COMO AS PASTORAIS TRANSFORMAM VIDAS POR MEIO DA INCLUSÃO E DA EVANGELIZAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS
Semear, incluir e evangelizar. Aos olhos do Pai somos todos iguais e especiais. Se o acolhimento é a chave para uma sociedade mais justa e igualitária, para as pessoas com deficiência é algo essencial.
Estar a serviço do Evangelho e tornar-se agente transformador dentro da Igreja cria a possibilidade de semear a fé com a atuação cristã. É o que o trabalho realizado pela Pastoral das Pessoas com Deficiência tem como objetivo: promover a transformação da vida das pessoas com deficiência. Conceber e executar projetos que visam ao fortalecimento dessas pessoas, fazendo com que possam sair da exclusão social ao assumirem o papel de protagonistas das próprias histórias e ressaltando a posição de evangelizadores.
A Pastoral da Pessoa com Deficiência (Pasped) foi criada em 2010 pelo arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, o. cist. Desde a sua criação, ela desenvolve atividades de evangelização e divulgação da mensagem do Evangelho. Composta pelas pastorais e movimentos, engloba a Pastoral do Surdo e os intérpretes católicos, a Pastoral do Cego, a Catequese Diferenciada (atuam com crianças e adolescentes com algum transtorno ou deficiência intelectual) e o Movimento Ecumênico Fraternidade Cristã de Pessoas com Deficiência (FCD). Esse movimento, inclusive, é internacional e fundamentado no espírito do Evangelho, no qual as próprias pessoas com alguma deficiência assumem sua direção, organização e difusão. “Acolher é abrir portas concretas, dar acessibilidade e dignidade a essas pessoas. A Igreja tem esse coração capaz de receber todos em suas dificuldades, desafios, sonhos e sede de Deus. Conviver é outra ação que as pessoas com deficiência prezam e buscam. Um espaço de convivência em que são acolhidas, amadas sem julgamento e exclusão”, explica Cesar Bacchim, coordenador arquidiocesano da Pastoral do Surdo do Rio de Janeiro (RJ).
Um dos pioneiros a lecionar na Língua Brasileira de Sinais (Libras), nos anos 1990, Bacchim é formado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Começou a frequentar a comunidade de surdos na Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, e conviveu por muitos anos com o Monsenhor Vicente de Paulo Penido Burnier, uma das referências no trabalho de inclusão de pessoas surdas na Pastoral do Surdo. “A ação evangelizadora da pastoral é um novo anúncio de uma Boa-Nova, no forte convite de Jesus: ‘Vinde a mim, vós todos que estais cansados e sobrecarregados’ (Mt 11,28). A partir desse anúncio e acolhimento, faz acontecer ações concretas de convivência, atualização da formação humana e cristã”, esclarece.
De fato, um espaço físico é importante para que uma pastoral se desenvolva e seja um farol para acolher as pessoas com alguma deficiência, como o trabalho realizado no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio de Janeiro, que oferece oficina da Língua Brasileira de Sinais aos seminaristas.
Mesmo com todas as iniciativas, há ainda um longo caminho a percorrer. Os desafios são muitos, pois a missão é permanente. “A Igreja, mãe e mestra, vive essa constante atitude de conversão, sempre no olhar fixo em Jesus Cristo. É dele que nasce a nossa ação de evangelização. A abertura e um novo olhar para essas pessoas seriam um grande passo para erradicar a cultura da discriminação e exclusão ainda presente”, sugere o professor Bacchim.
O acolhimento foi essencial para que Sonia Helena, da cidade de Cruzeiro, na região do Vale do Paraíba (SP), exercesse suas atividades dentro da Igreja. Frequentadora da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, dona Sonia participa do grupo “Os Filhos da Misericórdia” arrecadando alimentos e materiais de higiene para distribuição de cestas básicas entre as famílias mais necessitadas da comunidade desde 2019. Com deficiência visual há dezessete anos, desde que sofreu uma infecção no nervo óptico, Sonia Helena tem oitenta por cento da sua visão comprometida. Ainda assim, isso não a impede de participar ativamente das atividades, grupo de orações, do Terço da Misericórdia e de ser uma referência na comunidade. No início, ela lembra, eram duas cestas arrecadadas a cada término de Missa. Agora são quarenta cestas distribuídas mensalmente. “Há muitos anos tenho essa ligação com as famílias e com a juventude. Aprendi com o tempo que uma limitação física não é tudo. Somos capazes de ensinar e de fazer muitas outras coisas. Costumo dizer que a perda é da visão e não da mente”, conta.
