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Considerações acerca da abordagem sociológica da juventude contemporânea
Objeto de culto da sociedade contemporânea, a juventude é, por vezes, classificada como uma fase de transição. é definida muito mais pelos problemas que enfrenta do que por sua singularidade e potencialidades. Afinal, o que é ser jovem?
Estamos vivendo num tempo onde um debate sério sobre a juventude é socialmente pungente. O ano de 2013 situa-se como marco central no debate sobre a juventude, sobretudo, na Igreja Católica no Brasil. É o ano em que a Igreja vive a Campanha da Fraternidade com esse tema. Também, é neste ano que o novo Papa, Francisco, visita o Brasil no maior encontro católico de jovens do mundo: a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, inclusive como seu primeiro compromisso internacional no papado.
Além disso, objeto de culto da sociedade contemporânea, a juventude é idealizada como padrão de beleza e “lugar” onde todos querem estar. Quem ainda não é, quer ser logo considerado jovem, e quem já foi jovem, ainda quer ser considerado jovem. Estamos vivendo sob o mito, senão a ditadura, da eterna juventude. Derivado desse fenômeno cresce brutalmente o mercado em torno desse segmento: lojas de estética, cosméticos, moda, música e produtos de departamento para jovens e para outros se sentirem mais jovens.
Verifica-se no mundo atualmente, um conceito de juventude pensado na chave dos problemas que enfrenta, e/ou, de suas carências, quando comparada a outros contextos históricos. Seja na temática da criminalidade, do tráfico e consumo de drogas, do alcoolismo, na redução da idade penal, ou na acusação de que “os jovens de hoje são despolitizados”, ser jovem nos dias de hoje é objeto de desejo e crítica.
Fortuitamente, a juventude é vista como um ator dotado de demandas específicas, sobre quem recaem cobranças e imposições de um mundo repleto de discursos normativos, capazes de criminalizar comportamentos e pouco dispostos a compreender os fenômenos que os envolvem. Num texto clássico sobre o assunto, a psicanalista Maria Rita Kehl, afirma categoricamente que é preciso compreender a juventude como “sintoma da cultura” do tempo na qual ela está inserida. Isto é, os jovens vivem sob o signo do contexto sócio cultural em que estão imersos e manifestam socialmente características comuns a toda a sociedade e cultura presentificadas.
Assim, o objetivo deste artigo é discutir e traçar o conceito “juventude”, pensando suas especificidades e desafios que vive, por meio de uma abordagem sociológica. Trata-se do necessário enfrentamento de um tema, caro no contexto escolar, alvo de políticas governamentais, pauta de reflexão de muitos segmentos da Igreja, como a vida religiosa consagrada e presente nos discursos cotidianos, mas que tem sido, por vezes, descuidado em sua complexidade quando abordado em muitos desses espaços.
Juventudes: a construção de um conceito
Todas as vezes em que entro numa escola, ou vou a algum shopping, deparo-me com jovens que estão vivendo um momento específico de suas vidas, momento este que pode e deve ser entendido a partir de diversos aspectos nele envolvidos.
Gosto musical, programas de TV, sites da internet, grupos de amigos e preferência religiosa apresentam, dentre outros, aspectos que devem ser explorados pelos(as) educadores(as) para além das atitudes individuais, ou seja, como resultados de um contexto que é produzido e reproduzido socialmente sem, no entanto, deixar de atentar para as particularidades de cada indivíduo.
Como podemos compreender a juventude e toda a sua complexidade a partir do olhar sociológico? A juventude deve ser entendida como uma categoria historicamente construída por nossa sociedade (cf. DICK, 2009).
Definir quais critérios podem determinar se uma pessoa é jovem ou não é uma tarefa árdua devido à complexidade desse grupo, como veremos adiante, mas dois fatores são fundamentais nessa compreensão: 1) a autonomia, sobretudo, financeira e na relação que estabelecem com seus familiares diretos e, 2) a autonomia referente à escolha do seu próprio futuro, na elaboração de um projeto de vida auto-sustentável (DAMON, 2009). Esses fatores estão intimamente relacionados, pois a questão econômica, muitas vezes, é determinante na autonomia atribuída às ações e escolhas que serão tomadas e à maneira como a juventude será vivenciada.
