São Domingos Sávio
15/10/2012João Paulo II e o Rosário
16/10/2012“Recitar o Rosário todos os dias”
Uma reflexão do Cardeal José Saraiva Martins
Em 13 de Maio de 1982, João Paulo II peregrino em Fátima um ano após o atentado de que fora alvo na Praça de São Pedro, exprimia-se da seguinte forma a respeito da mensagem transmitida pela Virgem Maria a Jacinta, Francisco e Lúcia: “Se a Igreja acolheu a mensagem de Fátima, foi, sobretudo porque ela contém uma verdade e uma chamada que, no seu conteúdo fundamental, são a verdade e a chamada do próprio Evangelho”.
Estas palavras do Papa, que com tanto vigor e autoridade fez ressoar a mensagem dada pela Virgem Maria em Fátima, no alvorecer do século passado, também no começo deste século e do terceiro milênio cristão, podem ser também um convite a acolher aquela apologia do Rosário que, em Fátima, encontrou um centro propulsor para toda a Igreja e para o mundo.
Parece que podemos dizer que Fátima e o Rosário são quase um sinônimo, e de fato assim é.
Sabemos que as três crianças, depois do seu encontro com um Anjo do Senhor, seguiram fielmente as instruções que ele lhes tinha dado e intensificaram o seu recurso à oração de acordo com o que tinham recebido: adoração da Santíssima Trindade juntamente com a oferta do preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os Tabernáculos do mundo, em reparação das ofensas, dos sacrilégios e da indiferença com que é ofendido. O Anjo também lhes tinha dito para realizar esta oferta pelos méritos infinitos do Sagrado Coração e do Coração Imaculado de Maria, e para pedir com isso a conversão dos pobres pecadores.
Sabemos que a 13 de Maio de 1917, que era domingo, enquanto os três levavam o rebanho a pastar na Cova da Iria, foram surpreendidos pela aparição de “uma Senhora vestida de branco mais brilhante que o sol”, que lhes disse: ““ Não receeis. Não vos faço mal “. “De onde é você?”, disse Lúcia. “Sou do céu”. “E que quer de mim?”. “Venho pedir-vos para virdes aqui seis meses consecutivos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois dir-vos-ei quem sou e o que quero. Depois, voltarei aqui novamente pela sétima vez”. “E também eu vou para o Céu?”. “Sim, irás”. “E a Jacinta?”. “Também”. “E Francisco?”. “Sim. Mas deve recitar muitos Rosários…”. “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele vos quiser mandar, em reparação pelos pecadores que O ofendem, e de súplica pela conversão dos pecadores?”. “Sim, queremos”.
Então, num impulso íntimo que nos foi comunicado, ajoelharmo-nos e repetimos intimamente: “Santíssima Trindade, eu adoro-Vos. Meu Deus, meu Deus, eu amo-Vos no Santíssimo Sacramento”. Passados os primeiros momentos, Nossa Senhora acrescentou: “Recitai o Rosário todos os dias para obter a paz para o mundo e o fim da guerra”. Depois começou a elevar-se serenamente, subindo em direção ao oriente…” (em Memórias da Irmã Lúcia).
A resposta dada por aquelas pequenas crianças à recomendação que a “branca Senhora” lhes tinha feito foi uma sincera e freqüente recitação do Santo Rosário.
Que mudança em relação ao que eles faziam em tempos anteriores quando na simplicidade típica das crianças para terem mais tempo para brincar, mesmo recitando habitualmente algumas orações depois de uma pequena merenda, se contentavam apenas com dizer “Ave Maria” e “Pai Nosso”, omitindo o resto destas orações!”. Desta forma, eles chegavam num instante ao fim, e podiam recomeçar as suas brincadeiras.
No dia 13 de Junho, fiel ao encontro marcado com as crianças, a “branca Senhora” apresentou-se de novo e disse-lhes: “Quero que venhais aqui no dia 13 do próximo mês, que reciteis o Rosário todos os dias”. Quando Lúcia lhe pediu que os levasse todos para o Céu, a Senhora respondeu: “Sim; Jacinta e Francisco levo-os em breve, mas tu permaneces aqui algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para que me dês a conhecer e me faças amar. Quer estabelecer no mundo a devoção ao Meu Coração Imaculado. A quem a aceitar, prometo a salvação; e estas almas serão amadas por Deus como flores destinadas por mim para honrar o seu trono”. “Vou ficar aqui sozinha?” Perguntou entristecida. “Não, filha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te abandonarei. O meu Coração será o teu refúgio e o caminho que te guiará até Deus”.
Quando pronunciou estas últimas palavras, abriu as mãos e transmitiu-nos, pela segunda vez, o reflexo daquela luz imensa, na qual nos víamos como que imersos em Deus. Parecia que Francisco e Jacinta estavam naquela parte de luz que se elevava para o Céu, e eu naquela parte que se difundia na terra. Diante da palma da mão direita de Nossa Senhora, havia um coração coroado de espinhos que pareciam cravados. Compreendemos que era o Coração Imaculado de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que pedia a reparação” (das Memórias da Irmã Lúcia).
