Entendendo os Sete Dons do Espírito Santo – parte Vl
28/01/2014Juventude, desafio e enigma
30/01/2014Encontram-se na Bíblia rostos variados de juventude. Este artigo pretende resgatar alguns desses rostos que foram conservados na memória das comunidades de tradição judaico-cristã. Neles transparecem a realidade vivida pelo povo de Israel e da Igreja primitiva em seus diversos contextos históricos e a atuação significativa de tantos jovens ao longo da história da salvação.
A Bíblia é resultante da experiência de fé e vida de pessoas de todas as idades. Por ela constata-se que Deus tem um plano de amor universal. Nela encontra-se o protagonismo de muitas pessoas particularmente chamadas para missões específicas. Entre elas, há jovens de todas as condições sociais com testemunhos de fidelidade, de coragem, de sabedoria e de entrega amorosa ao projeto de Deus em favor da vida do povo. Há também jovens que preferem optar por projetos de morte. Há jovens profetas, juízes, reis, soldados, sábios, sacerdotes, artistas… Há jovens violentos, opressores, egoístas, zombadores e preconceituosos. Há jovens maltratados, injustiçados, perseguidos e assassinados. Há jovens indefesos e obrigados a servir aos interesses dos poderosos. Há jovens que resistem até a morte por fidelidade às suas convicções de fé… Enfim, encontram-se na Bíblia rostos variados de juventude. Através deste artigo pretende-se resgatar alguns destes rostos que foram conservados na memória das comunidades de tradição judaico-cristã. Neles transparecem a realidade vivida pelo povo de Israel e da Igreja primitiva em seus diversos contextos históricos. Eles nos fazem refletir sobre a realidade na qual vivemos hoje e nos ajudam a discernir o caminho que devemos tomar como servidores do plano de Deus na promoção da fraternidade e da vida digna sem exclusão.
1. Deus se revela, chama e liberta
A partir do acontecimento do Êxodo, a Bíblia dá testemunho da presença amorosa de Deus no meio do povo sofredor abrindo caminhos de libertação. Ele age através de homens e mulheres que ouvem a sua voz e seguem a sua vontade, como se constata logo no início da formação do povo de Israel, ao redor do ano 1250 a.C. Duas parteiras corajosas, Sefra e Fua, porque temeram a Deus, tiveram a força de desobedecer ao decreto do faraó do Egito e salvar as crianças geradas pelas escravas. Moisés foi salvo pela coragem e criatividade da mãe e da irmã dele, uma jovem muito dinâmica que não temeu riscos para colaborar na defesa da vida do seu irmão, de sua família e do seu povo. Foi também uma mulher jovem, filha do faraó, quem possibilitou a salvação da criança, compadecida pela sua situação, pagando a ama para sustentá-la sem saber que era a própria mãe do menino, adotando-o quando ele cresceu e dando-lhe o nome de Moisés.
Desde a sua juventude, Moisés mostrou-se indignado com a situação de opressão em que vivia o seu povo. No entanto, cometeu um grave erro quando quis fazer justiça com as próprias mãos, usando da violência, o mesmo método dos opressores. Fugiu do Egito e foi para a terra de Madiã, onde se casou com Séfora, com quem teve dois filhos, Gérson e Eliezer. Trabalhou como pastor até o dia em que Deus o chamou para animar a organização do povo escravizado tendo em vista a sua libertação. De pastor de ovelhas, Moisés recebe a missão de pastorear o povo. Tudo isso está relatado nos primeiros capítulos do livro de Êxodo.
