Os descompassos da última década, particularmente os do ano passado, cantam um refrão de que é preciso aprender novas lições e fazer diferente. As mudanças não significam apenas substituir nomes, siglas, programas ou até mesmo prioridades. Essas ações já são práticas comuns, com resultados pouco relevantes, diante das necessidades e das oportunidades para saltos mais qualitativos no conjunto de uma sociedade que vai perdendo chances importantes. É hora de retomar o horizonte desenhado pela filosofia da cultura, disciplina não tão antiga que muito agregou a filosofias de muitos tipos e matizes.
Simples e de grande incidência na sociedade é a consideração da cultura como o desenvolvimento e o exercício de capacidades humanas – segundo determinados parâmetros e normas – que produzem mudanças e inauguram novos ciclos. Etapas novas que são respostas às crises vividas, geram possibilidades e superam a esterilidade própria da repetição, da simples constatação e lamentação – condutas comuns a quem não conhece “a saída” e não tem força para protagonizar as ações transformadoras necessárias.
No âmbito formal de uma filosofia da cultura, vale considerar, de maneira prática e direta, os contextos sociopolíticos, religiosos e culturais dos substratos que podem dar, ou não, consistência à cultura – motor ou estabilizador das competências humanas indispensáveis. É extremamente importante não reduzir a busca pelas soluções para as crises ao jogo político-partidário ou às dinâmicas legislativas. Obviamente que esses âmbitos têm sua importância. Contudo, não bastam apenas leis ou um convênio celebrado entre instituições para se alcançar melhorias significativas. Também não são suficientes apenas os juízos de valor a respeito das siglas partidárias. Há algo maior que precisa ser buscado: o investimento na ordem da cultura.
Vale lembrar o filósofo Ortega y Gasset, que compreende a cultura como “um movimento de natação, um bracejar do homem no mar sem fundo de sua existência com a finalidade de não afundar”. Isso significa dizer que a cultura permite ao “nadador” permanecer “à tona” e, consequentemente, recriar valores. Compreende-se, assim, a cultura no seu parâmetro de grande amplitude: tudo o que o homem faz e que passa a integrar um sistema cultural, transmitido entre gerações e, ao mesmo tempo, capaz de se renovar. Há de se concluir que não se pode reduzir o conjunto dos funcionamentos a estruturas rígidas. É preciso investir nas dinâmicas culturais alimentadas por valores e princípios capazes de ampliar as competências humanas. Desse modo, será possível encontrar novos caminhos.
Importa considerar o conjunto de cada cultura, suas operações e procedimentos, em vista da confecção de um tecido que dê suporte a novas práticas, favoreça adequada interpretação de valores, crie autêntica consciência sociopolítica. Essa é a direção a ser seguida para alcançar a configuração com força para subsidiar um passo decisivo no coração de uma sociedade. Esse horizonte conceitual refletido indica caminhos que precisam ser trilhados como investimento cultural. Sem desconsiderar o olhar e o acompanhamento dos funcionamentos institucionais, é necessário investir, sobre o alicerce de valores e forças existentes, numa cultura cujo tecido reconfigure o jeito de exercer as competências humanas. Trata-se de prioridade, que permite construir contextos propícios para o surgimento de líderes com lucidez e capacidade para o diálogo.
Essas competências são necessárias para os exercícios governamentais e cidadãos, alicerçados no compromisso comunitário e em qualificado sentido social. O diálogo, incontestavelmente, é a dinâmica que mais pode garantir a esperada melhoria do substrato cultural, base para configurar práticas e hábitos coletivos que promovam a justiça e priorizem o bem comum. O diálogo, para além de conchavos, da promoção de consensos interesseiros e partidários, é condição fundamental para fazer da cultura um verdadeiro instrumento de transformação.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte
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