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Evágrio Pôntico nasceu na metade do século IV (cerca de 345), é considerado uma das figuras mais importantes da espiritualidade. Levou uma vida “mundana” mesmo depois de receber o diaconato de Gregorio Nazianzeno. Depois de uma doença grave que o introduziu em uma crise existencial, ele se comprometeu com a opção radical pela vida anacorética, chegando aos ascetas do Egito, onde transportou a espiritualidade dos Padres Capadócios.
Reconhecido por classificar pela primeira vez os pecados capitais, Evágrio Pôntico é também uma referência quando se trata da oração. Seu pensamento certamente influenciou todos os autores espirituais que se dedicaram a este tema. Seu tratado sobre a oração[1] é apresentado em cento e cinquenta e três “capítulos”, pequenos ensaios de vida espiritual, mas, densos e cheios de significados, a começar pelo número que representa os cento e cinquenta e três peixes que os discípulos, após uma longa noite de trabalho inútil, conseguiram pescar porque antes de lançar a rede ouviram a voz do Senhor (Jo 21,11).
É normal no caminho da fé perguntar-se o que é a oração, como orar, como saber se estamos no caminho certo. Santa Teresa de Jesus, por exemplo, dedica boa parte da sua obra à instrução de seus filhos no caminho da oração.
Para Evágrio, a oração tem duas naturezas: dom e tarefa. Dom porque è iniciativa de Deus “Se queres orar, precisas de Deus que dá a oração a quem ora” (59). Tarefa porque quem quer chegar à verdadeira oração deve perseverar e lutar contra todas as formas de distração, que são armadilhas do inimigo para afastar as almas de Deus.
Evágrio Pôntico considera a natureza tríplice da pessoa que, em todas as esferas, deve superar os limites que podem impedir a verdadeira contemplação de Deus:
Corpo: A oração interior requer a superação das necessidades do corpo, alcançando uma tranquilidade (esichia) que não perturba o caminho da alma em direção a Deus.
Psiquê: a questão dos sentimentos é muito forte na doutrina evagriana, é preciso purificar-se das paixões, controlar todo desejo apaixonado que não deixa quem ora livre para amar a Deus. Como Moisés tirou as sandálias para se aproximar da sarça ardente, a pessoa que ora deve libertar-se de todo pensamento apaixonado (empathes).
Mente: para Evágrio, a faculdade humana suprema é o intelecto, o espírito humano que atinge “a plenitude de suas funções” na oração pura. “A oração é a ascensão do intelecto a Deus”, para alcançá-lo, é preciso atingir um grau de atenção ao momento presente, disciplinar a memória, libertar-se de pensamentos e preocupações sobre o passado ou o futuro. “A oração, de fato, só deriva da atenção, e é isso que deve ser tratado” (149). É preciso exercitar o intelecto para permanecer surdo e mudo (11) esvaziar-se para acolher a presença divina.
Este esvaziamento é conhecido na espiritualidade cristã como “vacare Deo”, uma característica muito presente no estilo de vida carmelita. Esvaziar-se para dar espaço a Deus que “vive onde pode entrar”. Em um lugar cheio de coisas acumuladas não há espaço para receber alguém e nem mesmo para uma transformação.
O autor começa seu tratado sobre a oração com o exemplo de Jacó e das duas irmãs Lia e Raquel (Gn. 29,16-30). Para chegar ao objeto de desejo, ou seja, sua amada Raquel, Jacó deve primeiro se casar com Lia que representa a prática das virtudes. De fato, no primeiro capítulo ele enfatiza que a alma que caminha para Deus precisa das virtudes, como a fumaça do incenso que sobe ao céu (alma) e os diferentes aromas do incenso (virtude) que devem ser misturados para dar um bom perfume. A oração é um caminho que exige paciência, determinação, prática das virtudes. Se formos perseverantes, chegaremos a um estado de oração perfeita, união íntima com Deus, onde toda a nossa vida será oração.
Alguns conselhos de Evágrio Pôntico para uma boa oração :
Quem quiser orar verdadeiramente deve: negar-se a si mesmo e a todo tipo de tribulação (18); reconciliar-se com os irmãos (21,103, 104, 128, 147); não acumular memórias de ofensas (22); não rezar apenas com gestos externos (28); aceitar a vontade de Deus (31); perseverar (34, 87, 88); purificar-se das paixões (apàtheia) (38, 141); livrar-se da ignorância (gnosi) (38, 142, ); colocar de lado os pensamentos (71); resistir aos ataques de demônios (91, 93,94,97, 138, 139); abandonar as necessidades do corpo (105); não tentar circunscrever o divino em figura ou forma (114, 116); vigiar (49,53, 136); ter atenção (149).
Quando sabemos, se oramos de forma correta?
“Quando em tua oração tiveres conseguido ultrapassar qualquer outra alegria, é que finalmente, em toda verdade, terás encontrado a oração” (153).
A quietude e a contemplação de Deus:
Para Evágrio, quem quer ter uma vida de oração deve fazer como monge, dedicando-se ao exercício das virtudes, chegando a uma oração contínua e incessante. Este é o princípio do hesicasmo, que busca a paz interior e a união com Deus a partir da oração constante e separação do mundo e distrações (uma disciplina codificada no século IV como “oração do coração” ou “oração de Jesus”).
Concluindo, gostaria de reforçar a ideia de Evágrio Pôntico sobre a necessidade de alcançar a apatheia, que é a libertação das paixões. Com isso ele quer dizer a libertação de tudo o que nos impede de caminhar em direção a Deus, como recordará São João da Cruz:
“A alma enamorada das grandezas e dignidades ou muito ciosa da liberdade de seus apetites está diante de Deus como escrava e prisioneira… não poderá, portanto, chegar à verdadeira liberdade de espírito que se alcança na união divina; porque sendo a escravidão incompatível com a liberdade, não pode esta permanecer num coração de escravo, sujeito a seus próprios caprichos; mas somente no que é livre, isto è, num coração de filho” (Subida do Monte Carmelo IV, 6).
(Alguns termos importantes: Prática: a conduta do monge, agindo; Gnose: conhecimento; Theòria: visão contemplativa de Deus; Esechìa: quietude meditativa; Apatheia – domínio das paixões; Loghismòi – pensamentos negativos; Intelecto: núcleo essencial, o homem interior).
[1] PONTICO, E., Sulla preghiera. Prefazione di Antonio Gentili, Edizioni Appunti di Viaggio, Roma 2014.
Por: Frei Juliano Luiz da Silva, O.Carm.
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