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Mais que em obesidade falamos em “obesidades”, querendo com isso dizer que não há causa única para ela. Diversas causas atuam diferentemente para pessoas diferentes, muitas vezes independentemente uma das outras, produzindo o mesmo efeito: aumento do tecido gorduroso. É uma doença crônica e, por enquanto, não tem cura, só tratamento.
Idealmente, os tratamentos devem ser multidisciplinares e personalizados, atendendo às necessidades de cada paciente.
Em muitos casos, o acompanhamento psicológico seria fundamental. No entanto, é o mais negligenciado e o menos compreendido, inclusive por especialistas. Talvez por ser o menos tangível e o mais recente. Desde Hipócrates fala-se em restrição alimentar e atividade física, porém, só na segunda metade do século XX, no pós-guerra, cogitou-se da presença de fatores emocionais no desencadeamento do quadro.
O objetivo da psicologia seria tratar os fatores que bloqueiam o trabalho nutricional. Muitas vezes o aumento da gordura é o sintoma principal e evidente da obesidade, mas não é toda a obesidade. A obesidade pode ser uma forma inadequada de expressar as emoções e o comportamento alimentar inadequado, um sintoma manifesto de conflitos subjacentes, conscientes ou não, que, se não tratados, põem por terra o processo como um todo. Muitas pessoas têm um ganho secundário mantendo-se gordas e isso deve ser trabalhado. Nem a medicina nem a nutrição abordam esses problemas.
Dentro desse contexto, quem precisa de psicologia para emagrecer? Todas as pessoas? Claro que não! Porém, aquelas que apresentam longo histórico de dietas, emagrecendo e voltando a engordar sucessivas vezes, as que comem por ansiedade, estresse, depressão, por dificuldades sociais, sexuais, tenham ou não consciência disso, as que apresentam algum transtorno alimentar como bulimia nervosa, transtorno alimentar de compulsão periódica (TACP), popularmente conhecida como compulsão alimentar, compulsão alimentar noturna, percepção distorcida da imagem corporal, entre outras. Em muitos casos a presença precoce da obesidade requer autêntica ressocialização da pessoa que emagreceu. Quando me pedem para resumir isso tudo numa frase, “precisam de psicologia para emagrecer pessoas que sabem o que fazer, mas não conseguem fazer aquilo que sabem que deveriam”.
O índice de abandono e insucesso nos tratamento da obesidade é muito elevado. A enorme maioria dos que emagrecem voltam a engordar em cinco anos. A obesidade é doença crônica, não tem cura e, sim, tratamento.
Emagrecer é muito mais do que fazer mais uma dieta para perder algum peso por algum tempo e voltar a engordar. A proposta de um tratamento é emagrecer e permanecer magro. Isso requer mudança de estilo de vida, perseverança, determinação. Para mudar estilo de vida é preciso mudar comportamento. Um comportamento só se torna hábito se for repetido. Para ser repetido e automatizado precisará ser prazeroso. Um conjunto de hábitos saudáveis praticados se torna um novo estilo de vida. Quem emagrece não é magro. Está magro e o será se e enquanto mantiver um estilo magro. Por quanto tempo? Pelo resto da vida. O organismo tem inúmeras maneiras de tentar trazer o novo peso para os níveis anteriores, então a manutenção é fundamental, a parte mais importante do projeto. Isso envolve reeducação nutricional, atividade física e equilíbrio psicológico.
A psicologia visa a identificar e tratar os conflitos subjacentes que levam a pessoa a comer indevidamente, seja isso “causa” ou “efeito”. Em outras palavras, visa a controlar o comportamento alimentar.
A popular compulsão alimentar é um exemplo disso. Se estiver presente e não for tratada põe por terra os mais competentes programas médico nutricionais. Na compulsão a pessoa ingere uma grande quantidade de comida num período curto de tempo, o chamado binge eating (ataque de comer), com sensação de falta de controle sobre o que e quanto come, muito depressa, praticamente sem mastigar, muitas vezes às escondidas. Há uma urgência em comer. Em curtíssimo prazo há alívio da tensão. Após isso, culpa, raiva, autodepreciação e realimentação da ansiedade. A ansiedade leva à comida, que produz culpa, que aumenta a ansiedade, que leva à comida novamente, em círculos viciosos.