Sonia explica que há uma visita prévia às famílias que serão auxiliadas e ela participa ativamente de todas as etapas. “Estou sempre em movimento. O povo todo me conhece por aqui. É a Igreja em movimento, como diz o Papa Francisco. Precisamos colocar isso na prática”, ensina. Ela está atenta às necessidades daquelas pessoas que estão à sua volta. Como numa rápida conversa que teve com uma criança que pediu para capinar perto de sua casa. Sonia memorizou o nome da região da moradia da criança e junto com o grupo levou uma cesta básica para a família. “É preciso sensibilidade e ficar atenta. A pessoa não precisa expressar que está passando necessidade. Eu não precisei perguntar para identificar que era alguém que precisava de ajuda. Como cristãos precisamos ser sensíveis à dor de outro”, ensina.
O amor ao próximo, a doação e o hábito de entender a necessidade do outro também são uma constante no trabalho desenvolvido pela Irmã Celia da Costa Santos há trinta anos. Desde que ingressou na Congregação Franciscana de Nossa Senhora Aparecida, ela começou traduzindo missas para os surdos, participando dos encontros de catequese e auxiliando a irmã e professora Gladis Perlin, reconhecida como uma das maiores especialistas brasileiras na temática da surdez e a primeira surda a obter o título de doutora no Brasil.
Atualmente, Irmã Celia é a vice-diretora da Escola Especial para Surdos Frei Pacífico, inaugurada em 1956 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que atende crianças desde a educação infantil até o nono ano do ensino fundamental. Todos os estudantes são surdos, além do grupo de educadores e os demais profissionais que trabalham na escola. “Temos esse carinho e comprometimento na escola que é bilíngue para surdos e onde a língua de sinais é a primeira língua. Todos se comunicam nela. O nosso desenvolvimento é praticamente integral com o cuidado com a pessoa surda”, explica.
Há ainda serviços especializados como fonoaudiologia, psicóloga e assistente social. “A integração com a Pastoral dos Surdos acontece principalmente nos fins de semana, sendo a escola um espaço aberto também para as mães, que frequentam as oficinas e aprendem a Língua Brasileira de Sinais”, conta. Atualmente são sessenta estudantes surdos e mais de duzentas pessoas no atendimento de comunicação e no centro social, que faz em média seiscentos atendimentos. “Também oferecemos cursos gratuitos de Língua Brasileira de Sinais para a comunidade, seja on-line ou presencialmente. É nosso compromisso proporcionar todos os espaços acessíveis aos surdos”, reforça.
A escola pertence à Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida e se sustenta com projeto sociais. Os estudantes são bolsistas e as celebrações acontecem na paróquia Santo Antônio do Parthenon, que fica bem perto da escola. Lá são realizadas as missas nos fins de semana que contam com intérpretes em Língua Brasileira de Sinais e transmitidas ao vivo pelo Facebook da Pastoral do Surdo do Rio Grande do Sul. “É a forma com que muitos deles têm a oportunidade de compreender a Palavra conforme a liturgia”, diz Irmã Celia.
Ela também acompanha a Pastoral do Surdo no Regional Norte 1, no Amazonas e em Roraima. “Contamos muito com as lideranças leigas e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais que se disponibilizam a ajudar, a traduzir as missas. São grandes conquistas. Quanto mais se conhece, maior o respeito”, atesta e complementa: “Deus tem a sua forma criativa de estar em contato direto com a comunidade surda. Ele toma a iniciativa e nós temos a possibilidade de auxiliar os surdos a viverem sua fé e eles também nos ajudam a viver de forma mais concreta e comprometida pelo Evangelho de Jesus”.
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