suicídio. Mas ao abrir-se ao mistério do cristianismo, que ele havia ignorado por tanto tempo, Chesterton descobriu novamente a alegria da religião verdadeira, que nos conecta com o amor infinito que tanto procuramos. E as coisas que estavam invisíveis ao seus olhos tornaram-se claras, sobretudo o Homem Deus que veio se colocar no lugar da humanidade, num admirável intercâmbio.
Em sua obra mais vigorosa, O Homem Eterno, Chesterton observa como Jesus realiza, com sua misteriosa Encarnação, o mais perfeito gesto de empatia que homem algum jamais imaginou. Esse gesto, diz Chesterton, começa justamente onde tudo começou para o ser humano: na caverna. Ele escreve assim:
A segunda metade da história humana, que foi como uma nova criação do mundo, também começa numa caverna. Até se constata um detalhe dessa fantasia no fato de animais estarem mais uma vez presentes pois se deu numa caverna usada pelos montanheses das regiões altas de Belém, que ainda hoje conduzem seu gado para essas grutas e cavernas para o pernoite. Foi num lugar assim que um casal sem teto se refugiou junto com o gado quando as portas da apinhada estalagem haviam sido fechadas na cara deles; e foi num lugar assim, exatamente debaixo dos pés dos passantes, num subterrâneo sobre o próprio chão do mundo, que Jesus Cristo nasceu. Mas nessa segunda criação houve algo realmente simbólico nas raízes da rocha primeva ou nos chifres da pré-histórica manada. Deus era também um homem das cavernas e também havia desenhado estranhas formas de criaturas, curiosamente coloridas, sobre a parede do mundo; mas as pinturas do mundo feitas por ele ganharam vida [2].
No mais humilde dos berços, e na mais discreta de todas as maternidades, repousava o menino Jesus, em quem Chesterton descobriu não apenas outra pessoa, mas o Totalmente Outro que não se contentou em ser consubstancial ao Pai, e quis também ser consubstancial ao homem, para dar-lhe uma nova filiação. E, assim, Chesterton pôde experimentar a mesma alegria dos pastores de Belém, porque também lhe nascera na Cidade de Davi um Salvador. E ele poderia encontrar esse menino sempre que quisesse, poderia debruçar-se sobre o seu peito e confessar-lhe todos os tormentos, poderia comungar na sua mesma mesa eucarística, poderia alegrar-se com suas parábolas e também chorar suas feridas; poderia, afinal, ser um e todos ao mesmo tempo, numa autêntica família, porque, de fato, a Igreja, Corpo Místico do menino Deus, “não é um movimento e sim um lugar de encontro, um lugar de encontro para todas as verdades do mundo”.
Com o mistério do Natal, Jesus veio merecer para todos os homens o amor que tanto desejamos, mas que, por nossos próprios méritos, não somos dignos de receber. Em suas andanças e pregações, Ele olhou nos olhos de muitos, deu abraços, chorou e compadeceu-se, acolheu doentes, ladrões e prostitutas, e todos paravam para ouvir as suas Palavras de Vida Eterna, “porque o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10). Mais ainda: Cristo não só se recusou a condenar a adúltera, que aceitava qualquer amor por imaginar-se indigna de coisa melhor; Ele a fez enxergar um horizonte maior, para além da vida medíocre que ela levava. Jesus a redimiu e ajudou a buscar um novo sentido para sua existência.
Todos nós, seja Charlie, seja Chesterton, temos dentro de nossas almas uma mulher adúltera, que precisa ser urgentemente redimida. Por medo, podemos nos esconder do apedrejamento do mundo, buscando uma vida invisível, escondida na escuridão, onde talvez nos sintamos aparentemente mais seguros. Mas os fantasmas permanecem lá, no mesmo lugar, apenas esperando a oportunidade para nos atormentarem outra vez. E é então que deve nascer o Menino Deus, para nos trazer alegria e exorcizar de nossos corpos todos os falsos ídolos e reis, todo e qualquer fantasma de uma existência sombria e amarga. Porque Ele, diz o salmista, “não nos trata segundo os nossos pecados, nem nos castiga em proporção de nossas faltas”; “porque tanto os céus distam da terra quanto sua misericórdia é grande para os que o temem” (Sl 102, 10-11).
Que belo é esse amor, que belo é esse Deus que vem ao nosso encontro, e coloca-se no nosso lugar, como dizia São Gregório Nazianzeno, aceitando a pobreza de nossa condição humana para que nós recebamos os tesouros de sua divindade. No desfecho do diálogo de Charlie com seu professor, o jovem pergunta-lhe se é possível mostrar às pessoas que elas merecem um amor maior. “Nós podemos tentar”, responde-lhe o mestre. Mas Jesus não só tentou; ao contrário, aquele que possuía tudo em plenitude, aniquilou-se a si mesmo, despojou-se de sua glória por algum tempo, para que nós participássemos de sua plenitude.
Para recebermos esses dons, basta que façamos como Chesterton e abramos os nossos olhos ao pequenino na manjedoura, que está ali quase invisível, enquanto nos distraímos com o mundo… Assim descobriremos as vantagens de ser católico.
Referências
* Gustavo Corção. Dois amores, duas cidades. Rio de Janeiro: Agir, 1967, v. 1, p. 33.
* G. K. Chesterton. O homem eterno. Cajamar: Mundo Cristão, 2010, p. 220.
Via Aleteia
Comments0