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1. Redescobrir o agir histórico do Espírito Santo
O Espírito Santo, assim o diz a teologia dogmática, é o fogo de amor que arde entre o Pai e o Filho. E esse fogo é Deus — amor divino que une as pessoas da Trindade. Esse mesmo amor está agindo, conforme a vontade das pessoas divinas, também no cosmo inteiro.
Os primeiros textos do livro do Gênesis mostram tal agir na indescritível grandiosidade daquilo que a cosmologia chama de “Big-Bang” — a grande explosão com a qual o universo começou. O Espírito de Deus estava presente nela (cf. Gn 1,2) e esse mesmo Espírito encheu o cosmo inteiro ao longo dos bilhões de anos no decorrer dos quais esse cosmo evoluiu rumo a estruturas cada vez mais complexas.
Teilhard de Chardin descreveu tal movimento como processo de “complexificação” crescente, de maneira que, para ele, a base de toda a inimaginável dinâmica da evolução cósmica tinha de ser vista da perspectiva do amor de Deus. Esse amor é o Espírito da vida que Deus Pai insuflou no ser humano (Gn 2,7), e é esse mesmo Espírito que o Filho mandou ao mundo. Na festa de Pentecostes, celebramos sua presença sacramental na história — presença que enche o universo e revela a dinâmica profunda e irresistível do amor que é Deus.
2. O Espírito de Deus é amor e age como o amor sempre age
Sabemos que o amor, como energia convergente, une tudo aquilo que foi separado. Se o amor de Deus atua na história, age também no processo histórico segundo o agir do amor: como dinâmica unificadora que junta os elementos separados e dispersos. Pela sua ação, oposições estão sendo superadas e conflitos se resolvem em harmonia. É dessa perspectiva que compreendemos também o projeto histórico-cósmico de nosso Deus.
Tal projeto converge rumo a uma humanidade que elimine o ódio e lance uma ponte sobre os opostos que separam, de maneira que cresçam as situações de paz, de justiça e de amor. A denominação sob a qual esse objetivo aparece na revelação é reino de Deus, e a dinâmica expressa por esse nome encontra-se ativa a partir do agir de Deus na história. O devir histórico por inteiro se revela, sob esses parâmetros, como dinâmica processual e dialética rumo à realização de tais objetivos. No coração de toda essa dinâmica, descobrimos como motor e princípio ativo o Deus que é amor.
3. O Espírito de Deus realiza seus objetivos por meio das pessoas
Esse Deus, porém, geralmente não realiza os seus objetivos sozinho ou recorrendo a ações milagrosas e mágicas. Ele, muito mais, age por meio das pessoas. É assim que sempre fez no decorrer da história, e tal característica permanece válida também quando falamos do agir da terceira pessoa da Trindade. Descobrimos sua presença em todos os lugares e em todas as ocasiões nas quais homens e mulheres se esforçam para que seja realizado o grande princípio escatológico de um mundo convergente. É a terceira pessoa da Trindade que atua nessas pessoas. Ela é o poder dinâmico do amor, que, como motor, faz avançar o processo cósmico da convergência do mundo, processo esse que se realiza mediante o agir humano. Seu objetivo é a realização dos valores escatológicos de um mundo harmônico e em sintonia com Deus.
O processo histórico da construção dessa convergência, entretanto, não é linear. Pelo contrário, apresenta-se como dinâmica conflituosa e dialética. Como tal, exige conversão constante em todos os níveis, começando com os indivíduos e terminando com as estruturas políticas, econômicas, sociais e até religiosas. Como poder propulsor de todo esse processo de conversão dialética e progressiva do mundo, encontramos de novo o Espírito Santo. E o lema dele em tudo isso permanece sempre o mesmo: mais vida!
