“Elias está aqui!” (1Rs 18,8.11.14)!” “O que está fazendo aqui, Elias” (1Rs 19,9.13)? Gosto muito destas duas afirmações, feitas a Elias, na sua pequena história de vida e de sua grande missão. (1Rs 17-19). É como se elas tivessem sido ditas para mim.
Elias, o tesbita, homem de Deus (1Rs 17,17), parecido com Jesus (Mc 3, 8,28; Mt 16,14; 14,2), pai dos e das carmelitas, é famoso por seu ardente zelo por Deus, por seus anúncios de calamidades e de mudanças climáticas (seca e chuva), por seus levantes (levanta-te e vai) para defender a vida. Elias é famoso também pelas suas refeições (levanta-te e come) para recobrar forças e continuar vivo na caminhada (1Rs 17,17ss; 19,5-8). Viver é igualmente caminhar, comer e passar de um lugar a outro, para onde Deus indicar. Afinal, a vida é missão…!
No seu breve ciclo de vida, há uma verdadeira “história de uma alma”, como dirá, mais tarde, Santa Teresinha. Na sequela Christi, o ideal almejado é a configuração a Jesus Cristo. Na verdade, na história da salvação, muitos se parecem com Jesus. Jesus é o modelo do homem novo: verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, “trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano” (GS 22).
Elias é considerado um santo homem, mas possui alguns defeitos. Quem não os tem atire a primeira pedra: pedir para morrer (1Rs 4b); sentir-se sozinho (1Rs 19,10c) e se considerar o único fiel (1Rs 19,14). Elias, de fato, vivia inflamado de zelo por Deus. Era monoteísta de carteirinha. Sua defesa do Deus verdadeiro é impressionante. Ninguém pode duvidar da sua verdadeira intenção: ser fiel a Deus, reverenciá-lo, amá-lo e servi-lo. Mas por que fugiu? Medo? Fraqueza? Falta de fé e de confiança? Ou tudo junto e misturado?
Elias pode ser ou estar em cada de um de nós. Embora sejamos únicos, em muitos aspectos, somos iguais, como diz o ditado popular: “somos farinha do mesmo saco”. Todos nós temos, como Elias, as nossas fases de vida e de Deus: às vezes, uma; às vezes, mais de uma, concomitante, simultânea ou espaçadamente. Elias também, enquanto ser humano, teve as suas fases. Podemos perceber isto claramente quando ele fugiu para o deserto, chegou ao Horeb e se abrigou em uma gruta, fugindo da perseguição de Acab e de sua esposa, Jezabel. Sempre o Hereb como palco das grandes maravilhas de Deus. Como gruta é uma casa sem porta e sem janela, foi ali que Deus se encontrou e chamou Elias, nestas fases:
A primeira, é a fase do vendaval, do furacão, do vento impetuoso e forte, que sopra (1R 19,11b), feito redemoinho, onde quer e como quer, espalhando pedaços de nós, para todos os lados. Pela vida de cada um de nós corre e passa este tipo de vento existencial. Nesta fase, o nosso carvalho se torce e se contorce. Esta é a fase da infância e da adolescência espiritual, tal qual a menina doida ou o menino maluquinho? Pode ser. É quando o Senhor não está nesta fase da nossa vida.
A segunda, é a fase do terremoto (1Rs 19,11c). Cai tudo, rui tudo, desmonta tudo, desmorona tudo. Quem de nós já não passou por abalo sísmico, físico e espiritual, que derruba as estruturas que sustentam o nosso ser, o nosso viver e o nosso crer? Neste momento, perdemos o contato com a realidade. É quando o Senhor não está nesta fase da nossa vida.
A terceira, é a fase do fogaréu que queima e, diferentemente da sarça ardente, consome. Um fogo que assa, torra e queima. Todos nós, na vida e na missão passamos por fase assemelhada a esta. Chamo isto de ponto focal ou nodal. Elias teve este seu ponto focal. Moisés também teve o seu, na sarça ardente. Pedro também, na transfiguração. Jesus igualmente. Nós também. Esta fase é a fase da purificação. Mas também da queimação. É como a fase da água pura, ou seja, passada pelo fogo, ou como a do ouro no cadinho. São João da Cruz chama esta fase de “noite escura da purificação”. É quando o Senhor não está nesta fase da nossa vida.
E a quarta, é a fase da brisa suave e ligeira, do silêncio, da calmaria, da tranquilidade, da maturidade, da integração e da harmonia (1Rs 19,12c). Esta é a fase da experiência que Deus faz em nossa vida. Elias se encontra com Deus no fio desse silêncio obsequioso. Parecida com uma aposentadoria? Elias poderia estar arrasado, feito um cristal quebrado. Mas, não. Tudo na vida tem sentido e saída. A presença de Deus muda tudo. São fatais o vendaval, o terremoto e o fogaréu sem Deus. Nesta fase da vida de Elias o Senhor está. O verdadeiro Deus caminhando sinodalmente com este homem de Deus, dá no que dá. Deus está na beleza, na normalidade, na suavidade e na natureza das coisas.
Estes são os quatro sinais de Deus, de suas passagens pela vida de Elias e por nossa vida. Elias as experimentou, decodificou, verbalizou e profetizou. Cabe a nós decodificá-las em nós.
A pergunta que não pode calar e que pede uma resposta é: será que Deus onipotente, onisciente e onipresente não está no vendaval, no terremoto e no fogaréu? Sim, está. Está em tudo e em todos. Em Deus não é questão de estar, mas de ser. Deus não é vendaval, não é terremoto e nem fogaréu. Deus é brisa suave.
Um pouco de vendaval, de abalo sísmico e de fogaréu, certamente, não fará mal a ninguém. Ao contrário, poderá até fazer bem, como aconteceu com Elias. A configuração da terra, como a temos hoje, não é a mesma do dia da criação. Catástrofes físicas, mudanças climáticas e abalos sísmicos modificaram a sua face e a tornaram mais bonita, mais fértil e mais habitável. Fará bem também a nós verificarmos por quais dessas fases já passamos, estamos passando ou passaremos.
Elias, como nós, terá ainda um longo caminho a percorrer (1Rs 19,7c). Jesus, como ele, permitiu aos apóstolos experimentarem as ondas do mar agitado que soprava o contrário (Mt 14,22-23). Ele fez o mar se acalmar. E levou os medrosos apóstolos a experimentarem a suavidade da brisa marítima, com a presença de Jesus.
E, para finalizar, antes, que passem por nós as tormentas, a pergunta que Deus fez a Elias – “que fazes aqui, Elias”? (1Rs 19,9.13) – é a mesma pergunta que todos nós deveríamos ouvir de Deus e respondê-lo. O melhor e o mais belo desta pequena história de vida de Elias fica reservado para o seu final. Depois de passar por quatro estas fases de vida, Deus envia Elias, pelo deserto, a Damasco, para ungir reis e profetas, entre eles, Eliseu (1Rs 19,15-16).
Esta é a fonte de inspiração das fases da nossa vida, da nossa missão e do nosso ministério: ser ungidos para ungir!
Dom Pedro Brito Guimarães
Arcebispo de Palmas – TO
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