Vicente tinha 19 anos quando, recém-ordenado, soube que uma viúva, admiradora de suas pregações, tinha morrido e deixado para ele sua herança: uma pequena propriedade em Marselha, cidade portuária no sul da França, e certa quantia em dinheiro. Quando voltava para casa, próximo a Narbonne, seu navio foi atacado por piratas e Vicente, feito prisioneiro. Em terra firme, o jovem sacerdote foi vendido como escravo em Túnis, a capital da Tunísia, para um pescador. De senhor em senhor, terminou nas terras de um rico fazendeiro. O que seu novo dono não podia imaginar é que, em pouco tempo, seria convertido pelo escravo que acabara de comprar. Contando assim, até parece folhetim do romancista francês Alexandre Dumas (1802-1870), mas se trata da história de São Vicente de Paulo, “o padre mais santo do século”, segundo São Francisco de Sales (1567-1622), e “o gênio da caridade”, nas palavras de São João Paulo II (1920-2005). “São Vicente é considerado o ‘pai dos pobres’. Dizia que os pobres são nossos mestres e senhores. Mestres porque nos ensinam a sobreviver e senhores porque vivemos para servi-los”, afirma Cristian Reis da Luz, presidente da Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP).
Vicente de Paulo veio ao mundo no dia 24 de abril de 1581, no povoado de Pouy, no sul da França. Filho de um casal de camponeses, João e Bertranda, foi batizado no mesmo dia em que nasceu. Quando criança, o pequeno Vicente ajudava o pai a pastorear o rebanho. Na adolescência, iniciou seus estudos, pagos por um benfeitor, na cidade de Dax. Já adulto, cursou Teologia na Universidade de Toulouse. Ordenado padre no dia 23 de setembro de 1600, fundou duas comunidades religiosas: a Congregação da Missão, em 17 de abril de 1625, para padres seculares e leigos consagrados, e as Filhas da Caridade, em 29 de novembro de 1633, para religiosas. Uma curiosidade: os padres da Congregação da Missão são conhecidos como “lazaristas” porque sua primeira sede foi o Convento de São Lázaro. São, ao todo, 3,5 mil membros, presentes em paróquias, colégios e seminários.
No caso das Filhas da Caridade, São Vicente contou com a inestimável ajuda de Santa Luísa de Marillac (1591-1660). Os dois se conheceram em 1626 quando, por indicação do Bispo de Belley, Vicente tornou-se o orientador espiritual de Luísa. Juntos, fundaram a primeira congregação feminina a ter vida apostólica. Até então, as irmãs viviam em conventos, enclausuradas. “Santa Luísa de Marillac era uma mulher à frente do seu tempo”, define a Irmã Neriuza Franco, da Província de Curitiba.
“Tinha o olhar e o coração voltados para Deus, mas os pés e as mãos firmes no serviço aos pobres”. A primeira “filha da caridade” foi a jovem camponesa Margarida Naseau (1594-1633). Na Paróquia de São Nicolau du Chardonet, em Paris, Margarida atendeu uma mulher, vítima da peste, e a recolheu em sua cama. Sem saber, contraiu a doença. Embora não tenha pertencido às Filhas da Caridade – morreu no dia 24 de fevereiro e a congregação só foi fundada em 29 de novembro – foi considerada pelo próprio São Vicente como sua primeira religiosa. Hoje, são mais de 21 mil, em 91 países, que prestam serviços em colégios, asilos e hospitais. No Brasil, estão em seis províncias: Curitiba, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza e Amazônia.
Além de fundar duas comunidades religiosas, São Vicente inspirou o advogado italiano Antônio Frederico Ozanam (1813-1853) a criar, em 23 de abril de 1833, a Sociedade de São Vicente de Paulo, para leigos. A princípio, a organização, batizada de Conferência da Caridade, era formada por seis estudantes universitários, com idades entre 19 e 23 anos. Hoje, são 800 mil voluntários, de todas as idades, espalhados por 150 países. Só no Brasil, onde a Sociedade de São Vicente de Paulo foi fundada em 1872, são 153 mil vicentinos, conhecidos como confrades (homens) e consócias (mulheres), que atendem 74 mil famílias, com roupas, alimentos, remédios, brinquedos e doações em dinheiro. No dia 23 de junho de 1841, Frederico se casou com Amélia Soulacroix, com quem teve uma filha, Maria. Foi beatificado em 22 de agosto de 1997 pelo Papa João Paulo II. Durante a solenidade de beatificação, na Catedral de Notre Dame, em Paris, França, o Santo Padre declarou: “Frederico Ozanam é, verdadeiramente, um santo laico do nosso tempo!”.