A caminhada pelo deserto rumo à terra prometida foi feita com a coragem juvenil. Na dureza do cotidiano de um deserto exige-se muita fé e muita ousadia da parte dos animadores desse projeto de liberdade, de paz e de fraternidade. Exige-se, sobretudo, capacidade de trabalhar em equipe. Os diálogos, as assembleias, as orações e os cânticos se tornam fundamentais para manter vivo o entusiasmo pela conquista de uma terra sem males. Miriam, irmã de Moisés, manifesta sua liderança e coloca seus dons a serviço do povo em caminhada. Junto com as demais mulheres, dançando com tamborins, entoou: “Cantai ao Senhor, porque fez brilhar a sua glória, precipitou no mar cavalos e cavaleiros” (Ex 15,20-21). Ela é lembrada como profetisa, pois percebe, celebra e anuncia os sinais de libertação de Deus em favor do povo escravizado. Como aprendizes uns dos outros e dos acontecimentos, os caminhantes vão descobrindo, clareando e definindo o projeto de Deus: uma sociedade onde a economia seja baseada na partilha segundo a necessidade de cada pessoa (Ex 16,1-36); onde a política seja descentralizada e exercida na corresponsabilidade a partir das organizações de base (Ex 18,13-27); onde a religião seja garantidora de relações igualitárias e fraternas (Ex 20,1-21). Foi o projeto assumido pelas tribos ao chegar à terra prometida.
2. Um novo projeto
Coube a um jovem chamado Josué a missão de liderar o povo de Israel após a morte de Moisés. Com ele conclui-se a caminhada pelo deserto e inicia-se a organização das tribos na nova terra. A missão é desafiadora. Josué a assume na total confiança em Deus, que os tirou da escravidão no Egito. Aprendeu com Moisés a ser servo de Deus. Ser jovem não é sinônimo de incapacidade. Colocou-se inteiramente a serviço da vida do povo. Eis o que Deus lhe promete: “Estarei contigo como estive com Moisés; não te deixarei nem te abandonarei. Sê firme e corajoso… Isto é uma ordem: sê firme e corajoso. Não te atemorizes, não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para onde fores” (Js 1,1-9). A Moisés, a Miriam, a Josué e a todos os que se dispõem a seguir o plano de Deus lhes são garantidas as graças necessárias para as missões que lhes são confiadas. A condição para todos é a fidelidade à vontade divina. De fato, Josué mantém-se firme na fé em Yahweh, conforme registrado no livro que leva o seu nome. Numa assembleia com as tribos de Israel, Josué dá seu testemunho de fidelidade: “Eu e minha casa serviremos o Senhor” (Js 24,15).
O projeto social assumido pelas tribos de Israel durou aproximadamente 150 anos (1200 a 1040 a.C.). Tinha por objetivo garantir as condições de vida digna para todas as famílias, clãs e tribos: um “povo de irmãos”, como definiram os autores do livro do Deuteronômio. E irmão nenhum pode ficar excluído dos bens necessários à vida digna (Dt 15,1-11). Organizado a partir da base, o povo era animado por lideranças “prudentes, tementes a Deus, íntegras e desinteressadas” (Ex 18,21). Foram denominadas de juízes ou juízas as pessoas que receberam a missão de manter a unidade das tribos e administrar a justiça social. O livro dos juízes registrou as façanhas de várias delas. São histórias escritas posteriormente aos acontecimentos históricos com base na memória popular. Entre elas, encontramos Débora. Além de juíza, é também lembrada como profetisa, título de honra dado para quem toma iniciativas em nome de Deus na defesa da vida do povo ameaçada pelos poderosos. Débora significa “abelha”. Com sagacidade, ela planeja as estratégias para vencer o inimigo que ameaça a vida de seu povo. Junto com Débora, outra mulher, chamada Jael, usa de sua esperteza com o mesmo objetivo: salvar a vida e a liberdade do povo de Israel (Jz 4-5). Os juízes e juízas possuem a consciência de serem guiados pelo espírito de Deus com quem cultivam uma relação de total confiança. As dúvidas e fraquezas são superadas pela certeza da proteção divina. Nesse sentido, servem de inspiração para jovens e adultos de todas as épocas.
3. Um velho projeto
Devido aos problemas causados pelas ameaças externas e também devido à competição e à cobiça entre as próprias tribos, implantou-se em Israel o regime monárquico, em torno do ano 1000 a.C. O processo de transição foi permeado de conflitos. Vários grupos manifestaram resistência e oposição à nova proposta, na tentativa de manter a sociedade igualitária sob a corresponsabilidade de todo o povo. O último dos juízes, chamado Samuel, sofreu terrivelmente esse processo de transição do tribalismo para a monarquia. A narrativa de sua vocação (1Sm 3) ressalta o gradativo discernimento da missão para a qual é designado, até a sua plena adesão: “Fala, Senhor, que o teu servo escuta”. A vida de Samuel foi dedicada na defesa do projeto social de fidelidade à Aliança com Deus. Porém, Israel vai optar por outro caminho.