Há entre as correntes sociológicas, fundamentalmente, duas maneiras de conceber a juventude, que serão aprofundadas neste artigo. Primeiro, aquela que se concentra nas características homogeneizadoras de juventude, ou seja, as características em comum a esse grupo social e, em seguida, aquela que se atenta às especificidades de cada jovem, principalmente a partir de sua classe social e cultural.
Como o objetivo do texto é entender as juventudes como construção social, vamos nos abster de discutir o imaginário social referente a esse tema. Exemplos aparecerão, é claro, mas a fim de ilustrar os argumentos e aproximar, ainda mais, o olhar sociológico da realidade dos jovens hoje.
Como característica comum, a juventude é classificada por sua faixa etária e, consequentemente, por seu comportamento, ou seja, “como um conjunto social cujo principal atributo é o de ser pertencentes a uma dada ‘fase da vida’ (PAIS, 1990: 140). Há uma ênfase no recorte geracional na qual a juventude está no mesmo bojo, desde que tenha nascido na mesma época e, dessa maneira, vivenciado as mesmas experiências, compartilhado semelhantes maneiras de pensar e ainda seja contraposta nos mesmos grupos etários que não o seu.
A pesquisadora Elisa Guaraná de Castro (2009) aponta as principais características do recorte geracional na discussão sobre o tema:
a) Recorte biológico: a data de nascimento;
b) Unidade geracional: sentimento de unidade por ter nascido na mesma época e vivenciado juntos(as) situações semelhantes;
c) Grupos sociais concretos: quando do sentimento de unidade, percebemos que há diferenças em relação a outros grupos.
Por exemplo, quem nasceu entre 1980 e 1990, quando criança não teve acesso aos computadores, mas brincou com os mesmos brinquedos e brincadeiras, assistiu aos mesmos desenhos, jogou os mesmos jogos de vídeogames e ouviu as mesmas músicas que marcaram o cenário que do pop-rock nacional. Agora, entre 32 e 22 anos, compartilham perfis na internet e, a partir dessa comum unidade geracional, são capazes de se perceberem da “mesma geração”, a partir de símbolos e marcas de um tempo, e diferentes da geração atual que já nasce em um mundo informatizado, os “nativos digitais”.
Outro fator importante, desse ponto de vista, é a maneira como as gerações se relacionam e lidam com suas tensões. Mas de maneira geral ela varia nos seguintes opostos: em alguns fatores, a juventude seria como um “receptáculo” que absorve as tradições das gerações anteriores e a elas dá continuidade; em outros, há uma ruptura, ou seja, uma nova interpretação da realidade.
Tal perspectiva não é, porém, consensual entre os estudiosos. Dentre as críticas a essa corrente, destacamos o argumento de José Machado Pais (1990), que questiona:
“A juventude é, nesta corrente, vulgarmente tomada como uma categoria etária, sendo a idade olhada como uma variável tão ou mais influente que as variáveis socioeconômicas e fazendo-se uma correspondência nem sempre ajustada entre uma faixa de idades e um universo de interesses culturais pretensamente comuns” (PAIS, 1990: 157).
Partindo dessa crítica, a segunda corrente enfoca sua atenção em localizar o(a) jovem em sua classe social, de modo que “as culturas juvenis são sempre culturas de classe, isto é, são sempre entendidas como produto de relações antagônicas de classe” (PAIS, 1990: 157).
Desse modo, não há uma cultura juvenil determinada pela idade, e sim, uma cultura de classe, determinada pelas condições concretas existentes. Conforme essa corrente, teriam um significado político e seriam transpassados de acordo com as relações entre as classes. De outro modo, as identidades estariam muito mais ligadas ao contexto no qual se encontram do que a idade que possuem.
