“Pensando o Brasil: desafios diante das eleições 2014”. Este é o título da nota emitida pelos bispos do Brasil para o processo eleitoral deste ano. Até o momento, a mensagem não recebeu destaque na imprensa. No entanto, o conteúdo da mesma oferece orientações e indicações para o necessário discernimento neste momento importante de nossa vida nacional.
A nota quer recordar que é responsabilidade de todo cidadão participar conscientemente da escolha de seus representantes. O envolvimento e a participação consciente neste processo de escolha de homens e mulheres para os cargos eletivos é o caminho para o autêntico serviço de cidadania, expressão privilegiada de civilidade e de envolvimento direto na tarefa de construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
No Brasil, há um certo ar de desencanto com a atividade política. Isso preocupa. A coisa pública não pode servir de “balcão” de negócios ou para interesses particulares. Os níveis de corrupção no Brasil têm o “privilégio” de estarem entre os mais altos do mundo. Os bens da coletividade, fruto da colaboração dos que realmente trabalham e anseiam pela construção de um país onde a renda seja honestamente distribuída, não podem ser barganhados como se fossem particulares. Por isso, os cidadãos que possuem pendências com a Justiça não podem ter a pretensão de ser representantes do povo, não têm o direito de serem alçados aos altos postos da república. A atividade política é uma das mais altas expressões do ser humano, enquanto destinado a viver em comunidade. Pressupõe o envolvimento direto de pessoas distintas e verdadeiramente orientadas pelo bem da coletividade. A atividade política não pode estar orientada por conchavos e negociações espúrias.
Há o desejo de que as políticas públicas estejam realmente comprometidas com os interesses da população. Não basta somente o voto. Sente-se a urgência de um acompanhamento sério da atividade política. Os eleitores devem cultivar a atitude de fiscalização e vigilância em relação aos mesmos. Urge o cultivo do diálogo entre candidatos e votantes, eleitos e eleitores; diálogo capaz de encontrar indicações para a consolidação de uma cidadania inclusiva, a fim de que todos possam verdadeiramente participar e exercer democraticamente o poder político. O poder político não é algo próprio de uma “casta”; é algo que pertence ao povo.
A ética deve pautar a ação política. A preocupação primeira dos que assumem cargos públicos deve ser a defesa, conservação e promoção da vida. Por isso, o eleitor consciente deve conhecer o passado de seu candidato e averiguar se o discurso e a prática por ele apresentados se conformam aos valores da ética e do bem comum. Trata-se de um grande desafio, pois não estamos habituados a acompanhar de perto a atividade da classe política. Embora haja setores, grupos que promovam a ideia de que a atividade política seja coisa suja, indigna, própria de alguns poucos “privilegiados”, não se pode permanecer em silêncio diante de irregularidades de qualquer ordem. O silêncio e a omissão também são responsáveis pela deterioração da democracia!
Para os cristãos, a atividade política está orientada pela fé e pelo amor cristão. Afinal, já disse o Papa Francisco: “Ninguém pode exigir que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocuparmos com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciarmos sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos. Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a Terra um pouco melhor depois de nossa passagem por ela”.
Por Dom Jaime Spengler – Arcebispo de Porto Alegre (RS)
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