A Bíblia conta que os filhos de Samuel, Joel e Abias, não seguiram o exemplo do pai, mas “deixaram-se arrastar pela cobiça, recebendo suborno e violando o direito”. Há jovens que se deixam arrastar pela ilusão do poder e da fama. Essa situação de corrupção das lideranças foi um dos motivos para a implantação da monarquia, no intuito de imitar outros povos. Samuel entristeceu-se profundamente e “se pôs em oração diante do Senhor”, que não impõe sua vontade, mesmo quando está sendo rejeitado (1Sm 8,1-9).
De fato, a monarquia vai ser julgada como o maior dos pecados. Ela significou o rompimento da Aliança divina com graves consequências sociais. A terra, antes cultivada pelas tribos para o sustento de todas as famílias, agora é tomada pelo rei que concentra para si todos os bens e controla a vida da população, muito parecido com o velho projeto do faraó do Egito. Os moços são recrutados para o exército e para o trabalho forçado; as moças são tomadas para tarefas diversas no palácio (1Sm 8,10-22). Enfim, o povo é escravizado dentro de sua própria terra por um de seus irmãos.
Encontram-se muitos textos na Bíblia que refletem a situação provocada pela monarquia. Buscam explicações para a realidade do mal nas pessoas e na sociedade. Apontam as suas origens: remontam ao tempo dos primeiros seres humanos representados por Adão e Eva. Eles quiseram “ser iguais a Deus”. Sua atitude significou rompimento da relação harmoniosa com Deus, com a natureza e com o próximo (Gn 3). Também o relato mítico-simbólico dos jovens Caim e Abel retrata a relação conflituosa entre as diversas categorias sociais. A fraternidade é quebrada sob o domínio do egoísmo em suas diversas formas, tanto individuais como coletivas. A consequência será a opressão e a morte. Também o relato da vida de José, vendido pelos seus irmãos (Gn 37-50). A inveja e a ganância corrompem as relações sociais. A quebra da fraternidade lançou José nas mãos do poder dominante. Suas habilidades vão ser usadas para concentrar todos os bens nas mãos do faraó e possuir o controle da vida do povo (Gn 47,13-26). É o retrato do rei Salomão que solidificou o regime da monarquia com impressionante habilidade administrativa. Como podemos perceber, a experiência histórica do povo de Israel é contada e recontada muitas vezes e de diversos modos. Em muitas das narrativas, ressalta-se o protagonismo dos jovens.
Muitos reis, desde os dois primeiros, Saul e Davi, iniciam o seu governo ainda muito jovens. Alguns até como crianças. Salomão assumiu o reinado como adolescente, usurpando o direito de seu irmão mais velho, chamado Adonias, e mandou matá-lo (1Rs 1-3). Assim como Salomão, vários outros reis usam da astúcia e da violência para conquistar o poder. A maioria oprime o povo.
Davi, na memória popular, vai ser idealizado como o rei justo, defensor dos direitos dos pobres e muito corajoso desde a sua juventude. Foi ele que enfrentou o gigante Golias com fé e inteligência, sem usar armaduras, na liberdade e com a agilidade de um pastor (1Sm 17). Davi é a figura que representa as aspirações do povo que é oprimido pela monarquia, mas portador do ideal social de justiça e de liberdade. Ele é citado por Jesus como um exemplo de quem prioriza e defende o direito das pessoas necessitadas (Lc 6,1-5).
