A parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18,9-17) é a última no Evangelho de Lucas. Juntamente com a parábola anterior, da viúva e do juiz (cf. Lc 18,1-8), forma uma pequena unidade, cujo objetivo é orientar o cristão sobre como deve ser sua atitude orante diante de Deus e a relação com o próximo. “A parábola aborda dois antagônicos estados de alma, em duas pessoas diferentemente religiosas. Fala de modos distintos de se colocar diante de Deus. Denuncia o gravíssimo problema de uma religião sem Deus. Não é questão apenas de vaidade e de humildade, mas de autoconfiança ante o Senhor e de abandono em Deus¹.”
Por conhecer as leis e fixar-se em sua prática, os fariseus sentiam-se justificados e puros, melhores do que os outros. Capazes de julgar e mesmo desprezar os demais.
Nos evangelhos, o fariseu é aquele que fala de uma maneira e age de outra, ou seja, um hipócrita.
A parábola tem início com a frase “Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros” (v. 1). Lucas se refere ao tempo de Jesus e ao tempo no qual os membros mais antigos das comunidades desprezavam as pessoas provenientes do paganismo (cf. At 15,1-5). Dois homens sobem ao templo para seu momento de oração, um fariseu e um publicano. Nesse contexto era manifesto o desprezo aos publicanos, pois eram considerados impuros e, por isso, não dignos de se dirigirem a Deus. Na oração, o fariseu agradece a Deus por ser melhor que os outros. Em verdade, sua oração é voltada a si mesmo com o autoelogio, destacando suas boas qualidades. Engana-se. O publicano, ao contrário, nem mesmo se atreve a erguer os olhos, mas bate no peito dizendo “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador” (v. 13). Surpreende a conclusão: este último volta para casa reconciliado com Deus, enquanto o fariseu não, “Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (v. 14). É uma reviravolta na maneira de pensar de todos e de cada um dos seguidores e seguidoras de Jesus
O fariseu, em sua falácia, ressalta seus próprios méritos. É como se Deus se tornasse devedor e ele, alguém que tem direitos a exigir. Não necessita de perdão, uma vez que nem se dá conta dos próprios erros e pecados. O publicano, cobrador de impostos, por sua vez, reconhece-se pecador. Súplica ao Senhor misericórdia. Ele reconhece em Deus a fonte do amor e perdão.
A parábola coloca em evidência os extremos da sociedade judaica, do relacionamento humano, religioso: de um lado, o fariseu, que se julga justo e perfeito; do outro, o cobrador de impostos que, por trabalhar para o opressor Império Romano, é marginalizado, excluído. É uma grande e grave contradição. Os que se dizem praticantes deveriam ser, então, muito bons de coração.
É um apelo à mudança de coração dirigido àqueles que se julgam “justos” e se elevam acima dos considerados impuros, os que parecem estar “fora da lei” (cf. Lc 15,7; 16,15). Estes, em verdade, são vistos com compaixão por Deus (v. 14).
O farisaísmo é apresentado como uma tentação permanente para os seguidores de Jesus. É uma possibilidade perigosa para aqueles que pertencem à Igreja. Requer-se constante e verdadeira atitude de humildade para abrir-se à graça de Deus (v. 13).
A VIDA DE ORAÇÃO DE JESUS
Lucas é o evangelista que apresenta Jesus em constante oração. A oração está intimamente ligada ao dia a dia de sua vida e missão. Ele buscou a solidão para ouvir o Pai e ser fiel à sua vontade (cf. Lc 3,21; 4,1-2.16; 5,16; 6,12; 9,16.18.28; 10,21; 22,7.14.32.40-46; 23,34.46; 24,30). Como todo judeu fiel, rezou os Salmos que conhecia de cor. Jesus ensinou aos discípulos sua própria oração, o Pai-Nosso.
Diferente do farisaísmo, Jesus sentia compaixão pelas pessoas, em especial pelos considerados impuros e indignos, revelando que Deus estava com eles. Isso gerou raiva e oposição dos fariseus e de demais autoridades religiosas.
Toda a sua vida e ação libertadora foi de uma oração permanente por todos. Jesus rezou e insistiu que todos fizessem o mesmo, porque é examinando-se diante de Deus, colocando-se na presença de Deus em oração que a verdade aparece, que a pessoa se encontra em toda a sua realidade e humildade.
Por fim, diante do ensino e chamado que a Palavra faz, podemos nos perguntar: que atitudes “farisaicas” constatamos ainda hoje? Temos algo a ver com isso?
¹ ODORÍSSIO, Mauro. Evangelho de Lucas. Texto e comentário, leitura facilitada. São Paulo: Editora Ave-Maria, 1998, p. 194.
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