A quem recorrer na hora da angústia?
15/01/2020Especialização em Pedagogia Catequética dinamiza missão da Igreja no Brasil
17/01/2020“Mas sou livre.” Com essas palavras simples, mas profundas, Franz Jägerstätter resiste à tentação de comprometer a verdade prestando um juramento de lealdade a Adolf Hitler, a fim de salvar sua vida e poupar muito sofrimento à sua família.
Esse momento decisivo é apenas um dos muitos exemplos dos ricos temas bíblicos que permeiam o novo filme de Terrence Malick, A Hidden Life (Uma vida oculta).
A liberdade de que Jägerstätter fala não é, obviamente, a liberdade como a maioria de nós a entende hoje. Ela não significa a liberdade de escolher indiscriminadamente entre uma variedade de opções, nem mesmo a liberdade de viver sem restrições, mas sim a liberdade no sentido clássico e bíblico.
Essa é uma liberdade baseada na verdade (João 8, 32) e, como tal, é uma liberdade que pode suportar sofrimento, prisão e até morte, confiante em que aqueles que são perseguidos por causa da justiça herdarão o Reino dos Céus (Mt 5, 10).
O filme de Malick apresenta Jägerstätter – um austríaco da vida real di período da Segunda Guerra Mundial, beatificado pelo Papa Bento XVI em 2007 – através de imagens da deslumbrante Sankt Radegund, sua cidade natal na Áustria.
Nuvens onduladas flutuando sobre paisagens verdejantes e exuberantes sugerem um casamento entre o céu e a terra. É uma imagem à qual Malick retorna repetidamente ao longo do filme. No cerne da história, porém, está a pergunta: esta união entre céu e terra é simplesmente uma ilusão? Todo o filme enfrenta essa questão através da vida desse heroico camponês.
Juntamente com as imagens do céu e da terra, está o simbolismo da colheita, outro motivo recorrente ao longo do filme. Em um nível concreto, a colheita é simplesmente uma parte regular da agricultura. Mas em um nível mais profundo, a colheita simboliza o julgamento (Mt 3,12; 13, 36-43).
Em um ponto da história, Jägerstätter pergunta: “Este é o fim do mundo?” Embora não seja o fim do mundo como um todo, o mundo de Jägerstätter chega ao fim, cortado pela lâmina da guilhotina. Sua fidelidade até o fim, no entanto, mostra que, no julgamento, ele será contado entre o trigo.
O filme “Uma vida oculta” retrata sutilmente a fidelidade de Jägerstätter até o fim como o pleno florescimento de seu batismo. As imagens da água permeiam o filme, mas são destacadas em dois momentos particularmente importantes. Enquanto ele está sendo levado de trem para um dos locais de prisão, a câmera se move para uma foto de um rio. Cristo, é claro, recebeu o batismo no rio Jordão, e alguns Evangelhos ligam sutilmente seu batismo à sua crucificação.
O simbolismo do rio reaparece no dia do martírio de Jägerstätter, quando ele é transportado para o local de sua execução. É um símbolo apropriado para o que o austríaco está prestes a sofrer. Como São Paulo ensinou aos primeiros cristãos em Roma, por meio do batismo, os crentes morrem e ressuscitam com Cristo (Romanos 6, 3-11), e essa morte e ressurreição marcam o padrão da vida cristã. A glória vem somente através do sofrimento junto com Cristo (Romanos 8, 17).
Entre sua prisão e sua morte, em meio ao tratamento cada vez mais brutal que ele recebe, frequentemente vemos Jägerstätter olhando para o céu. Seu sofrimento não o impede de manter o olhar fixo no céu, e é esse olhar que fortalece sua determinação, mesmo em meio à tentação implacável.
Grande parte da segunda metade do filme é sombria, e isso é compreensível. No entanto, uma cena que descreve a noite anterior à morte de Jägerstätter sugere a vitória que ele está prestes a conquistar.
Vemos seu rosto no escuro, iluminado por uma única vela. Como o Evangelho de João afirma: a luz brilha nas trevas, e as trevas não a venceram (João 1, 5). No dia seguinte, o dia de sua execução, a tela é inundada pela luz do sol. A luz da ressurreição já brilha através da tragédia da morte corajosa deste homem.
Ao longo do filme, Malick usa a língua alemã com moderação, com grande efeito. No início, a linguagem soa severa nos lábios daqueles que perseguem Jägerstätter, seus colegas aldeões e a corte nazista que o julga por traição.
Mas enquanto ele se senta em um banco aguardando sua vez na guilhotina, nós o ouvimos rezar com uma voz serena: “Vater unser im Himmel…” A Oração do Senhor, na qual perguntamos: “Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa Vontade.” É a última passagem em alemão falada no filme.
A união do céu e da terra, tão frequentemente sugerida ao longo da história, torna-se realidade no próprio Franz Jägerstätter. A questão do filme não é, como sugeriu um crítico, que “Deus não responde às orações”. Pelo contrário, a questão é que, por seu ato livre, Jägerstätter imitou seu Senhor ao rezar (“Seja feita a Vossa Vontade”), e por esse ato de submissão humilde, sua liberdade chegou à perfeição.
Em sua carta final a sua esposa e filhos, Jägerstätter expressa a esperança de que um dia eles se encontrem novamente nas montanhas. Obviamente ele não quis dizer literalmente nas montanhas da Áustria, mas sim no lugar onde Deus habita (veja, por exemplo, Salmo 74, 2), ou seja, no lugar onde o céu e a terra se encontram.
Longe de ser uma ode à tristeza, este filme, tão impregnado de imagens e orações bíblicas quanto a própria vida de Jägerstätter, é uma história de esperança: a esperança em que um dia o céu transformarão completamente esta terra, corrigindo os erros de nossa vida.
Que o exemplo de Franz Jägerstätter nos inspire a uma vida de coragem e que sua intercessão obtenha para nós a graça de que precisamos para ser fiéis até o fim, assim como ele foi fiel até o fim.
Via Aleteia