4. Jovens e profecia
Os homens escolheram a monarquia que se revelou como um regime muito mau para a maioria do povo. Surgem agora os movimentos proféticos. Numa postura clara, em nome de Deus, os profetas e profetisas denunciam a quebra da Aliança sagrada. A prova está na situação de injustiça social. Muitos profetas iniciam suas atividades ainda jovens. Isaías Primeiro é um exemplo. Inicialmente trabalhou para o rei, em Jerusalém. Era um dos seus conselheiros. Exerceu sua função por dinheiro e beneficiou-se dos privilégios de quem se junta aos poderosos. Falava e anunciava o que era agradável ao rei até o dia em que ele caiu em si e tomou consciência da situação enganosa em que se encontrava: “Ai de mim, estou perdido! Sou um homem de lábios impuros, vivo entre um povo de lábios impuros e, no entanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos” (Is 6,5). Quando Isaías teve essa experiência religiosa tinha aproximadamente 25 anos de idade. Estava no templo em oração com a comunidade. Sentiu fortemente o chamado de Deus. Na narrativa de sua conversão, ele conta: “Ouvi então a voz do Senhor, que dizia: ‘Quem enviarei eu? E quem irá por nós?’. ‘Eis-me aqui’ – disse eu – ‘envia-me’” (Is 6). A partir daí, Isaías deixa de servir aos interesses do rei e dos poderosos e dedica-se à sua vocação profética, de forma corajosa e persistente. Suas denúncias dirigem-se aos juízes que agem por suborno, elaboram leis injustas e abandonam os marginalizados, como os órfãos e as viúvas. Denuncia também os grandes proprietários de terra, o rei, os príncipes, os chefes militares, os líderes religiosos, os impérios estrangeiros. Sua profecia está relatada nos capítulos 1-39 do livro de Isaías.
Jeremias é outro profeta chamado por Deus ainda muito jovem. Ele relata a sua vocação, dizendo que Deus lhe dirigiu sua palavra nestes termos: “‘Antes de formar-te no seio materno, eu já te conhecia; antes do teu nascimento, eu já te havia consagrado e te havia designado profeta das nações’. E eu respondi: ‘Ah! Senhor Yahweh, eu nem sei falar, pois que sou apenas uma criança’. Replicou, porém, o Senhor: ‘Não digas: ‘Sou apenas uma criança; porquanto irás procurar todos aqueles aos quais te enviar, e a eles dirás o que eu te ordenar. Não deverás temê-los porque estarei contigo…’” (Jr 1,4-8). Jeremias é um entusiasta da palavra de Deus. Ela arde como fogo em seu interior e conduz os seus passos. Ele proclama: “Vossa palavra constitui minha alegria e as delícias do meu coração” (Jr 15,16). Por causa de sua ação profética é perseguido, preso e entra várias vezes em crise, mas acaba cedendo à vontade de Deus: “Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir” (20,1).
5. Jovens profetas no exílio
A monarquia israelita terminou com a tomada de Jerusalém em 587 a.C. pelo exército babilônico. De agora em diante, o povo de Israel ficará sob o domínio de impérios estrangeiros. Ezequiel exercia a função de sacerdote no templo em Jerusalém. Foi deportado para a Babilônia com menos de 30 anos de idade. No meio dos exilados, torna-se profeta. Numa visão, Deus apresentou-lhe um manuscrito enrolado (as palavras divinas), pediu que o comesse e fosse pregar ao povo rebelde sem temer suas atitudes. Suas palavras deviam ser transmitidas sem receio, quer dessem ouvidos ou não (Ez 2-3). Ele descreve a história desse povo rebelde (Israel) como a de uma jovem amada apaixonadamente por Deus desde o nascimento, mas que se tornou prostituta. Deus, porém, não a abandona, mas a corrige, perdoa-a e lhe proporciona uma nova vida (Ez 16).
