Para o dia Mundial da Missão, celebrado pela Igreja no terceiro domingo de outubro, o papa Francisco divulgou sua mensagem afirmando que hoje Jesus precisa de corações que sejam capazes de viver a vocação como uma “verdadeira história de amor”.
O tema escolhido para esse ano é: “Não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos” (At 4, 20).
A história da evangelização tem início com uma busca apaixonada do Senhor, que chama e quer estabelecer com cada pessoa, onde quer que esteja, um diálogo de amizade (cf. Jo 15, 12-17). Os Apóstolos são os primeiros que nos referem isso, lembrando inclusive a hora do dia em que O encontraram: «Eram as quatro da tarde» (Jo 1, 39). A amizade com o Senhor, vê-Lo curar os doentes, comer com os pecadores, alimentar os famintos, aproximar-Se dos excluídos, tocar os impuros, identificar-Se com os necessitados, fazer apelo às bem-aventuranças, ensinar de maneira nova e cheia de autoridade, deixa uma marca indelével, capaz de suscitar admiração e uma alegria expansiva e gratuita que não se pode conter. Como dizia o profeta Jeremias, esta experiência é o fogo ardente da sua presença ativa no nosso coração que nos impele à missão, mesmo que às vezes implique sacrifícios e incompreensões (cf. 20, 7-9).
O amor está sempre em movimento e põe-nos em movimento, para partilhar o anúncio mais belo e promissor: “Encontramos o Messias” (Jo 1, 41).
Os primeiros cristãos começaram a sua vida de fé num ambiente hostil e árduo. Histórias de marginalização e prisão entrelaçavam-se com resistências internas e externas, que pareciam contradizer e até negar o que tinham visto e ouvido; mas isso, em vez de ser uma dificuldade ou um obstáculo que poderia levá-los a retrair-se ou fechar-se em si mesmos, impeliu-os a transformar cada incómodo, contrariedade e dificuldade em oportunidade para a missão. Os próprios limites e impedimentos tornaram-se um lugar privilegiado para ungir, tudo e todos, com o Espírito do Senhor. Nada e ninguém podia permanecer alheio ao anúncio libertador.
Possuímos o testemunho vivo de tudo isto nos Atos dos Apóstolos, livro que os discípulos missionários sempre têm à mão. É o livro que mostra como o perfume do Evangelho se difundiu à passagem deles, suscitando aquela alegria que só o Espírito nos pode dar. O livro dos Atos dos Apóstolos ensina-nos a viver as provações unindo-nos a Cristo, para maturar a “convicção de que Deus pode atuar em qualquer circunstância, mesmo no meio de aparentes fracassos”, e a certeza de que “a pessoa que se oferece e entrega a Deus por amor, seguramente será fecunda (cf. Jo 15, 5)” (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 279).
O mesmo se passa conosco: o momento histórico atual também não é fácil. A situação da pandemia evidenciou e aumentou o sofrimento, a solidão, a pobreza e as injustiças de que já tantos padeciam, e desmascarou as nossas falsas seguranças e as fragmentações e polarizações que nos dilaceram silenciosamente. Os mais frágeis e vulneráveis sentiram ainda mais a sua vulnerabilidade e fragilidade. Experimentamos o desânimo, a decepção, o cansaço; e até a amargura conformista, que tira a esperança, se apoderou do nosso olhar. Nós, porém, “não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos consideramos vossos servos por amor de Jesus” (2 Cor 4, 5). Por isso ouvimos ressoar nas nossas comunidades e famílias a Palavra de vida que ecoa nos nossos corações dizendo: “Não está aqui; ressuscitou» (Lc 24, 6); uma Palavra de esperança, que desfaz qualquer determinismo e, a quantos se deixam tocar por ela, dá a liberdade e a audácia necessárias para se levantar e procurar, criativamente, todas as formas possíveis de viver a compaixão, ‘sacramental’ da proximidade de Deus para conosco que não abandona ninguém na beira da estrada. Neste tempo de pandemia, perante a tentação de mascarar e justificar a indiferença e a apatia em nome dum sadio distanciamento social, é urgente a missão da compaixão, capaz de fazer da distância necessária um lugar de encontro, cuidado e promoção. “O que vimos e ouvimos” (At 4, 20), a misericórdia com que fomos tratados, transforma-se no ponto de referimento e credibilidade que nos permite recuperar e partilhar a paixão por criar “uma comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço e bens” (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 36). É a sua Palavra que diariamente nos redime e salva das desculpas que levam a fechar-nos no mais vil dos ceticismos: “Tanto faz; nada mudará!» Pois, à pergunta «para que hei de privar-me das minhas seguranças, comodidades e prazeres, se não vou ver qualquer resultado importante”, a resposta é sempre a mesma: «Jesus Cristo triunfou sobre o pecado e a morte e possui todo o poder. Jesus Cristo vive verdadeiramente” (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 275) e, também a nós, nos quer vivos, fraternos e capazes de acolher e partilhar esta esperança. No contexto atual, há urgente necessidade de missionários de esperança que, ungidos pelo Senhor, sejam capazes de lembrar profeticamente que ninguém se salva sozinho.
Um convite a cada um de nós
O tema do Dia Mundial das Missões deste ano – “não podemos deixar de afirmar o que vimos e ouvimos” (At 4, 20) – é um convite dirigido a cada um de nós para cuidar e dar a conhecer aquilo que tem no coração. Esta missão é, e sempre foi, a identidade da Igreja: “ela existe para evangelizar” (São Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 14). No isolamento pessoal ou fechando-se em pequenos grupos, a nossa vida de fé esmorece, perde profecia e capacidade de encanto e gratidão; por sua própria dinâmica, exige uma abertura crescente, capaz de alcançar e abraçar a todos. Atraídos pelo Senhor e a vida nova que oferecia, os primeiros cristãos, em vez de cederem à tentação de se fechar numa elite, foram ao encontro dos povos para testemunhar o que viram e ouviram: o Reino de Deus está próximo. Fizeram-no com a generosidade, gratidão e nobreza próprias das pessoas que semeiam, sabendo que outros comerão o fruto da sua dedicação e sacrifício. Por isso apraz-me pensar que “mesmo os mais frágeis, limitados e feridos podem [ser missionários] à sua maneira, porque sempre devemos permitir que o bem seja comunicado, embora coexista com muitas fragilidades” (Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 239).
No Dia Mundial das Missões que se celebra anualmente no penúltimo domingo de outubro, recordamos com gratidão todas as pessoas, cujo testemunho de vida nos ajuda a renovar o nosso compromisso batismal de ser apóstolos generosos e jubilosos do Evangelho. Lembramos especialmente aqueles que foram capazes de partir, deixar terra e família para que o Evangelho pudesse atingir sem demora e sem medo aqueles ângulos de aldeias e cidades onde tantas vidas estão sedentas de bênção.
Maria, a primeira discípula missionária, faça crescer em todos os batizados o desejo de ser sal e luz nas nossas terras (cf. Mt 5, 13-14).
Discípulos missionários
Rezemos a fim de que todo batizado seja engajado na evangelização, disponível para a missão, através de um testemunho de vida que tenha o sabor do Evangelho.
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