Em 13 de Julho Nossa Senhora apareceu às crianças, que desta vez não estavam sozinhas, mas rodeadas por 3 ou 4 mil pessoas, que acorreram com a curiosidade de ver o que acontecia: De fato, apesar do compromisso que as crianças tinham assumido entre si para não revelar nada a ninguém, a pequena Jacinta dissera alguma coisa em relação ao próximo encontro com a “branca Senhora” e a notícia difundira-se rapidamente nos arredores.
Foi durante aquela aparição que Nossa Senhora disse às três crianças: “Quero que venhais aqui no dia 13 do próximo mês, que continueis a recitar o Rosário todos os dias em honra de Nossa Senhora do Rosário, para obter a paz no mundo e o fim da guerra, porque só ela os poderá ajudar”.
“Decidimos então rezar o nosso Rosário”
Os três meninos não só aceitaram este pedido de Nossa Senhora, mas compreenderam que era com a oração assídua e com muitos sacrifícios que contribuiriam para a conversão dos pecadores, para a paz no mundo, então atormentado pelos horrores da Primeira Guerra Mundial, e para a mudança do que acontecia na Rússia ateia e comunista.
A recitação freqüente do Rosário tornou-se para eles uma necessidade interior que os estimulou a fazê-lo com fidelidade precisa, mesmo quando a situação se tornou para eles trágica e até cheia de apreensão e receio. Com efeito, estando naquela época Portugal dominado por governos maçônicos e abertamente anti-religiosos, o Administrador do Município de Vila Nova de Ourém (área na qual viviam as famílias das três crianças), decidiu pôr fim àquele movimento religioso que se tinha desenvolvido por causa deles. Na manhã de 13 de Agosto ele foi a Fátima e levou embora consigo os três pastorinhos para Vila Nova de Ourém. Ali aprisionou-os alternadamente na sua casa, ou na prisão municipal, ameaçando-os seriamente também de os matar tudo isto com a intenção de obter que eles lhe revelassem o segredo que Nossa Senhora lhes confiara. “Na prisão, os detidos deram aos Pastorinhos o seguinte conselho: “Dizei ao Presidente da Câmara esse segredo! Que vos importa se aquela Senhora não quer!” “Dizê-lo, não!”, respondeu Jacinta com vivacidade; “prefiro morrer!”.
“Decidimos então recitar o nosso Rosário. Jacinta mostra uma medalha, que trazia ao peito, e pede a um preso que a pendure num prego da parede e, de joelhos diante da medalha, começamos a rezar. Os presos rezaram conosco, como sabiam; pelo menos permaneceram ajoelhados”.
Quando Francisco se apercebeu que um dos presos estava ajoelhado com o boné na cabeça, aproximou-se dele e disse-lhe: “Você, se quer rezar, deve tirar o boné”. E o pobre homem deu-lho imediatamente e Francisco sentou-se sobre um banco.
São precisamente as crianças que guiam a recitação do Rosário
Do que até agora recordamos a propósito dos fato que aconteceram nos meses de Maio e Agosto de 1917 emerge um fato que deve ser realçado, que é o seguinte: tratava-se de três crianças, e foi a elas que Nossa Senhora se quis manifestar. Não há nada de estranho nisto, se considera que Nossa Senhora é a Mãe d’Aquele que, tendo-Se feito homem, tendo-Se tornado pequenino para viver entre nós, demonstrou abertamente o Seu amor pelas crianças e manifestou também claramente que apraz a Deus revelar-Se aos pequeninos: Jesus “estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque tudo isso foi do Teu agrado” (Lc 10, 21).
Merece uma especial atenção o fato de que são precisamente as crianças que guiam a recitação do Rosário.
Elas fizeram-no antes de mais ajudando-se mutuamente para cumprir o que Nossa Senhora lhes tinha pedido.
Elas cumpriram isso sem respeito humano e sem medo, mesmo quando se encontravam entre os encarcerados, e entre as pessoas de pouca reputação e educação.
Elas fizeram-no também na presença daquele numeroso grupo de pessoas curiosas que as tinham seguido com a intenção de verem, também eles, aquele algo de extraordinário que estava para acontecer.
Mas também em seguida, em todas as partes do mundo, foi com o convite que nos foi feito por aquelas crianças através da única que ainda vive, a Irmã Lúcia que no mundo inteiro muitas pessoas, muitas famílias se reúnem para recitar o Rosário, tendo presentes de modo especial às intenções que Nossa Senhora recomendou aos pastorinhos de Fátima.
Quem teve a sorte de ir a Fátima ficou sem dúvida surpreendido ao ver como milhares de fiéis, dos quais muitos peregrinos provenientes de todas as partes do mundo, se reúnem na basílica, e depois à volta dos túmulos de Francisco e de Jacinta, para rezar com fervor e fazendo deslizar entre os seus dedos as contas do Rosário. Depois, quem teve a graça de estar em Fátima por ocasião da Beatificação dos dois pastorinhos mais pequeninos, que o Santo Padre quis fazer em 13 de Maio de 2000, precisamente lá, onde a Virgem Maria se lhes manifestou, não pode esquecer o cenário comovedor da recitação noturna do Rosário na noite que antecedeu a função presidida pelo Pontífice.