Ezequiel é o profeta da esperança militante. Anuncia ao povo exilado que, mesmo parecendo ossos secos e dispersos, com a força do espírito de Deus pode readquirir nova dinâmica para a vida (Ez 37). Da sua organização emerge a energia transformadora. O povo abandonado pelos seus líderes terá a proteção do próprio Deus. Como bom pastor, Deus vai cuidar de suas ovelhas, curar as doentes, reunir as dispersas e garantir-lhe pastagem e vida em abundância (Ez 34). Ezequiel foi uma pessoa portadora de ânimo aos desanimados, de coragem aos que perderam a fé, de esperança aos desesperançados, de força aos enfraquecidos, de união e organização aos divididos e dispersos, como fazem muitos jovens de hoje engajados nas organizações e movimentos populares, em pastorais sociais, nas comunidades eclesiais de base…
Outro profeta no exílio é o Isaías Segundo ou Dêutero-Isaías (Is 40-55): um apaixonado pela liberdade e pela vida digna de todos, inconformado com toda e qualquer atitude de injustiça. Faz ecoar a voz dos silenciados, dando atenção especial às suas aspirações e aos seus direitos. Sua paixão e utopia o levam a fazer uma experiência inédita de fé: Deus assume a dor do povo que sofre, envolve-o no seu amor terno e misericordioso e confia-lhe uma missão especial.
As reflexões de Dêutero-Isaías constituem-se numa nova teologia, distante da visão triunfalista própria dos poderes deste mundo. É a teologia do servo sofredor. Este servo é o povo exilado, tolhido em sua liberdade, disperso e anônimo no meio de estrangeiros. Deus o escolhe para ser seu servo amado e lhe dá a missão de ser luz para todos os povos: “Eis o meu servo que eu amparo, meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião… Eu te chamei para o serviço da justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus como aliança do povo, como luz das nações, a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de soltar do cárcere os presos e da prisão os que habitam nas trevas” (Is 42,1-7). É nessa teologia do servo sofredor que Jesus de Nazaré vai pautar sua vida e fundamentar sua prática.
6. Jovens e sabedoria
O Exílio da Babilônia terminou em 538 a.C. O rei da Pérsia, Ciro, vencendo o império babilônico, promove a volta dos judeus à sua terra. Os repatriados têm o objetivo de reconstruir o templo em Jerusalém. Para isso, trazem capitais da Babilônia (Esd 1,1-11). Os persas dominaram até o ano 332 a.C., quando os gregos tomam a Palestina. No período do exílio, os que ficaram na terra de Judá, em sua maioria agricultores, organizaram-se num estilo de vida modesto em suas pequenas propriedades até a volta dos exilados. Surge, então, forte conflito com relação à reconstrução do templo (Esd 4,1-5). A casta sacerdotal toma o poder religioso e impõe o sistema do puro e do impuro. O “povo da terra”, isto é, os que não foram para o exílio, agora são considerados impuros porque casaram com mulheres estrangeiras. Os sacerdotes e levitas que estão nessa situação são obrigados a mandar as suas mulheres embora (Esd 9-10). O sistema tributarista é implantado pelo governo persa. Reaparecem as classes sociais. Ressurge a exploração dos trabalhadores obrigados a venderem a sua força de trabalho. Os jovens são escravizados. Os pais reclamam: “Eis que foi preciso escravizar nossos filhos e filhas” (Ne 5,1-5). Aprofunda-se a injustiça e a violência diante da aparência de humildade manifestada nos cultos, jejuns e sacrifícios. A ideologia sacerdotal funciona de modo a controlar o cumprimento da lei em todas as suas minúcias. Diziam que a lei de Deus é a mesma lei do rei: quem não obedecer devia pagar multa, ser preso, castigado, exilado e até pagar com a morte (Esd 7,26).
Nesse tempo surge o movimento profético de Isaías Terceiro ou Trito-Isaías (Is 56-66). Com extrema coragem, denuncia as atitudes orgulhosas das lideranças políticas e religiosas e anuncia o caminho da mudança social: a prática do direito e da justiça. Os líderes religiosos procuram incutir no povo a ideia de que ser justo é cumprir a lei. Dizem que a pessoa cumpridora da lei garante boas relações com Deus. O profeta, no entanto, insiste que as relações com Deus são determinadas pelas relações de amor para com o próximo. O que importa não é “ser justo” pelo caminho do legalismo e, sim, “fazer justiça” garantindo as condições de vida digna para todos. Não adianta promover cultos e fazer jejuns. Deus não aceita sacrifícios oferecidos sem amor e sem a solidariedade com os pobres (Is 58). Isaías Terceiro anuncia que Deus vai criar um “novo céu e uma nova terra”. Para isso, porém, é necessário que se restabeleça a igualdade social. Os grandes e poderosos devem descer e colocar-se em pé de igualdade com o povo: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos; o leão e o boi se alimentarão de palha” (65,17-25).
