Há trinta anos, São João Paulo II instituiu o Dia Mundial do Doente para sensibilizar o povo de Deus, as instituições sanitárias católicas e a sociedade civil para a solicitude com os enfermos e quantos cuidam deles.
Em 11 de fevereiro, a Igreja Católica celebra o 30º Dia Mundial do Doente. O dia ocorre na memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, considerada a protetora dos enfermos.
Na carta de criação em 1992, o Sumo Pontífice, São João Paulo II, recordou que a data representa “Um momento forte de oração, de partilha, de oferta do sofrimento pelo bem da Igreja e de apelo dirigido a todos para reconhecerem na face do irmão enfermo a santa face de Cristo que, sofrendo, morrendo e ressuscitando, operou a salvação da humanidade”.
A cada ano, o Papa envia sua mensagem especial para essa ocasião. Em 2022, o tema foi extraído do Evangelho de São Lucas 6,36 “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”, com o subtítulo “Colocar-se ao lado de quem sofre num caminho de caridade”.
No início da mensagem, o Papa Francisco agradece ao Senhor o caminho feito durante estes anos nas igrejas particulares de todo o mundo, reconhecendo que muitos avanços já aconteceram, mas há ainda um longo caminho a percorrer para garantir a todos os doentes, mesmo nos lugares e situações de maior pobreza e marginalização, os cuidados de saúde de que necessitam e também o devido acompanhamento pastoral para conseguirem viver o período da doença unidos a Cristo crucificado e ressuscitado.
“Que o 30º Dia Mundial do Doente nos ajude a crescer na proximidade e no serviço às pessoas enfermas e às suas famílias”, escreve o Pontífice.
Concluindo, Francisco reafirma que a proximidade aos enfermos e o seu cuidado pastoral não competem apenas a alguns ministros: “(…) visitar os enfermos é um convite feito por Cristo a todos os seus discípulos. Quantos doentes e quantas pessoas idosas que vivem em casa e esperam por uma visita! O ministério da consolação é tarefa de todo o batizado, recordando-se das palavras de Jesus: ‘Estive doente e visitastes-me’ (Mt 25,36)”.
“Uma barreira entre nós: um lençol branco. O paciente deitado escondia o rosto e a sua história: qual dor o fazia sofrer? Enquanto discorria sobre a graça, o amor e o perdão de Deus, o paciente correspondia balançando sua cabeça escondida no seu mundo interior. Tão grande era a tensão que as suas mãos transpiravam agarradas ao lençol. Diante daquele quadro que retratava o sofrimento e a dor que aquele paciente vivenciava, disse-lhe: ‘O Senhor Jesus o ama, e pode aliviar sua carga. Ele pode libertá-lo’. Aos poucos os olhos foram aparecendo, depois parte da boca e, por fim, o rosto recluso foi surgindo. O medo deu lugar às palavras. Nos encontros subsequentes a conversa fluía sem trincheiras. Em cada desabafo eu conhecia a face da sua história”: este trecho destaca a experiência da visita de um capelão hospitalar a um enfermo, extraído do livro No leito da enfermidade, da autora Eleny Vassão, demostrando a importância da assistência religiosa e espiritual presente em diversos hospitais.
Esse é um trabalho que acontece por meio da capelania hospitalar, feito de forma voluntária geralmente por católicos e evangélicos, e colabora para alcançar o bem-estar espiritual e emocional dos pacientes, seus familiares e é também destinado aos profissionais da saúde. A finalidade dessa missão é sempre levar esperança, acolhimento e conforto por meio da fé, auxiliando o enfermo a lidar com seu quadro clínico, dar conforto independente da religião, estar junto daquele que mais está precisando.
“Nós buscamos também ser presença junto aos profissionais da saúde. Eu sempre digo que é importante cuidar de quem cuida, porque se o profissional da saúde está bem, se ele se sente amado, respeitado, valorizado também prestará um ótimo e um excelente trabalho na assistência ao enfermo”, comenta o Padre João Inácio Mildner, capelão há trinta anos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo (SP), hospital referência em infectologia no país.
É também assistente eclesiástico da Pastoral da Saúde na Arquidiocese de São Paulo e no Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), conselheiro do Conselho Estadual de Saúde de São Paulo e assistente eclesiástico da Associação de Médicos Católicos de São Paulo.
Em entrevista, o padre gaúcho de 62 anos, com 35 anos de sacerdócio, recorda que desde que recebeu Sacramento da Ordem na Diocese de Santo Ângelo (RS) sempre atuou na assistência hospitalar: “Meu carinho para com os doentes foi aumentando, eu via neles o Cristo sofredor que tanto precisava de um ombro amigo”. Para o presbítero, a rotina da capelania “é ser um entre tantos irmãos que formam a comunidade hospitalar”, enfatizando que todos são importantes para o processo de cura do doente, além dos médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, sem esquecer os agentes de limpeza, profissionais da cozinha e outros: “A presença do capelão é justamente lutar para que essa unidade aconteça em favor de quem sofre”.
Uma das missões da Pastoral da Saúde é o cuidado com os doentes na sua dimensão espiritual, um cuidado que vem complementar o trabalho dos profissionais da saúde. “Ser o bom samaritano a exemplo de Jesus. A nossa missão é cuidar da pessoa na sua integralidade”, ressalta o assistente eclesiástico.
Durante a pandemia do novo coronavírus, a assistência religiosa não foi totalmente suprimida, mas teve que se adaptar às circunstâncias: “Eram momentos difíceis, de dor, angústia, medo, mas a Pastoral da Saúde, os capelães estavam presentes junto aqueles que sofrem”, comenta o padre.
