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1. A grande indagação: como Deus é?
Eis a pergunta que, no fundo, deveria ser das mais frequentes na vida cristã. Mas, em vez disso, muitos cristãos já se resignaram — por acharem essa questão complicada demais para ser respondida — ou se acostumaram a responder com fórmulas do tipo: “Deus é eterno”; “Deus é todo-poderoso”; “Deus é onipotente”; “Deus é transcendente”; “Deus é o Senhor”; “Deus é onisciente”…
As explicações complicadas, em geral, são deixadas para os especialistas em teologia, e, em nossas celebrações, veneramos a Deus eterno, todo-poderoso e Senhor; com isso, parece estar resolvida a questão.
Sabemos como Deus é e, consequentemente, temos a segurança de ter a religião, o culto e a fé certos. No entanto, muitas das fórmulas que caracterizam Deus têm a sua origem no contexto pagão da filosofia grega ou em projeções de desejos humanos.
Muitos dos que, com tanta certeza, respondem à questão de como Deus é ficam chocados quando descobrem que grande parte de suas fórmulas — com as quais pensam descrever o Deus dos cristãos — não são cristãs. Tais fórmulas podem ser encontradas nas filosofias pagãs desenvolvidas alguns séculos antes de Cristo. A gnose falava de um deus onisciente; Aristóteles descreveu deus como o alfa e o ômega, o princípio e o fim; a filosofia grega sustentava que a divindade era eterna, e o poder dessa divindade havia sido experimentado milênios antes da era cristã por todos aqueles que quiseram justificar o próprio poder — seja no Egito dos faraós, seja na Babilônia, em Assur ou, mais próximo à era cristã, na Roma dos césares.
Qual a novidade, então, quando, em nossas celebrações, glorificamos o poder, o esplendor e a eternidade de Deus? Em que nossa imagem de Deus difere da concepção desenvolvida pela filosofia grega pagã?
Perguntas inquietantes para muitos cristãos que, sem pensar, celebram a glória do todo-poderoso Senhor dos exércitos.
Em que tais celebrações se distinguem das celebrações de outras religiões de hoje ou do passado? Em que tais orações transmitem aquilo que é especificamente cristão? De que maneira o culto a esse Deus nos distingue do culto prestado aos deuses todo-poderosos do Egito, na época dos faraós?
Essas são indagações inquietantes, diante das quais somos chamados a refletir e a nos posicionar.
Como Deus é? Que Deus veneramos em nossas liturgias? Que imagem de Deus carregamos em nossa vida do dia a dia?
2. Características e interesses de Deus
Ninguém nega que Deus é todo-poderoso, onisciente, onipotente, eterno, santo e criador. Deus é tudo isso e muito mais, porque é sempre mais do que aquilo que podemos dizer dele.
Com essa afirmação, a indagação inicial parece estar respondida e o nosso problema, resolvido. Mas, apesar desse desfecho feliz, permanece certa dúvida, uma indagação que não se deixa fazer calar, tornando-se cada vez mais inquietante, quanto mais começamos a pensar nela.
Será que Deus quer ser venerado realmente em primeiro lugar com base nas características mencionadas acima?
Essas características, sem dúvida, são divinas. Mas será que Deus se interessa tanto assim por elas? Será que Deus está tão interessado em ser venerado como poderoso, santo, onisciente ou transcendente?
Essas são indagações inquietantes, diante de tantas celebrações que não cansam de louvar a Deus por ele ter essas características. Será que tal louvor lhe interessa?
Se esse fosse o caso, Deus, no decorrer da história da revelação, com certeza teria acentuado esse seu interesse. Teria insistido nessas suas características e exigido que fossem lembradas. Só que, quando olhamos para a história, no decorrer da qual se revelou, constatamos que as coisas não foram assim. Em vez disso, Deus insistiu em nos fazer aceitar outras características suas — muito mais incômodas, que muitos gostariam de esquecer. Mas é Deus que insiste nelas.
3. Características acentuadas pela revelação de Deus
no decorrer da história
Acreditamos que Deus se revelou a nós no decorrer de uma história de milênios. Conhecemos essa história da revelação e fundamentamos nela a nossa fé.
Mas de novo surge a pergunta: será que, nessa história, Deus fala muito de sua onipotência, onisciência, eternidade, poder e transcendência?