Quem não ficou comovido ao ouvir a voz daquelas centenas de fiéis que pronunciavam juntos as palavras da Ave-Maria, uma dezena depois da outra? Quem é que não se sentiu envolvido naquela comovedora súplica quando, no final de cada dezena, via surgir, como que uma vaga, a luz das velas que os fiéis levantavam, enquanto o cântico bem conhecido “Ave, Ave” ressoava no silêncio da noite?
Mas, depois, quem pode ignorar todas as pessoas e famílias que, mesmo não estando em Fátima, espalhadas por todo o mundo, especialmente nos Países onde reina uma perseguição religiosa, se reúnem para recitar o Rosário e fazem-no porque também receberam o convite que os pastorinhos de Fátima fizeram a todas as pessoas de boa vontade?
Fátima e o Rosário são palavras inseparáveis
Fátima e o Rosário, as crianças de Fátima e Nossa Senhora são palavras profunda e inseparavelmente unidas entre si.
É assim que também hoje, sobretudo nos nossos dias, depois do premente apelo que nos foi dirigido pelo Santo Padre João Paulo II, fiel devoto da Virgem de Fátima, se reza com fervor, suplicando a Nossa Senhora que obtenha de Deus que a guerra seja esconjurada, que a paz reine e não seja perturbada pelo fragor das armas de destruição, pelos gritos de sofrimento de quantos estão para morrer, vítimas de um conflito inútil, e pelas lágrimas dos que choram os seus entes queridos, mortos por uma guerra insensata.
A este ponto, é necessário realçar outro elemento daquele binômio que associa os pastorinhos ao Rosário.
Foi precisamente na escuta do convite que lhes foi feito por Nossa Senhora e do que ela recomendava, que os pastorinhos de Fátima não só recitaram com grande fidelidade o Rosário, mas intensificaram o espírito de sacrifício oferecendo os seus sacrifícios e os notáveis sofrimentos físicos e morais segundo as intenções que a “branca Senhora” lhes tinha recomendado: adorar e amar o Coração de Jesus, presente na Eucaristia e tão ofendido pelos pecados da humanidade rezar e sacrificar-se pela conversão dos pecadores.
São precisamente as duas crianças de Fátima, beatificadas pelo atual Pontífice, que nos dão um maravilhoso exemplo da maneira como responder ao apelo de Nossa Senhora, e que o Papa João Paulo II renova em seu nome nos nossos dias. É suficiente recordar que, quando em Outubro de 1917 Francisco começara a freqüentar a escola elementar no edifício que se encontrava junto da escola paroquial, sabendo do que a “branca Senhora” tinha dito, que o seu fim havia de chegar depressa, costumava permanecer longamente em oração diante de “Jesus escondido”, como ele chamava Aquele que está presente no tabernáculo sob os véus eucarísticos.
Recitando o Rosário e refletindo sobre os “mistérios dolorosos”, ele compreendeu “com o coração” o que Jesus devia ter sofrido devido à traição de Judas e ao abandono em que se sentiu por parte dos seus discípulos. Francisco, para reparar as feridas infligidas ao coração de Jesus, dizia à prima mais velha, Lúcia: “Olha! Tu vai à escola. Eu fico aqui na Igreja, perto de Jesus escondido para lhe fazer companhia”. E o Senhor chamou-o muito cedo para si (Abril de 1919), depois de ter aceitado o seu amor reparador.
Pouco tempo depois, no Verão do mesmo ano, a pequena Jacinta, também ela atingida pela febre espanhola, aditada por uma pleurisia purulenta, sofria dores lancinantes e chorava porque já não tinha ao seu lado o irmão Francisco do qual gostava muito. Ao tomar conhecimento de que devia ser internada primeiro no hospital de Vila Nova de Ourém, e depois em Lisboa, disse à prima Lúcia: “Nossa Senhora quer que eu vá para dois hospitais, mas não para me curar, é para sofrer mais por amor ao Senhor e pelos pecadores”. E depois, quando estava no hospital, entre dores atrozes e com a coroa do Rosário entre as mãos murmurava: “Oh, Jesus, agora podes converter muitos pecadores, porque este sacrifício é muito grande”.
No dia 20 de Fevereiro, por volta das dez e meia da noite, faleceu tranqüilamente, com a coroa do Rosário nas mãos e, ainda mais, no coração.
Apraz-me concluir com a observação que Lúcia nos transmite no seu último livro “Os apelos da mensagem de Fátima”, quando diz: “Para ir para o céu, não é condição indispensável recitar muitos Rosários no sentido estreito da palavra, mas sim, rezar muito; naturalmente para aquelas pobres crianças recitar o rosário todos os dias era a forma de oração mais acessível, assim como é ainda hoje para a maior parte das pessoas, e não há dúvida de que dificilmente alguém se salva se não rezar”
(Irmã Lúcia, em Os apelos de Fátima, Libreria Editrice Vaticana, 2001, pág. 116-117).
Cardeal José Saraiva Martins, in L’Osservatore Romano, nº 13 (2003)