Como Jesus usava a Bíblia
Jesus usava muito a Bíblia e era na Palavra de Deus que ele fundamentava Sua vida, Sua missão e Seu projeto. Porém, para entender bem essa questão, antes são necessários alguns esclarecimentos:
a) Na época de Jesus só havia o que hoje chamamos de Antigo Testamento, isto é, o texto hebraico. Jesus falava o aramaico, que era uma língua mais popular, e a Bíblia estava escrita em hebraico, língua que Jesus também dominava bem.
b) Naquela época não havia Bíblias como hoje. Os textos estavam escritos em rolos de pergaminho ou em papiros e se encontravam nas sinagogas ou nas escolas rabínicas. Dificilmente uma pessoa possuía uma Bíblia em casa, portanto, o contato com a Palavra de Deus se dava aos sábados nas sinagogas, quando os textos eram lidos e comentados.
c) Existe uma hipótese de que José poderia ser o chefe da sinagoga de Nazaré. Neste caso, Jesus teria mais facilidade de estar em contato com a Bíblia escrita.
d) O Novo Testamento estava sendo gestado e vivido, mas somente uns 20 anos depois da morte e ressurreição de Jesus é que começou a ser escrito.
Diante das tentações
Diante das tentações, Jesus defende-se das artimanhas do diabo utilizando textos das Sagradas Escrituras. Nas três vezes em que foi provocado, Jesus buscou textos na Palavra de Deus para desmascarar as intenções do diabo que queria fazê-Lo mudar de projeto. Jesus encontrou nas Sagradas Escrituras as respostas certas: “Está escrito: não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Na segunda tentação, o diabo também citou a Bíblia (Mt 4,5-6), mas Jesus recusou a sua proposta dizendo: “Também está escrito: não tentarás ao Senhor teu Deus” (Mt 4,7). Na terceira tentação o diabo ofereceu todos os poderes, mas em troca queria ser adorado. Novamente Jesus, apegando-se às Sagradas Escrituras, disse: “Vai-te Satanás, porque está escrito: ao Senhor teu Deus adorarás e só a Ele prestarás culto” (Mt 4,10).
Percebe-se como Jesus soube utilizar os textos certos para atingir seu objetivo e assim livrar-se da presença tentadora e seguir fiel ao projeto do Reino.
O projeto de Jesus
Ao apresentar-se na sinagoga de Nazaré Jesus fundamentou o Seu projeto na Palavra de Deus (Lc 4,16-21). Ele recebeu o livro do Profeta Isaías e desenrolando-o encontrou a passagem onde está escrito “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor”.
O texto que Jesus buscou é Is 61,1-2. Depois de ter proclamado a leitura do texto, Jesus sentou-Se e então, diante do olhar de todos os presentes, afirmou: “Hoje se cumpriu aos vossos olhos esta passagem da Escritura” (Lc 4,21). Portanto, a Palavra de Deus revelada foi a base do projeto de Jesus. Ele veio cumprir aquilo que já havia sido anunciado pelos Profetas e que o povo estava aguardando há tanto tempo.
Jesus não veio mudar a Lei
No Sermão da Montanha (Mt 5-7) Jesus nos dá a nova Lei, que se inicia com o belo discurso sobre as bem-aventuranças (Mt 5,1-12). No Antigo Testamento, Moisés subiu o Monte Sinai e desceu com as tábuas da Lei (Ex 19). Jesus, como um novo Moisés, também foi à montanha. Ele não mudou a Lei: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim para revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5,17).
Jesus deu uma nova interpretação da Lei: “Ouviste o que foi dito… Eu, porém, vos digo…”. Assim, Jesus ensina que a Lei não deve ser interpretada ao pé da letra, mas deve ser um serviço à vida e ao projeto de amor do Pai.
Na discussão com o doutor da Lei
Certa vez um legista se levantou e, querendo testar Jesus, perguntou o que deveria fazer para herdar a vida eterna (Lc 10,25). Como estava diante de um mestre da Lei, Jesus recorreu às Sagradas Escrituras e perguntou: “Que está escrito na Lei? Como lês?”. O legista respondeu, citando os textos da Bíblia, e então Jesus não entrou em grandes discussões, como faziam os fariseus, mas foi direto à prática: “Faze isso e viverás!”.
O homem, no entanto, tentou justificar-se e perguntou querendo discutir sobre “quem é meu próximo?”. Novamente Jesus, evitando as discussões, buscou uma situação prática e contou a parábola do homem caído à beira do caminho (Lc 10,29-37).
Jesus não disse ao legista quem era o seu próximo, mas perguntou sobre quem foi o próximo do homem que estava caído à beira do caminho. Novamente percebemos como Jesus ensinava a maneira de interpretar corretamente os textos bíblicos.
Jesus alimenta sua oração nos Salmos
Jesus era uma pessoa de oração e conhecia os Salmos. Os judeus sabiam muitos Salmos de cor. Jesus passava muitos momentos em oração, subia montanhas para rezar, louvava a Deus, rezava por Ele e pelos outros. O evangelista Lucas nos mostra muitas vezes Jesus em oração (Lc 3,21; 5,16; 6,12; 11,1; 9,18.28-29; 22,39-46; 23,46).
É provável que nesses momentos de oração Ele recitasse os Salmos. Na hora da cruz, vendo a morte se aproximar, Jesus exclama: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?” (Mt 27,46; Mc 15,35). Esta era somente a primeira frase do Salmo 22. Por isso, é provável que Jesus tenha rezado todo o Salmo, não só a primeira frase relatada pelos evangelistas Mateus e Marcos. O Salmo 22 não é uma oração de abandono, mas que demonstra a confiança em Deus, que ouviu os gritos dos antepassados e veio em seu socorro (Sl 22.5-6).
Para animar os dois discípulos de Emaús
Um texto importante para verificarmos como Jesus usava a Bíblia é a passagem dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Os dois discípulos saíram de Jerusalém e estavam indo para Emaús. No caminho refletiam sobre os tristes acontecimentos da paixão e morte de Jesus. Jesus Se aproximou e começou a dialogar e fazer memória, “começando por Moisés e percorrendo os Profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc 24,27).
O resultado foi fantástico. Os discípulos acolheram Jesus em casa; na ceia Jesus partiu o pão e Se deu a conhecer, abriu os olhos dos discípulos e então eles O reconheceram e afirmaram: “Não ardia o nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32).
Concluindo
Dos exemplos analisados acima podemos concluir que Jesus sabia usar bem a Bíblia, conhecia os textos certos para os momentos certos. É como diz a música do Pe. Zezinho: “Dai-me a palavra certa, na hora certa, do jeito certo e para a pessoa certa”.
Jesus torna-Se assim um bom exemplo para todos(as) os(as) catequistas, pois uma catequese que se fundamenta na Palavra de Deus é mais eficaz e produz melhores frutos.
Jesus nos ensina que devemos conhecer as Sagradas Escrituras, saber usar os textos certos nas horas certas, seja para dar exemplos, seja para testemunhar, para fundamentar ou mesmo para defender a nossa fé. É o que nos ensina também a Carta de Pedro quando afirma: “Estejam sempre prontos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir a vocês” (1Pd 3,15).
Frei Ildo Perondi – ildo.perondi@pucpr.br
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