Analisando os textos bíblicos, descobrimos que, em alguns lugares, se fala disso. No entanto, constatamos que essas características — as quais constituem o centro da concepção religiosa de muitos cristãos — são aí pouco acentuadas. Em vez disso, os textos sagrados estão repletos de características de Deus que não costumam aparecer em nossas celebrações nem são mencionadas em nosso credo.
Deus, dizem os textos bíblicos em muitas e muitas ocasiões, acompanha-nos na caminhada. Ele é fiel, agindo na história de maneira bem específica, assumindo a defesa daqueles que não têm defensor. Deus é go’el, o defensor dos fracos e dos despojados. É defensor da viúva, do órfão e do estrangeiro excluído. Não está do lado dos que usam o seu poder para oprimir. Em vez disso, põe-se do lado daqueles que não têm poder, dos rejeitados, excluídos, oprimidos e pobres. Eis aí as grandes e predominantes características que Deus quer nos transmitir.
Essas características estão sendo celebradas e lembradas em nossos cultos? Essas características formam a base e o fundamento de nossa religião?
É nelas que se encontra o grande eixo da revelação divina. Um eixo que chega à sua última e definitiva confirmação em Jesus Cristo.
4. O grande eixo da revelação divina encontra
a sua última confirmação em Jesus
O Concílio Vaticano II declara que, com Jesus, encontramos o cume e a plenitude da revelação de Deus. Se queremos saber como Deus é, temos de olhar para Jesus, porque é por meio dele que Deus se revela — de tal maneira que nele encontramos não só uma pessoa humana, mas a pessoa divina.
É por meio da pessoa de Jesus que Deus nos informa sobre aquelas suas características — tendo interesse em que nós as saibamos. Esse fato, tão conhecido e tão aceito na teoria, significa para muitos cristãos, na prática, verdadeira reviravolta de sua perspectiva religiosa.
Em vez de começar a falar de Deus com base em características e fórmulas pré-fabricadas e prontas, deve-se mudar de perspectiva. Não se trata mais de falar de Jesus da perspectiva preconcebida de ele ser Filho de Deus — e deduzir desse título suas características. Isso seria o mesmo que afirmar que, se Deus é o Senhor todo-poderoso, então também Jesus o é, por ser ele verdadeiro Deus. Sendo verdadeiro Deus, porém, podemos também para ele aplicar as características de poderoso, de onipotente, de Senhor do mundo, de imperador do cosmo. Um Jesus Cristo de poder e glória e com toda a majestade de sua natureza divina.
Com base nessas características, podemos venerar Jesus e, por ser Filho de Deus, ter a certeza de que ele de fato é tudo aquilo que veneramos nele. Só que, nas celebrações que exaltam sua glória e poder, permanece a mesma inquietação que descobrimos já em relação ao Deus Javé do Antigo Testamento. Será que Jesus tem interesse em ser venerado assim? Se tem, por que não se manifestou dessa maneira quando veio a este mundo? Se estivesse interessado em ser celebrado com base nos enfoques de poderoso e daquele que faz tremer o céu e a terra, por que não se mostrou dessa maneira nos centros do poder de sua época, como imperador dos povos, ao lado do poder religioso e profano de seu tempo?
Parece que tal perspectiva não o interessasse.
Sendo assim, somos novamente confrontados com a inquietante indagação inicial: como Deus é?
A Igreja formulou de maneira magistral a verdade fundamental de que Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Se tomamos a sério também a segunda parte dessa declaração, então devemos dizer que em Jesus encontramos Deus. Deus, consequentemente, é assim como Jesus é, porque Jesus é Deus.
Se acreditamos nessa verdade básica, devemos repensar a fundo a maneira como pensamos Deus e como pensamos Jesus. Temos de rever, sobretudo, as nossas características pré-fabricadas dele. No fundo inverte-se toda a direção de nossa reflexão sobre Deus, porque devemos começar a compreender Deus com base em Jesus.
5. Se queremos saber como Deus é, devemos olhar
como Jesus é, porque Jesus é Deus
Esta verdade fundamental nunca se pode deixar de repetir: se queremos saber como Deus é, devemos olhar como Jesus é, porque Jesus é Deus. Eis a grande, profunda e inquietante verdade de nossa fé.