Um jovem de 19 anos, negro, trabalhador na construção civil, que cresceu sem o pai e mora no subúrbio de Rio de Janeiro não compartilha as mesmas vivências e experiências que uma jovem de 25 anos, branca, que nunca até então precisou trabalhar, que mora na zona sul de Belo Horizonte e está se preparando para o mercado de trabalho, ou ainda, um índio de 15 anos que, provavelmente, já seja considerado adulto de acordo com sua cultura. O que há em comum entre esses três personagens? E quais são as diferenças entre eles?
Enquanto a primeira corrente nos ajuda a pensar nos termos consonantes, como ter idades próximas, a segunda nos leva aos termos que os distanciam, como a condição econômica. Os exemplos estão polarizados para proporcionar uma melhor visualização dos pontos de vista, pois como sabemos, as realidades se cruzam muitas vezes, tornando a apreensão dos fatos mais complexa. Mesmo tão diferentes, os personagens podem curtir e compartilhar amigos na mesma rede social, e assim compartilhar significados.
Desse modo, olhar sociologicamente para a juventude é identificá-la como um “grupo” que é ao mesmo tempo homogêneo – se focarmos em questões como a entrada no mercado de trabalho e a violência – e heterogêneo – até nessas mesmas questões. Por exemplo: a autonomia e a independência financeira podem significar diferentes possibilidades sobre como o dinheiro será gasto: para viagens, consumo? ou criação dos filhos?
Importante ressaltar, ainda, que a juventude não deve ser entendida como uma fase de transição ou passagem, na qual os jovens estariam aprendendo a se comportar para a vida adulta, além disso, podemos pensar em juventudes, entendendo o seu tempo, a pluralidade dos grupos, associações e movimentos que estão presentes na sociedade, respeitando as muitas e diferentes realidades juvenis e os elementos comuns com os quais todos os jovens se identificam.
Jovens têm estilo de vida, necessidades e demandas diferentes de outras faixas etárias; é por isso que se reconhecem enquanto ser jovem. O importante é fazer com que suas necessidades e demandas sejam atendidas no viés social com políticas sociais que atendam a essa população e as desigualdades sejam, gradativamente, extintas.
Nesse sentido, temos que pensar as juventudes em suas particularidades, sempre tomando o cuidado de não generalizar proposições, visto que uma multiplicidade de fatores perpassa sua definição e a vivência dos fenômenos que lhe são próprios enquanto jovens.
A juventude configura um universo social descontínuo e em constante transformação. Na atualidade a imagem da juventude está marcada pela ambiguidade e pela incerteza. De um lado a juventude figura o maior objeto de desejo da sociedade contemporânea, recuperada pela indústria da moda, dos cosméticos, dos corpos sarados e cirurgias plásticas. De outro, é um dos períodos mais turbulentos e potencialmente problemáticos sendo os jovens vulgarmente chamados de “aborrecentes” e identificados sempre com problemas de violência, marginalização, indisciplina. Por isso, é importante analisar o fenômeno juvenil sempre em contexto, procurando entender como os jovens enfrentam alguns desafios, sempre tendo como pressuposto a necessidade da compreensão dos fenômenos, para além de discursos moralizantes e adultocêntricos.
Referências Bibliográficas
– CASTRO. Elisa Guaraná de. Juventude. In ALMEIDA, Heloísa B., SZWAKO, José Eduardo (orgs). Diferenças. Igualdades. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009
– DAMON, Willian. O que o jovem quer da vida? São Paulo: Summus, 2009.
– DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes. São Paulo: Loyola, 2003.
– KEHL, Maria Rita. A Juventude como Sintoma da Cultura. In: NOVAES, Regina, VANNUCHI, Paulo (org). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
– PAIS, José Machado. A construção sociológica da juventude: alguns contributos. Análise Social. Lisboa, Vol.25. nº 105-106, p.139-165. 1990.
Texto escrito por Carlos Eduardo Cardozo, especialista em Juventude, mestrando em ciências sociais e coordenador pedagógico do Colégio Stella Maris (RJ).
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