Chegamos ao fim de mais um ano. Os últimos tempos têm exigido de nós um esforço quase sobre-humano. O mundo foi tomado pela pandemia; no Brasil e em alguns outros países, a situação de miséria, fome e desemprego assola a população. Muitos dos nossos queridos amigos, familiares e vizinhos nos deixaram e, em muitos casos, nem pudemos nos despedir como gostaríamos, ainda estamos atravessando o vale de lágrimas e a noite escura da dor. Mas, ao chegarmos aqui, podemos olhar para tudo isso e nos perguntarmos: há algo para agradecer?
Talvez, num primeiro momento, estejamos tomados pelo desengano e respondamos que não. Contudo, se olharmos com um pouco mais de calma e reverência para a nossa vida e história, vamos nos dar conta de que há muito que agradecer.
A gratidão é um dos sentimentos mais nobres da pessoa humana.
Conviver com alguém grato é ter a certeza de que jamais estaremos sozinhos, pois a vida partilhada, mesmo quando a distância, sempre terá gosto de proximidade e cuidado de um para com o outro, isso tudo por pura largueza de coração e agradecimento. Embora essa atitude de coração seja valoriza e até reconhecida como fundamental na vida, a realidade nos mostra que somente aqueles que dilatam o coração pela presença e ação do outro são capazes desse sentimento e, consequentemente, de um gesto de gratidão.
Recordemos a passagem na qual o evangelista Lucas relata a cura dos dez leprosos (cf. Lc 17, 11-19). A narrativa fala que Jesus, dirigindo-se à Galileia, ao entrar num povoado foi surpreendido pelo pedido de cura proferido por dez leprosos que estavam à beira do caminho. É válido recordar que, no tempo de Jesus, aqueles que tinham lepra eram considerados a escória da sociedade, impuros e deveriam estar longe de tudo e de todos, portanto, a cura significaria para eles a possibilidade de voltar a viver.
O Mestre de Nazaré, sempre voltado à promoção da vida humana, concede-lhes a cura, os dez ficaram curados. Contudo, o texto acena para uma coisa: apenas um deles voltou para agradecer àquele que lhe devolvera a vida. Não que Jesus necessitasse desse reconhecimento. A centralidade aqui está no fato de que só um deles se deixou curar além do corpo. Aquele homem reconheceu a presença do Reino em sua vida e a força de Jesus. O ato de gratidão dele é a confissão de que sua história fora transformada pelo Mestre de Nazaré.
Essa passagem tem muito a nos ensinar. Sigamos o exemplo daquele que, reconhecendo a ação salvífica de Cristo em sua vida, voltou para agradecer. Certamente, o homem poderia voltar e lamentar tudo que havia passado de dificuldades ou simplesmente correr até o sacerdote e pedir que lhe atestasse a cura, mas não o fez. Ele sabia que sua vida não voltaria a ser igual, pois fora atravessada pela presença de Cristo.
Bem sei que estamos feridos, machucados e que carregamos muitas dores e cicatrizes, mas peçamos ao Mestre, senhor da nossas vidas, que continue a passar por nossos caminhos. Quanto a nós, que estejamos sempre abertos a perceber essa passagem e com o coração generoso para agradecer. A gratidão é o jardim da alma. Floresçamos por onde passarmos.
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