À medida que os cristãos aceitarem essa verdade na prática, sua religião tenderá a mudar. Isso porque a grande exigência passará a ser a seguinte: olhar como Jesus é, para nele descobrir como Deus é, ou melhor, para descobrir quais as características desse Deus que Jesus quer nos revelar de maneira preferencial.
O primeiro olhar para esse Jesus — esse Deus encarnado, essa pessoa que é verdadeiro homem, mas também verdadeiro Deus — já revela explicitamente as características que podemos descobrir nos textos do Antigo Testamento.
Deus, assim como se revela em Jesus, não está muito interessado em transmitir-nos conhecimentos sobre a sua eternidade, a sua onipotência ou a sua transcendência. Ele está mais interessado em nos fazer compreender que é humilde, repleto de ternura para com os fracos, defensor daqueles que não têm defensor. Está interessado em nos transmitir a profunda e inquietante verdade de que não se retirou para longe, num céu glorioso, onde aguarda as nossas venerações — se possível com cânticos e incenso. Está interessado em fazer todos compreender que o poder não o interessa e que o seu lugar é do lado dos destituídos de poder, de tal maneira que transmite pela sua própria boca, em Jesus, a inquietante exigência formulada em Mc 10,42-43: “Sabeis que os que parecem governar as nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Entre vós, porém, não deve ser assim. Ao contrário, quem de vós quiser ser grande, seja vosso servidor”.
Quando olhamos para a pessoa de Jesus, encontramos ponto por ponto as mesmas características que também dominam na revelação do Antigo Testamento e que nós tantas vezes gostaríamos de esquecer.
Deus não se interessa pelos nossos louvores e sacrifícios, caso esses sacrifícios e louvores não sejam a expressão de atitudes práticas e concretas em favor de nossos irmãos e irmãs — a começar pelos mais pequeninos.
Mt 9,13 afirma: “Ide, pois, e aprendei o que significa: ‘Misericórdia quero, e não sacrifícios’. Porque eu não vim chamar justos, mas pecadores”.
Deus não se interessa pelo fato de ser todo-poderoso, transcendente e onisciente. Interessa-se muito mais em estar perto de nós, em caminhar ao nosso lado e em fazer-nos compreender que a celebração que lhe agrada acontece na superação de todas as situações em que seres humanos estão sendo esmagados e excluídos.
Mt 7,21 afirma: “Nem todo o que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus”.
Qual é e onde se revela a vontade desse Pai?
Formulando essa pergunta, estamos de novo confrontando-nos com Jesus. Se Deus é como Jesus é, porque Jesus é Deus, então encontramos na vontade de Jesus a vontade de Deus Pai.
Esse fato fundamental de nossa fé, porém, significa que devemos olhar de maneira especial o que Jesus quer. E, a partir dessa descoberta, devemos nos conscientizar de que nas opções de Jesus encontramos as opções de Deus, porque Jesus é Deus.
Quais são, então, as opções de vida mediante as quais Jesus, pelo seu próprio agir, nos transmite aquilo que quer — e que necessariamente é aquilo que Deus quer?
As pesquisas teológicas sobre “Jesus histórico” podem responder-nos hoje, com exatidão, quais eram as características, as preferências e as opções dele. Nessas opções, encontramos as opções de Deus, porque Jesus é Deus e as suas opções são as opções do Pai.
Jo 10,30 afirma: “Eu e o Pai somos um”.
Olhando, assim, para a vida dele, encontramos de maneira explícita quatro grandes opções básicas, que marcam toda a sua existência. Sendo ele Deus, encontramos nelas as opções básicas de Deus. Elas nos informam sobre a nossa indagação inicial: como Deus é?
Olhando para Jesus, no qual encontramos Deus em pessoa, constatamos que ele, de maneira específica, fez as seguintes opções de vida:
a) Deus mostrou, em Jesus, a sua opção por todos aqueles que foram excluídos por qualquer instância e com qualquer justificação.
A vida de Jesus é marcada por uma opção clara e acentuada em favor dos pobres e excluídos e contra todos aqueles que realizaram e praticaram tal opressão e exclusão. O Deus que se revela em Jesus não está do lado daqueles que excluem. Ao contrário, a boa nova, formulada em tantas e tantas ocasiões, é esta:
“Deus me chamou para dizer aos não amados que ele os ama!”
