Cada ser humano carrega consigo diversos dons e talentos. É certo que ao longo da vida uns vão se dando com mais evidência e outros, menos. Os inúmeros ciclos do desenvolvimento do indivíduo vão aperfeiçoando esses aspectos que podem nascer com cada um ou podem ser aprendidos durante a existência.
As Sagradas Escrituras já apontam na famosa parábola dos talentos (cf. Mt 25,14-31) que eles devem ser encarados com responsabilidade, caridade e criatividade, investindo bem a vida e os dons que são concedidos. Uma vez que são dados por Deus, não devem parar nos sujeitos; pelo contrário, devem chegar aos demais, oportunizando que os outros sejam mais dignos.
Um lugar propício para a boa vivência e partilha dos dons e talentos é a comunidade eclesial, que contribui com o crescimento em estatura, sabedoria e graça daqueles que se deixam acompanhar. As pastorais e movimentos são espaços fecundos de desenvolvimento da aptidão dos talentos recebidos e percebidos porque são traduzidos em serviço aos outros. Não se trata de poderio ou de graça especial ter esse ou aquele dom quando se compreende que todos fazem parte de um único corpo cuja cabeça é o próprio Cristo (cf. 1Cor 12,27).
Quando cada cristão se coloca a serviço da comunidade eclesial, vivencia o seu Batismo na prática e na experiência concreta de ser sacerdote, profeta e rei. As aptidões, quando exercidas na construção diária e anônima da civilização do amor, ganham sua importância para a dimensão da fé e colocam cada ser humano no caminho do Espírito que sopra onde quer.
Os dons e talentos não devem ser fim, mas meios para a construção da plenitude pessoal e coletiva que elevam cada um ao estado daquele que serve e que, portanto, torna-se o maior no Reino de Deus (cf Mt 18,1-5.10.12-24). Todos podem servir na comunidade: há aqueles que sabem tocar, proclamar, sorrir, organizar e tantos outros verbos que elencam ações que tornam o cristão, de fato, seguidor do Cristo, servidor de todos.
O amor que é afetivo e efetivo faz com que cada um se comprometa com o outro a partir do que tem a oferecer. Colocar os dons a serviço na Igreja e na sociedade oportuniza a cada cristão permanecer no exercício de uma fidelidade ativa e criativa diante de Deus.
Em tempos em que, ao que parece, o cristianismo de muitos chegou a um ponto em que o primordial é “conservar” e não tanto procurar com coragem a partir dos dons e talentos que se tem novos itinerários para acolher, viver e anunciar o projeto de Jesus, que é o Reino Deus, olhar para a parábola dos talentos deve ser novamente evidenciado.
Se o cristão não se sente chamado a seguir as exigências de Cristo além do que sempre é ensinado e ordenado, se não se arrisca em nada para fazer uma Igreja mais fiel a Jesus, se o cristão se mantém indiferente a qualquer conversão que pode colocar em xeque sua condição de vida, se não assumir a responsabilidade da civilização do amor, como fez Jesus, procurando “vinho novo em odres novos” (cf. Mt 9,14-17), é que não entendeu com clareza a oração proposta por Santo Inácio de Loyola: “Todos os dons que me destes com gratidão vos devolvo. Disponde deles, Senhor, segundo a vossa vontade. Dai-me somente o vosso amor, vossa graça, isso me basta, nada mais quero pedir”.
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