Os olhares sobre a realidade brasileira, que é complexa e plural, devem ser muitos e com grande acuidade. Uma visão estreita é incapaz de perceber as muitas necessidades, de enxergar os caminhos que devem ser seguidos para sair das crises deste tempo. Os olhares têm que avançar para além do território das opiniões ou das listas de lamentações. Também não podem focalizar apenas as atribuições e responsabilidades dos outros, como tática para eximir-se das próprias tarefas. A visão míope de um segmento pode significar atrasos em processos e graves prejuízos, com consequências irreversíveis.
Analisar a realidade é exercício que requer conhecimento e adequada interpretação para configurar a indispensável corresponsabilidade de todos os cidadãos na construção de uma sociedade solidária, alicerçada na cultura da justiça, da paz e do respeito incondicional à dignidade de toda pessoa.
Assim, todos estão desafiados a reavaliar seus conceitos e colaborar com as transformações urgentes e com ações mais eficazes. Sem essa premissa, há o risco de se supervalorizar a própria atuação, achar que já se faz muito, que os trabalhos atendem às expectativas. Afinal, não seria pela prevalência dessa ilusão que a política na realidade brasileira, particularmente a partidária, convive com a incapacidade para apontar novos rumos e promover o diálogo entre cidadãos?
Há uma miopia crônica generalizada, salvaguardadas as exceções. Isso se comprova na incompetência de grupos diversos para debelar processos que alimentam a corrupção, a indiferença em relação aos mais pobres. Também é sinal da falta de visão, nos setores público e privado, a timidez para investir em projetos capazes de promover novas dinâmicas que contribuam para se alcançar uma sociedade mais igualitária.
Não basta apenas planejar bem o próprio negócio. Há um modo necessário de se olhar a realidade, por meio de valores inegociáveis, de princípios, de sensibilidade política e cultural, que audaciosamente remete cada cidadão à direção do bem comum. A partir dessa visão, as ações fundamentam-se no amor, e não se reduzem às estratégias de pequenos grupos que reforçam a segregação econômica, social, política, cultural e até mesmo religiosa.
Assim, os dias da Quaresma oferecem oportunidade importante: a vivência da Campanha da Fraternidade deste ano. Trata-se de exercício ecumênico que nasce da fé cristã, nas diferentes confissões religiosas, para articular experiências e, dessa forma, contribuir com o contexto socioeconômico, político e cultural. Quem crê em Cristo não pode apenas usufruir das consolações espirituais, ou se restringir a arrumar os próprios ambientes, projetos e templos. É compromisso que nasce da fé contribuir mais decisivamente na transformação da realidade.
Por isso, os cristãos no Brasil devem, a partir da Campanha da Fraternidade 2016, configurar uma experiência ecumênica capaz de transformar a realidade. O que se objetiva não é a organização de bancadas no parlamento, nas assembleias, na simples defesa de interesses corporativos, pessoais, com fechamentos e dogmatismos que desconsideram o diálogo indispensável em uma sociedade plural. Busca-se agir a partir da misericórdia, que não negocia jamais a ética e a moralidade, e também não passa o trator em cima de ninguém em nome de Deus.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, na promoção da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema “Casa Comum, nossa responsabilidade”, empenham-se na tarefa de fazer ecoar o apelo que pede união entre os cristãos, para além de suas diferenças, em torno da defesa e promoção da vida. O saneamento básico, no horizonte de uma alicerçada ecologia integral, é a bandeira que se quer erguer, inspirando outros segmentos da sociedade. Com os cristãos de mãos unidas, a realidade brasileira pode mudar. Nessa direção, as confissões religiosas estão desafiadas a contribuir para que a fé ilumine e inspire os olhares sobre o Brasil.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte
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