É com essas palavras que podemos sintetizar as muitas ações de Jesus, pelas quais ele pratica exatamente o que anuncia.
Ele se situa do lado de todos aqueles que foram excluídos por alguma instância suprema, seja ela o poder político ou social, o econômico e até o religioso. Jesus mostra que Deus não é como a instituição religiosa de sua época, o Templo, o proclamava. Jesus prova, com o seu agir, que Deus aceita o ser humano com bondade incondicional. Ele não pune com a exclusão, mas acolhe os que foram excluídos — seja qual for a razão da exclusão. A Jesus interessa que esses homens e mulheres, cuja autoestima foi destruída em nome de algum parágrafo ou código da lei, sejam recuperados. Em Jesus emerge o Deus que se preocupa com eles, mostrando-lhes que dos seus olhos resplandecem valores. Constatamos em Jesus uma inversão total da antiga concepção de um Deus que rejeita e pune os que não seguem os seus mandamentos ou os mandamentos daqueles que pretendem falar em seu nome.
Helmut Jaschke, psicoterapeuta e professor de teologia em Karlsruhe, formula isso de maneira insistente no seu livro Imagens sombrias de Deus:
“A concepção de um Deus julgador que exige punição e expiação, que até sacrifica o seu próprio Filho, para assim ser reconciliado, aparece neste pano de fundo como um agarrar-se obstinadamente à ideologia, de que são necessários punição e bodes expiatórios, para nos proteger de sua ira e de sua fúria. A nossa educação e os nossos princípios de direito ainda estão impregnados dessa concepção. Mas também a teologia tem dificuldades em despedir a sua imagem sacrifical e aceitar a mudança radical que aparece em Jesus” [Helmut Jaschke, Dunkel Gottesbilder (Imagens sombrias de Deus), Freiburg-Basel-Wien, Herder, 1992, p. 147].
b) Deus mostrou, em Jesus, que opta pelo serviço e contra o poder opressor.
Na vida de Jesus, que é Deus, constatamos também acentuada e escandalosa opção para o serviço, contra todos aqueles que usavam o poder para dominar sobre os seus irmãos e irmãs. Essa rejeição do poder foi manifestada, de maneira objetiva, especialmente onde o poder usava o nome de Deus para justificar-se — quer dizer, na relação com o Templo. Em nome dessa opção, Jesus põe-se a serviço, escandalizando aqueles que queriam perpetuar a situação de servidores e súditos.
Jo 13,12ss afirma: “Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto, sentou-se de novo e perguntou: ‘Vocês compreenderam o que acabei de fazer?… Eu lhes dei um exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz’”.
Com que direito, com base em tal exemplo, alguém ainda exige algum poder para si? Qual a razão, depois desse gesto, de pessoas ainda insistirem em acentuar em Jesus, em primeiro lugar, o seu poder e a glória de sua onipotência?
Tudo indica que, ao insistirem nisso, algumas pessoas preferem muito mais um Deus de poder do que um Deus de serviço. Um Deus que se humilhou e se pôs a serviço dos homens e das mulheres incomoda — sobretudo à grande parte daqueles que são detentores de poder e àqueles que querem manter um Deus ameaçador para garantir a sua própria ordem e a disciplina que garante a sua soberania. O comportamento de Jesus denuncia todas essas tentativas como falsas.
c) Deus mostrou, em Jesus, a sua opção pela misericórdia, contra todo tipo de legalismo.
Na sua época, Jesus se confronta com todo um sistema de leis, formuladas em nome de Deus e sustentadas em nome dele. Leis que organizavam a vida em todos os detalhes e indicavam para cada um o grau de sua santidade, ou melhor, de seu estado de pecador — pecado e santidade se definiam em relação à fidelidade diante da lei.
Jesus, porém, não se encaixa nesse sistema. Com total liberdade, rejeita o legalismo da instituição religiosa de sua época, não se opondo à transgressão da lei, quando esta estiver sendo posta acima da pessoa humana.
Na atitude de Jesus aparece a imagem de um Deus que se interessa pelo bem-estar da pessoa, e não pela observância de leis em si.
Mc 2,27 afirma: “O sábado foi feito para as pessoas e não as pessoas para o sábado”. E Mt 12,8 diz: “O Filho do Homem é senhor também do sábado”.