As maiores vítimas do sistema sacerdotal de pureza são as mulheres. Elas são consideradas impuras pela própria natureza e excluídas de todas as instâncias decisórias. As jovens não tinham nem o direito de escolher com quem casar. A teologia oficial atribuiu à mulher a culpa do pecado no mundo (Eclo 25,33). Deus, no entanto, não entra na ideologia dos dominantes. Suscitou o movimento sapiencial, com forte protagonismo das mulheres. Várias novelas bíblicas o revelam. Ester e Judite são jovens, lindas, inteligentes e sagazes. Tomam posição na defesa e promoção dos direitos do povo. Usam de estratégia para derrubar os poderosos de seus tronos confiando na força criativa de Deus, que jamais abandona os oprimidos. Rute, uma jovem estrangeira, solidariza-se com sua sogra Noemi e a acompanha para onde ela vai, assumindo seu povo, sua cultura e sua fé: “O teu povo é meu povo, o teu Deus é meu Deus” (Rt 1,16).
No livro de Cântico dos Cânticos, encontra-se a jovem Sulamita, apaixonada pela vida, pela natureza e, de modo particular, pelo seu amado. Ela se autoqualifica de negra e formosa. Denuncia a exploração por parte de seus irmãos que a obrigam a trabalhar nas vinhas, sob o sol escaldante. A sua vinha, porém, é só dela. Os seus irmãos planejam o que irão fazer com ela quando vierem pedi-la em casamento, porém, não conseguirão o seu intento. Sua vinha é só dela, isto é, ela tem o poder de decisão pessoal. O clima todo que perpassa o livro é de abraços sem conta, de carinhos, de prazer, de alegria, de festa, de êxtases. Mas também de ansiedades, tristezas, perigos, ameaças. É uma vida de encontros e desencontros onde ela e seu amado se aproximam e se distanciam, se revelam e se escondem, dialogam e silenciam, numa busca mútua e teimosa: a busca do verdadeiro rosto um do outro e do sentido profundo da relação que os une, para além de qualquer instituição político-religiosa. A jovem Sulamita não se conforma. Mulher autônoma e independente não descansa enquanto não vê seu sonho realizado. Deus precisa ser libertado das amarras do templo. A terra precisa ser libertada! É primavera! Toda a natureza é convocada a participar, com entusiasmo, do amor que vai crescendo e se fazendo pleno. Os animais se rejubilam solidários. O ar se enche de aromas. A corporeidade humana se revela em sua nudez. Transparecem os encantos de cada parte do corpo, os seus mistérios mais profundos que constituem a originalidade do ser mulher e do ser homem. Mistérios só revelados e experimentados por quem se entrega livre e conscientemente ao amor. E o amor é abrasador, é “faísca de Deus” (Ct 8,6). Surpreendentemente, esse é o único momento em todo o livro em que aparece o nome de Deus.
Várias outras personagens jovens no contexto do pós-exílio poderiam ser evocadas, como Daniel, em cujo livro ao seu nome dedicado encontra-se o mais forte fundamento da fé na ressurreição da carne do Primeiro Testamento (12,1-4). O livro expressa a resistência popular frente à opressão exercida pelo rei grego Antíoco IV, ao redor do ano 170 a.C. A fidelidade ao Deus de Israel revela-se na atitude de três jovens judeus – Sidrac, Misac e Abdênago –, que não se dobram frente às ordens idolátricas do opressor. São jogados na fornalha ardente e poupados por Deus, em quem depositaram total confiança. Daniel, pelo mesmo motivo de fidelidade a Deus, mantendo-se íntegro no seu cargo administrativo, é injustamente acusado e lançado numa cova de leões. Deus o salva. Daniel é o modelo do jovem sábio, justo e incorruptível, conforme se constata no episódio de Susana, uma jovem recém-casada, prestes a ser condenada sem nenhuma culpa (Dn 13,1-64).