O Padre Eli Chaves dos Santos, da Província Brasileira da Congregação da Missão (PBCM), destaca duas passagens na vida e obra de São Vicente de Paulo. Na primeira delas, em 25 de janeiro de 1617, São Vicente, então com 35 anos, fez uma pregação na pequena cidade de Folleville sobre a importância da conversão, que ficou conhecida como o Sermão da Missão. Nela, exortou a comunidade a buscar a reconciliação com Cristo por meio do Sacramento da Confissão.
O número de fiéis que, tocados pela graça de Deus, fizeram fila para se confessar foi tão grande que Vicente não deu conta de confessá-los sozinho. Teve que pedir ajuda a padres de outras cidades. Estava plantada a semente que, oito anos depois, daria frutos: a Congregação da Missão. “A missão da Igreja é evangelizar, sobretudo os pobres, os membros mais preciosos do corpo de Cristo. Mas evangelizar é saber conjugar pregação espiritual com serviço material. São duas dimensões de uma mesma ação missionária que busca a salvação da pessoa toda e de todas as pessoas”, ensina Padre Eli.
Na segunda passagem, em dia 20 de agosto de 1617, o então pároco de Châtillon-les-Dombes, hoje Châtillon-sur-Chalarrone, preparava-se para rezar uma Missa quando, ainda na sacristia, foi avisado de que uma das famílias estava doente e passando fome. Do alto do púlpito, Vicente convocou a comunidade a cuidar mais uns dos outros e citou o caso dos paroquianos que não puderam ir à Missa porque estavam de cama. “Correr ao encontro das necessidades do próximo”, costumava repetir, “como se fosse apagar um incêndio”. Mais uma vez, suas palavras tocaram o coração das pessoas, principalmente das mulheres, que se mobilizaram para levar mantimentos para a família. Foram tantas as doações que Vicente decidiu reparti-las com outras famílias carentes. Nascia ali a confraria das Damas da Caridade, formada por mulheres que dispunham de seu tempo e dinheiro para ajudar os mais pobres entre os pobres. Quatro séculos depois, a Associação Internacional de Caridade (AIC) conta hoje com mais de 250 mil voluntários. “São Vicente não foi um filantropo ou um ativista. Foi, antes de tudo, um místico”, define Padre Vinícius Augusto Ribeiro Teixeira. “Sem ação, a contemplação pode evaporar-se em abstração etérea ou fuga ilusória. Sem contemplação, a ação corre o risco de resvalar para ativismo compulsivo ou moralismo sem alma”, acrescenta.
Vicente morreu no dia 27 de setembro de 1660, aos 79 anos, em Paris. Ao contrário de outros santos, como Agostinho (354-430), Tomás de Aquino (1225-1274) e Teresa de Lisieux (1873-1897), não deixou nenhuma obra escrita. Em compensação, estima-se que tenha escrito em torno de 30 mil cartas. Dessas, quatrocentas foram endereçadas a Luísa de Marillac. “Não sei quem é mais carente: o pobre que pede pão ou o rico que pede amor”, escreveu em uma delas. “Nunca se reza demais: quanto mais rezamos, mais queremos rezar”, redigiu em outra. “Na época em que viveram, as comunicações eram muito precárias. Mesmo assim, Vicente e Luísa souberam, por meio de uma assídua correspondência, manter-se unidos em um torno de um único ideal”, afirma a Irmã Neriuza Franco.
Os restos mortais de São Vicente se encontram na Capela da Casa da Congregação da Missão, em Paris, e o coração está exposto em um relicário na Capela Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, também na capital francesa. Foi beatificado no dia 13 de agosto de 1729 pelo Papa Bento XIII e canonizado em 16 de junho de 1737 pelo Papa Clemente XII. Em 12 de maio de 1885, São Vicente de Paulo foi declarado patrono de todas as obras de caridade da Igreja Católica pelo Papa Leão XIII. “A semente germinou e cresceu sem que São Vicente pudesse calcular e prever a abundância de seus frutos”, afirma o Padre Vinícius Augusto Ribeiro Teixeira, “e tornou-se uma árvore frondosa, capaz de oferecer alívio e frescor a quantos se abrigam à sua sombra”.
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