Com a soberania que só Deus tem, Jesus relativiza o legalismo, transmitindo a todos aqueles que sofreram sob o peso das leis, das regras e dos decretos religiosos que Deus não se interessa prioritariamente por isso, mas pela vida humana e seu bem-estar.
E, com isso, descobrimos outra grande opção de vida de Jesus.
d) Deus revelou, em Jesus, a sua opção pela vida das pessoas, contra as estruturas geradoras de morte.
Assim se fecha o círculo de nossa reflexão a propósito de como Deus é. Ele é como Jesus é, porque Jesus — além de verdadeiro homem — é verdadeiro Deus. Nas opções dele, encontramos as opções de Deus e, quando nós as analisamos, descobrimos nelas características de Deus — às vezes muito distantes daquelas com as quais começamos a presente reflexão. Descobrimos a jovialidade e a ternura de um Deus humilde, maternal, que se preocupa com o nosso bem-estar. Descobrimos o Deus da infinita opção de amor pelo ser humano, para que tenha a vida.
Jo 10,10 afirma: “Eu vim para que eles tenham vida, e a tenham em abundância”.
Com base nesse amor, Deus chama a todos aqueles cuja vida está sendo pisada, restringida e destruída. O chamado dele lhes dá nova coragem, e o olhar dele reacende o pavio ainda fumegante.
“Não esmagará a cana quebrada, nem apagará o pavio que ainda fumega” (Mt 12,20).
É nessas palavras consoladoras que aparece a maneira como Deus é. Todas as outras imagens, todas as concepções de um Deus que inspira medo e exige sacrifícios, para assim ser acalmado na sua justa ira, são projeções humanas. Os trabalhos de Renê Girard, de Raimund Schwager e de tantos outros especialistas em antropologia, exegese e psicanálise mostraram isso com muita clareza.
Tais imagens são resultado de estruturas psíquico-sociais. Na sua base se encontra a concepção de que toda convivência se fundamenta na observância de leis e regras. Aqueles que não seguem essas leis devem ser punidos, porque transgridem as normas estabelecidas. Contra esses se dirige a ira dos incluídos, e, por causa disso, os transgressores serão eliminados — sendo o mesmo processo que justifica a sua eliminação projetado também em Deus. Assim, surgem as imagens de um Deus terrível, que pune.
Jesus, uma vez por todas, acabou com esse mecanismo. A sua resposta ao ódio é o amor. A sua reação à agressão não é a contra-agressão, mas a aceitação do malfeitor. Assim se quebra o esquema de sacrifícios e expiações que produzem constantemente novas vítimas.
O agir de Deus é diferente — tão diferente, que até os seus seguidores tinham muita dificuldade em aceitá-lo. A nova concepção de um Deus de amor contradizia tudo aquilo que haviam interiorizado com base em uma tradição religiosa de séculos. Mas, contra toda essa tradição, Deus continua a se manifestar em Jesus de maneira completamente nova: responde ao ódio com amor, à agressão com ternura e à rejeição com um novo convite. Tal atitude divina é boa nova para gerações de fiéis que foram sendo oprimidos e intimidados pelas imagens de um Deus carrasco, punitivo, que se compraz em ser assim. Tais imagens de Deus — assim diz a exegese psicanalítica de hoje — são imagens humanas que não correspondem à revelação.
Em contraste com todas essas imagens, em Jesus manifesta-se o Deus verdadeiro. Sua mensagem não inspira medo, mas amor. O seu convite é humilde e repleto de ternura — e não ordem de um imperador onipotente.
“Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso… Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11,28-30).
A tal convite de amor, o nosso coração pode responder, por sua vez, com amor. Diante desse Deus humilde, podemos nos levantar e descobrir sua mão amiga. Incentivados pela absoluta solidariedade desse Deus-conosco, podemos começar a ser solidários junto com ele. E essa solidariedade se manifesta, em primeiro lugar, pela solidariedade com aqueles com quem o próprio Deus é solidário — de maneira especial, os que foram esmagados, excluídos ou rejeitados.
Vivendo tal solidariedade, fazemos as mesmas opções que Jesus fez. E, fazendo tais opções, concretizamos aquilo para o qual fomos chamados: “Vem e segue-me!”
Fonte: Revista Vida Pastoral
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