Nessa mesma linha de fidelidade, encontra-se a descrição emocionante do testemunho de uma mulher anônima, mãe de sete filhos, consolando-os e encorajando-os a fim de que permaneçam fiéis à tradição dos pais e resistam até a morte. Por fim, ela também entrega sua vida (2Mc 7). É a mulher-símbolo do povo fiel contra a implantação da cultura grega que ameaçou de extinção as autênticas tradições de Israel. Como em Daniel, esse texto aprofunda a fé na ressurreição a partir do mesmo contexto de repressão. A fé na ressurreição se radicaliza na insurreição. É a esperança que sustenta os mártires no meio de provas muito duras: o Deus da vida, criador de todas as coisas e libertador de todos os males, é também aquele que ressuscita os mortos.
7. Jesus de Nazaré e outros jovens
Jesus, em sua infância e juventude, viveu com seus pais em Nazaré da Galileia. “Crescia em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). Assumiu a vida comum dos jovens judeus de sua época. É precioso esse tempo da “vida oculta” de Jesus. O fato de o Filho de Deus assumir totalmente a condição humana revela que o cotidiano da vida de qualquer pessoa pode adquirir pleno sentido. Os mínimos gestos podem tornar-se caminho de santificação. Jesus foi santo não porque realizou grandes obras aos olhos dos outros, mas porque em todas as coisas fez a vontade do Pai.
Sua mãe Maria, ainda muito jovem, assumiu a proposta divina e aceitou ser sua serva acolhendo Jesus em seu seio, enfrentando com coragem os preconceitos da sociedade de sua época. E anunciou que a misericórdia divina se estende de geração em geração para todas as pessoas que o temem; anunciou que Deus dispersa os homens de coração orgulhoso, derruba do trono os poderosos e exalta os humildes (Lc 1,51-52). Não há dúvida de que Maria foi mãe e também mestra de seu filho Jesus. Também José, “homem justo”, transgredindo as leis oficiais de sua época, aceitou ser esposo de Maria e pai de Jesus. O filho de Deus nasceu e cresceu no meio de gente simples, trabalhadora e de profunda fé.
Desde o início de sua atividade pública, Jesus escolheu um grupo para acompanhá-lo em sua missão. Certamente vários membros desse grupo de seguidores eram jovens. Jesus trabalhou em equipe e ensinou o modo de viver segundo o projeto de Deus, superando todas as formas de egoísmo, de discriminação e de domínio de uns sobre outros. Especialmente, dedicou-se para libertar as pessoas dos espíritos que as impediam de serem livres para amar e serem amadas. Jesus não segue as leis que discriminam. Segue o único mandamento que sintetiza todas as leis: o amor a Deus e ao próximo.
Jesus chamou para segui-lo não somente os doze apóstolos. Chamou também o jovem rico que o procurou para saber o que deveria fazer para alcançar a vida eterna (Mt 19,16-22). Jesus gostou dele e percebeu que ele tinha condições de avançar no caminho da perfeição: “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!”. O jovem foi embora entristecido, pois era possuidor de muitos bens. De modo diferente agiram as mulheres, Maria Madalena, Joana, Susana e muitas outras. Mesmo sem serem convidadas explicitamente por Jesus, puseram-se a segui-lo colocando seus bens a serviço de sua missão (Lc 3,1-3).
Há jovens também que crescem e se educam em ambientes que não proporcionam uma visão verdadeira de Deus e servem aos interesses dos dominantes. Um exemplo é a filha de Herodíades, mulher de Herodes. Para satisfazer o desejo de sua mãe, pede a morte do profeta João Batista (Mc 6,14-29). A Bíblia mostra que há dois caminhos: o da vida e o da morte. O caminho da vida por excelência identifica-se com a pessoa de Jesus de Nazaré, que veio não para ser servido, mas para servir e dar sua vida por amor.