No Instituto Emílio Ribas, eles não puderam ter acesso direto aos pacientes, mas a comunicação acontecia por intermédio dos enfermeiros e de outros profissionais e também por meio da tecnologia. “Foram diversos atendimentos, sobretudo para as famílias, por meio do WhatsApp”, explica Padre João.
Segundo o capelão, era necessário também dar suporte emocional aos profissionais da saúde, que bravamente estavam na linha de frente dos atendimentos e muitos com medo de levar a enfermidade para as suas casas, para os seus familiares: “Muitas vezes choravam e a gente chorava junto também”, recorda emocionado.
Um projeto pessoal de escrever mais um livro em 2020 foi adiado com a pandemia e a necessidade de assumir a capelania do Hospital São Camilo da unidade Pompeia em São Paulo, visto que o capelão atual fazia parte do grupo de risco, fez com que o padre José Wilson Correia da Silva, mi alterasse os planos. Mas ele não sabia que essa vivência intensa de atendimento espiritual aos pacientes infectados pela covid-19 (do inglês coronavirus disease-19, doença do coronavírus surgida em 2019) resultaria numa importante obra: “A assistência religiosa espiritual em tempo de pandemia exigiu-me muita dedicação, adaptar rituais sacramentais, apoderar-me do jargão técnico em torno do tratamento da covid-19, acolher e administrar as demandas da comunidade hospitalar – pacientes e familiares, profissionais da saúde e colaboradores – oriundas de angústias, medos e incertezas geradas em torno do novo coronavírus”.
Foram mais de seis meses atuando na linha de frente junto com as equipes médicas e de enfermagem, tomando nota também dos casos mais significativos.
“Em três meses fui dando forma àquelas anotações que, para mim, eram sagradas, porque estavam ali sofrimentos, angústias, incertezas, perdas, curas de pacientes, profissionais e familiares. O livro foi escrito primeiramente para mim, ajudou-me a ressignificar meu quarto voto como religioso camiliano: ‘Assistir os enfermos mesmo em perigo de morte’”, destacou o sacerdote.
O livro Assistência espiritual hospitalar em tempo de pandemia, apreciação de um capelão foi publicado em fevereiro de 2021, por ocasião dos seus 25 anos de ordenação sacerdotal, e pode ser baixado gratuitamente no site dos camilianos. Segundo o padre, natural de Aracati (CE), a obra é dedicada àqueles que comungam com a espiritualidade do bom samaritano no campo da saúde, da enfermidade e do sofrimento.
O presbítero de 54 anos é o atual diretor do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde, coordenador-geral da Pastoral da Saúde dos hospitais camilianos da Regional Sudeste, assistente espiritual do Instituto Secular das Irmãs Camilianas e Amigos dos Doentes e Sofredores São Camilo do Estado de São Paulo.
A pandemia colocou o profissional de enfermagem em evidência, pois trouxe à luz um trabalho até então desconhecido por muitos, pelo menos na profundidade de sua atuação. São os enfermeiros, que apresentam um papel fundamental na promoção da saúde, prestando assistência ao paciente, garantindo o seu conforto e bem-estar durante o tratamento de doenças e internação hospitalar.
Foi pensando na possibilidade de serviço à humanidade que a enfermeira Mariana Marques de Araújo, 32 anos, escolheu a sua profissão há nove anos. “Pensava no curso não só como a forma de ter um trabalho mais adiante, mas também queria que fosse algo que me permitisse estar com as pessoas, fazer algo de bom por elas e amenizar tantas naturezas de sofrimento”, discorreu a paulistana.
Formada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é também especialista em cuidados paliativos pelo Instituto Israelita Albert Einstein de Ensino e Pesquisa e especialista em acessos vasculares e terapia infusional pela Universidade LaSalle.
Quando iniciou os estudos da profissão, lá em 2012, Mariana não imaginava as adversidades que enfrentaria: “Para mim, os desafios da enfermagem nos dias de hoje são o trabalho em equipe, a constante atualização e o reconhecimento da profissão”. Sobre a rotina da profissão, ela comenta: “Trabalhar numa equipe em que cada membro do time tem uma formação humana e técnica diferente, seus próprios valores, crenças e suas limitações, são pessoas cuidando de pessoas”.
Ao ser questionada sobre como é lidar com as emoções ao ver as pessoas doentes, a especialista em cuidados paliativos descreveu que no início isso era mais difícil e delicado, pois deparava com vidas e histórias por vezes semelhantes e outras tão diferentes da sua: “Amadureci bastante compreendendo como cada paciente lidava com seu sofrimento, dor e desesperança ou como mostravam-se serenos diante da aceitação dos acontecimentos”.
Mesmo nos dias mais difíceis, incluindo o período crítico da pandemia, que Mariana definiu como exaustivo físico e emocionalmente, ela buscou empregar o amor em seu cotidiano: “Compreendi que nem sempre poderemos mudar a realidade, mas o bem que fazemos pode torná-la mais amena”, finaliza a enfermeira, que atua num hospital privado na capital paulista, além de ser docente de Enfermagem da Faculdade de Educação em Ciências da Saúde (FECS).
“O doente é sempre mais importante do que a sua doença e por isso qualquer abordagem terapêutica não pode prescindir da escuta do paciente, da sua história, das suas ansiedades, dos seus medos.” (Trecho da Mensagem do Papa Francisco para o 30º Dia Mundial do Doente, 11 de fevereiro de 2022)
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