RELATOS DE COMO A FÉ AJUDOU A SUPERAR A MORTE DE ENTES QUERIDOS
“Jesus chorou”: o versículo 35 do capítulo 11 do Evangelho de São João é um dos menores da Bíblia e descreve a reação de Jesus ao saber da morte de Lázaro, um de seus melhores amigos. Lázaro e as irmãs, Marta e Maria, moravam em uma pequena aldeia chamada Betânia, a três quilômetros de Jerusalém. Rebatizada de Al-Azariah, fica na Cisjordânia, no Oriente Médio. Sempre que visitava a Judéia, era na casa de Lázaro que Jesus e seus discípulos ficavam hospedados. Foi lá, a propósito, que ocorreu a famosa cena em que Jesus repreendeu Marta por se preocupar com muitas coisas, enquanto uma só era necessária: “Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada” (Lc 10,42), disse Jesus.
O trecho que relata a tristeza de Jesus com a perda de Lázaro sempre intrigou Célia Alves Cardoso. “Por que Ele choraria, se iria ressuscitá-lo em seguida?”, perguntava a si mesma. Célia sabia que havia alguma mensagem naquele choro, mas, não conseguia decifrá-la. Só veio a elucidar o mistério quando perdeu o pai, o comerciante Francisco Antônio Cardoso, em 10 de agosto de 2009, vítima de pneumonia. “Jesus chorou porque se importa! Não nos deixa sozinhos em nosso luto, em nossa dor. Ele nos entende!”, afirma a pedagoga de 53 anos. “A maior lição de Jesus foi que podemos chorar, ficar tristes e viver esse luto. Jesus não nos pede para esconder nossas lágrimas ou fingir que está tudo bem. Sou filha única e perder meu pai foi a maior dor que senti em toda minha vida. O luto dói. Então, choramos”, acrescenta.
Para Célia, o choro de Jesus não é um choro de desespero, mas, de saudade.“Jesus não parou nas lágrimas, mas seguiu com sua missão até o fim. É isso que Ele nos chama a fazer. Se estamos aqui, ainda há algo que precisamos fazer e aprender. Que o luto não nos paralise em nossa missão, porque Deus tem planos para cada um de nós”, diz ela. Célia conta que teve a ideia de escrever Jesus chorou: vivendo o luto com o Mestre (Editora Ave-Maria) no auge da segunda onda da pandemia do novo coronavírus. Até hoje, essa pandemia já matou 6,5 milhões de pessoas no mundo inteiro, 687 mil delas só no Brasil. Mais do que uma decisão sua, foi um chamado do Espírito Santo. Um chamado do qual ela tentou “fugir” por três dias, porém, não conseguiu. “Quando Deus nos chama para uma missão, Ele também nos capacita e nos acompanha em todas as etapas necessárias para realizá-la”, assegura.
Treze anos depois, Célia lembra do pai como alguém de muita fé: “Três anos antes de falecer, ele ficou internado por 63 dias, cinquenta deles em uma unidade de terapia intensiva [UTI]. Ninguém achava que sairia vivo do hospital, mas ele saiu andando de lá. Todos os dias se esforçava para andar um pouco e recuperar os músculos perdidos nessa internação prolongada. Nunca o ouvi reclamando ou se lamentando. Ele seguia em frente”. Outra lembrança forte que Célia guarda do pai é dele assistindo à missa aos domingos bem cedinho pela televisão. Como ele a ligava num volume alto, não tinha como a filha não ouvir a homilia do padre “por tabela”. “Quando ele faleceu, decidi voltar para a Igreja e, assim, estou até hoje. Ele me deixou a fé de presente. Foi essa mesma fé que me ajudou no processo do luto. Segui o exemplo de continuar andando, mesmo quando os ‘músculos’ da vida pareciam ter se perdido na dor”, explica.
Quem também viveu a dor de perder um membro da família foi Maria Eugênia de Azevedo. Foi na madrugada do dia 8 de março de 1997. Maria Eugênia estava em casa com o marido, Sérgio, e dois dos três filhos do casal, Marcelo e Maria Cláudia, quando soube que o primogênito, Eduardo, sofrera um acidente, voltando de uma festa em Campinas (SP). Duda, como era carinhosamente chamado, tinha apenas 16 anos e estava no banco de trás do carro. Dos cinco ocupantes foi o único que morreu. “A dor de perder um filho é tão forte que você acha que vai morrer. Assim como não dá para descrever o que é ser mãe para quem nunca teve um filho, não dá para explicar que dor é essa para quem nunca perdeu um. Só quem já passou por isso sabe do que estou falando”, afirma a filósofa de 62 anos.