8. Mais jovens no movimento de Jesus
O movimento de Jesus continuou após sua morte e ressurreição. Muitos jovens o seguiram, como Saulo de Tarso. De perseguidor dos cristãos transformou-se num dos mais corajosos evangelizadores na Igreja primitiva. Foi um exemplar seguidor de Jesus, a ponto de afirmar: “Não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Barnabé é outro exemplo para o seguimento de Jesus. Ele, “sendo proprietário de um campo, vendeu-o e trouxe o valor aos pés dos apóstolos”. Foi um grande companheiro de Paulo, ajudou-o a encontrar-se e dialogar com os apóstolos em Jerusalém (At 9,26-30) e participou da equipe missionária. Barnabé recebeu um belo elogio do autor do livro de Atos dos Apóstolos: “Era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé”.
Um exemplo contrário ao de Barnabé foi retratado na história do casal Ananias e Safira (At 5,1-11). Venderam um campo, retiveram uma parte do valor e mentiram para a comunidade. Colocaram aos pés dos apóstolos dizendo que era todo o valor do campo. Devido à mentira, os dois, em momentos diferentes, caem mortos diante da palavra de Pedro. Essa história tem a intenção de mostrar que na comunidade cristã não podem ser admitidas atitudes de desonestidade e corrupção. Quem vai enterrar os corpos de Ananias e Safira são os jovens. Eles representam a novidade do Evangelho. Toda maldade deve ser imediatamente “enterrada” para preservar a proposta de Jesus de uma vida nova.
Outro jovem que se tornou um grande discípulo missionário de Jesus foi João Marcos. Sua mãe chamava-se Maria, animadora de uma comunidade cristã. Na sua casa, em Jerusalém, reunia-se uma igreja (At 12,12). Marcos (ou João Marcos) cresceu nesse ambiente de fé e de acolhida, orientado pelos conselhos e pelo exemplo de sua mãe. Era primo de Barnabé (Cl 4,10), e integrou-se na equipe missionária junto com Paulo e também acompanhou Pedro em Roma. Pedro o chama de “meu filho” (1Pd 5,13). A tradição atribui a esse jovem a autoria do Evangelho de Marcos.
Há muitos outros nomes de seguidores e seguidoras de Jesus que poderiam ser evocados. Ainda em Atos dos Apóstolos, encontramos a informação de que o diácono Filipe tinha quatro filhas solteiras que exerciam o ministério da profecia. Seguindo o caminho do pai, dedicavam-se à pregação do Evangelho (At 21,9). Timóteo é mais um animador de comunidades cristãs que não pode ser esquecido. Numa das cartas a ele dirigida, atribuída a Paulo, encontram-se estas instruções: “Ninguém te despreze por seres jovem. Ao contrário, torna-te modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver, na caridade, na fé, na castidade. Aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino…” (1Tm 4,12-13).
Que ninguém despreze os jovens de hoje. Para cada um, Deus tem um desígnio que precisa ser descoberto, acolhido e assumido com toda a convicção. “Os jovens são sensíveis a descobrir sua vocação, a ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser ‘sentinelas da manhã’ (João Paulo II), comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus” (DAp 443).
CONSIDERAÇÃO FINAL
Neste artigo, procurou-se destacar algumas personagens, nem todas com a segurança de serem cronologicamente jovens, nos principais períodos históricos de Israel e da Igreja cristã primitiva. Ressaltou-se as que a Bíblia guardou como testemunhas edificantes da fé judaico-cristã, colaboradoras na defesa e promoção do projeto de Deus: de amor e de fraternidade no mundo. Muitas outras poderiam ser referenciadas. Deus age e realiza seu plano de salvação universal através, sobretudo, de multidões de pessoas anônimas que, no cotidiano de suas vidas, o amam de todo o coração e se dedicam para o bem do próximo. Esse é o jeito jovem de ser. É dentro de Deus que encontramos essa energia rejuvenescedora. Deus “dá forças ao ser humano acabrunhado, redobra o vigor do fraco. Até os adolescentes podem esgotar-se, e jovens robustos podem cambalear, mas aqueles que contam com o Senhor renovam suas forças; ele dá-lhes asas de águia. Correm sem se cansar, vão para frente sem se fatigar” (Is 40,39-31).
Fonte: Revista Vida Pastoral