A abordagem psicológica se dá em dois níveis: nos antecedentes (o que leva a pessoa a comer indevidamente) e no comportamento alimentar em si. Além da psicoterapia propriamente dita, esses casos envolvem trabalho específico de controle desse comportamento.
Controlar o comportamento alimentar é adquirir a capacidade de escolha de formas de comportamentos alternativos ao ato de comer de comer. Não se trata de “forçar” a pessoa a não comer, mas desenvolver sua capacidade de escolha. Ela irá seguir ou não o impulso. Escolherá entre uma gratificação imediata, comer, e uma recompensa em médio prazo, ser magra e saudável. O autocontrole visa a desenvolver a resistência à tentação e a persistência adiante da adversidade. Se for a comida que controla o obeso, visa-se a que o obeso controle a comida e emagreça.
O ataque de comer é uma reação automática, não refletida ou “raciocinada”.
Para que haja o “descondicionamento” desse hábito ele deverá ser decomposto em etapas. O objetivo deverá ser levar a pessoa a raciocinar “dentro” do processo e não após e atuar de forma a antagonizá-lo. De outra maneira, o controle do impulso de comer é conseguido tornando conscientes para a pessoa dados até então automáticos.
Para tanto é necessário que entenda as etapas do processo de autocontrole. Antes de tudo deverá compreender que o “desmanche” de um hábito arraigado há muito tempo requer paciência, perseverança e tempo. Mais importante que o resultado é o processo, que, praticado, levará ao sucesso. Falhas e escorregões deverão ser vistos como oportunidade para aprendizado.
O primeiro passo é identificar os primeiros sinais antes que se convertam em comida. Isso pode ser feito pelo registro de seu comportamento, em que notará as sensações, situações, pensamentos. Se está só ou não, o dia e a hora em que esses sinais ocorrem, o que a faz pensar em comer, o que sente, o que pensa e o que faz.
A primeira descoberta, nem sempre óbvia, é que não é a fome o estopim para a comida. Comumente ansiedade, estresse, tristeza, preocupação, dificuldades interpessoais, de resolução de problemas, pensamentos desagradáveis, pessimismo, desesperança, baixa autoestima, preocupação com dietas, ócio, hábitos adquiridos e outros são identificados. Uma pergunta que fará a si: “É fome?”
Identificado o primeiro sinal, deverá lembra-se de questionar esse impulso. Explorar os prós e contras de “comer sem fome”. Quais as vantagens de ceder? E os prejuízos? Que outra coisa poderia fazer fora comer? Se necessário, valer-se de lembretes colocados em local de fácil acesso.
Na etapa seguinte deverá gerar alternativas:“O que eu poderia fazer em lugar de comer?” deverá ser perguntado a si. O maior número de alternativas possíveis deverá ser gerado, sem críticas. A quantidade fará a qualidade e a escolha será efetivada depois. A alternativa deverá ser prazerosa! “Eu poderia visitar um amigo, fazer exercícios físicos, ir ao cinema, fazer uma caminhada, mexer com argila etc.”
Posteriormente, selecionar as alternativas e examinar a viabilidade de cada uma. “Meu amigo não estará em casa, mas quem sabe digito um trabalho no computador.” Identificar medos ou inibições que bloqueiam alternativas promissoras.
Finalmente, colocar em prática a alternativa escolhida e avaliar seus resultados. Foi efetiva? Tirou-me da comida? Se não foi efetiva, escolher outra, até que se consiga o resultado desejado! É necessária perseverança e paciência. Vamos relembrar: preocupe- se com o processo e não com o resultado.
Por Dr. Marco Antonio De Tommaso
Artigo captado da edição de março da Revista Ave Maria. Para ler os conteúdos na íntegra, clique aqui e assine.
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