4. Lema-chave do Espírito Santo: mais vida!
O Espírito de Deus que preenche o mundo é espírito gerador de vida. Consequentemente, também a evolução do cosmo se revela como processo rumo a situações de cada vez mais vida. Percebemos o lado exterior desse processo. O que não somos capazes de visualizar é o lado interior, a sua essência, que é o agir do Espírito Santo no mundo, na história, nos seres vivos e, finalmente, nas pessoas. Esse agir é marcado pelo mesmo princípio: o desabrochar de vida. O objetivo último desse desabrochar é o da vida em plenitude, preenchendo todas as coisas e o cosmo inteiro (cf. Jo 3,17; Catecismo da Igreja Católica, 1046-1048).
Para a realização desse objetivo, no entanto, Deus não recorreu a meios opressivos fundamentados em seu poder. Em vez disso, escolheu os caminhos lentos e tortuosos da conversão histórica. E chamou a todos nós para realizá-la em nossos corações, mas também em meio às estruturas históricas, políticas, sociais, econômicas e religiosas.
5. Para realizar seus objetivos, o Espírito de Deus chama as pessoas à progressiva conversão das estruturas e corações
A Escritura recorre a uma variedade de imagens para descrever o processo histórico de conversão incentivado pelo Espírito Santo. A mais clara expressão disso, porém, encontramos na parábola do fermento (cf. Lc 13,20).
O âmago desse fermento é o Espírito de Deus. Ele age por intermédio dos seus instrumentos: nós, as pessoas.
Tornamo-nos instrumentos para o agir do Espírito à medida que nos engajamos no processo de construção do reino de Deus. Construir o reino significa:
— transformar estruturas injustas em estruturas justas;
— transformar egoísmo em amor;
— converter mecanismos de opressão em solidariedade;
— comutar atitudes de poder em fraternidade.
Opor-se a tal transformação das estruturas, por outro lado, significa tornar-se obstáculo ao agir do Espírito Santo, e isso ocorre também quando se tenta justificar tal oposição com argumentos religiosos. Tais atitudes o próprio Jesus já encontrou no seu tempo, e as suas advertências permanecem válidas para todas as épocas.
6. O critério para distinguir o agir do Espírito de Deus do agir de outros espíritos é o crescimento das dimensões concretas de vida em todos os níveis
O Espírito de Deus sopra onde quer. Tal imprevisibilidade do Espírito derramado sobre todos os viventes torna-se incômodo para muitos (cf. Jl 3). Um Espírito derramado até “sobre os escravos e as escravas” (cf. Jl 3,2), que transforma mulheres e homens em profetas e incita jovens e velhos a ter sonhos e visões (cf. Jl 3,1-3), questiona muitas das estruturas estabelecidas. Questiona as hierarquias, pondo em dúvida as estruturas de poder, e rejeita as demarcações que, no decorrer de séculos, dividiram as pessoas entre incluídos e excluídos, homens e mulheres, ortodoxos e heterodoxos, pobres e ricos.
Um Espírito derramado “sobre os escravos e escravas” (cf. Jl 3,2) questiona as fronteiras de classe, os privilégios sociais e as ideologias — sejam elas políticas, sociais ou religiosas — que defendem tais estratificações, marginalizações e exclusões.
Um Espírito que faz os nossos filhos e filhas profetizar e inspira sonhos nos anciãos e visões nos jovens (cf. Jl 3,1) evoca a imagem de uma sociedade e de uma Igreja nas quais não haverá fronteiras nem de línguas nem de castas, não se verão nem incluídos nem excluídos e a ninguém será negada a plena comunhão e participação. Ali onde esse Espírito realmente estiver presente, as barreiras serão derrubadas e aqueles que falarem línguas diferentes, no sentido real ou figurado, se encontrarão numa nova comunidade de irmãos e irmãs.
É essa a grandiosa imagem escatológica evocada pela descrição dos primeiros cristãos em Pentecostes (cf. At 2,1-13). Nela se exprime a realização daquilo que reconhecemos como um dos objetivos primários do agir do Espírito Santo: a superação das separações e a eliminação de todas as divisões entre os seres humanos.
Fonte: Revista Vida Pastoral
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