Assim que soube da morte de Duda, ela se perguntou: “Por que eu, meu Deus? Que mal eu fiz para merecer um castigo desses?”. Logo, lembrou-se de Maria e de quanto ela sofreu, ao pé da cruz, ao testemunhar a morte de seu Filho. “No início, eu queria morrer junto com o Duda, mas, aí, lembrei-me dos meus outros dois filhos. Não podia deixá-los aqui sozinhos”, resignou-se. Maria Eugênia, então, saiu à procura de um livro que a ajudasse a responder às perguntas que se fazia. E mais: um livro que pudesse servir de consolo num momento tão difícil. Não encontrou. O que ela fez? Resolveu escrever, ela mesma, o livro que tanto procurava. Foi assim que, inspirada pelo Espírito Santo, nasceu A dor que não tem nome: relato de uma mãe diante da partida prematura de seu filho (Editora Ave-Maria). “Não tenho mais medos, nem sinto mais dores. Já vivi o maior de todos os medos e senti a pior de todas as dores. O Duda transformou minha vida. A cada dia que passa, tento me tornar a melhor versão de mim mesma”, avalia Maria Eugênia.
Publicado originalmente em 1999, o livro foi relançado em 2022. Ao longo dos anos, Maria Eugênia recebeu incontáveis mensagens, tanto por e-mail quanto por telefone, de mães do Brasil inteiro, de uma sertaneja do interior da Bahia à mulher de um senador em Brasília (DF), que leram seu livro e se identificaram com sua dor. A todas, sem exceção, tentava transmitir uma palavra de esperança. “Certa vez, uma mãe de Uberlândia [MG] me ligou. Ganhou meu livro na Missa de sétimo dia do filho e, desde então, não sossegou enquanto não conversou comigo. Queria dizer quanto meu livro mudou sua vida. Graças a ele, conseguiu permanecer de pé”, emociona-se. “Virei peregrina de mães. Quanto mais mães eu ajudo, mais perto me sinto do Duda. Quando morreu, ele tinha 16 anos. Hoje, teria 42. Ele continua a ser meu primeiro e último pensamento de todos os dias, mas, não me lembro mais dele com dor. Só com amor”, explica a autora, que pode ser contatada pelos leitores por meio de suas redes sociais: o Facebook (Maria Eugenia Centini Verrengia) e o Instagram (mariaeugenia_azevedo).
Para quem perdeu um filho, ou conhece alguém que passou por isso, Maria Eugênia dá três conselhos. Primeiro: deixe a mãe enlutada falar do filho que partiu. Quantas vezes quiser ou precisar. Passear em shopping center para distrair a cabeça? Nem pensar! Segundo: não obrigue a mãe enlutada a fazer o que não quiser. Ela ainda não aprendeu a viver sem o(a) filho(a) que morreu e terá pela frente Natal, aniversário, Dia das Mães… Terceiro: não sufoque a mãe enlutada, mas, também, não desapareça de sua vida. “Depois da Missa de sétimo dia, todos costumam sumir. A vida de todo mundo volta ao normal, menos a de quem perdeu o filho. A sensação de vazio é indescritível”, explica Maria Eugênia.
Quanto tempo dura, em média, o luto? Célia Alves Cardoso não sabe responder: “Não há um prazo definido. Se você me perguntar, não tenho a mínima ideia do tempo que demorou para mim. O fato é que a gente vai aprendendo a lidar com a dor e a transformá-la em fé e esperança. Cada um tem seu tempo”. Quanto à parte mais difícil, ela cita algumas: a doação de roupas e pertences, a volta para a casa vazia, a primeira refeição sem a presença do pai à mesa… “Um dia, peguei-me chorando num corredor de supermercado”, recorda, “era onde meu pai escolhia os doces de que gostava”. Apesar dos pesares, Célia garante que, em nenhum momento, perdeu o sentido da vida. Quando o enlutado não consegue mais ver sentido em continuar vivendo ou, ainda, não consegue fazer as atividades de seu cotidiano, precisa procurar ajuda médica. “A tristeza não nos tira a vontade de viver. Podemos chorar e sentir saudade, mas a nossa vida continua. Entretanto, quando a dor se torna depressão, precisa ser tratada”, alerta.
Quando soube da morte de Lázaro, Jesus não pensou duas vezes: trouxe o amigo de volta do sepulcro cavado na rocha. “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11,43), ordenou. Não foi o único. Ressuscitou também a filha do chefe da sinagoga e o filho da viúva de Naim. Francisco e Eduardo também ressuscitaram. Hoje, fazem parte da comunhão dos santos. “Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25), disse Jesus a Marta. O Catecismo da Igreja Católica ensina que, apesar de seu pavor diante da morte, a obediência de Jesus à vontade de seu Pai transformou a maldição em bênção. Graças a Cristo, a morte cristã tem um sentido positivo. “Eu não morro. Entro na vida”, resumiu a religiosa francesa Teresa de Lisieux (1873-1897), a Santa Teresa do Menino Jesus, em carta escrita no dia 9 de junho de 1897, três meses antes de morrer.
“A cruz de Jesus nos libertou da morte. Não é mais um ‘adeus’, mas um ‘até logo’. Nosso destino final não é aqui, mas, sim, o Céu. Um dia, haverá o reencontro na eternidade. É isso que nos move e nos faz viver a nossa missão neste mundo”, ensina Célia.
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