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Em setembro de 2021 celebramos um marco importante na Igreja do Brasil: os cinquenta anos do Mês da Bíblia. À luz do Concílio Vaticano II, e a partir da urgência de anunciar a Boa-Nova, a comemoração tem o objetivo de aprofundar a vivência da Palavra de Deus por meio de um itinerário com um tema específico para cada ano.
O tema desta edição é a carta de São Paulo Apóstolo aos gálatas e o lema é “Pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28d), extraído do “Hino Batismal”, descrito no livro paulino que afirma que todos são filhos e filhas de Deus.
A Igreja nasce e cresce ao redor da Palavra. No Brasil, a iniciativa de dedicar um mês inteiro à Palavra de Deus começou em 1971, por ocasião do jubileu de ouro da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG). Vale lembrar que o Mês da Bíblia foi recomendado pelas irmãs paulinas a Dom João Resende Costa, então arcebispo metropolitano da referida cidade.
Não demorou muito para que a atividade se expandisse pelas dioceses do Regional Leste 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em 1985, passou a ser assumido integralmente pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e estendeu-se ao âmbito nacional. Hoje ele também é realizado em várias dioceses da América Latina e da África.
Em entrevista, o professor Joel Antônio Ferreira, titular do curso de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás) destacou que entre as décadas de 1970 e 1990 aconteceu a primavera da Palavra de Deus no meio do povo. “A Bíblia era o pão de cada dia que ia alimentando e transformando os membros de cada comunidade. A consciência comunitária de que os cristãos, com a Bíblia na mão, entendiam-se como o povo em marcha, conduzidos pelo Espírito Santo foi a efetivação do Concílio Ecumênico (1962-65) que definia a Igreja como povo de Deus”, afirmou Ferreira, que é também o autor do texto-base desta edição.
Recordando a história, o especialista comenta que a cada ano as dioceses celebravam a Palavra de Deus em suas casas, nas comunidades, sempre com iniciativas criativas que “foram a tônica das pequenas igrejas vivas que se dinamizavam a partir da Bíblia”, desde cursos de formação bíblica, procissões pelas ruas, programas de rádio, peças de teatro etc.
Na opinião do professor, os ministérios dentro do catolicismo se tornaram bem vivos, em que os leigos eram protagonistas. Os círculos bíblicos e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) também foram uma força na Igreja do Brasil. “Muitas conquistas comunitárias – melhorias nos bairros, escolas nas zonas rurais, reivindicações e exigências para o bem comum – aconteceram a partir da leitura bíblica comunitária”, reflete.
Professor Joel foi o responsável pela construção do texto-base a convite de Dom José Antônio Peruzzo, arcebispo de Curitiba (PR) e atual presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética. Biblista, ele já havia escrito uma obra em torno da carta aos gálatas. O documento tem como objetivo proporcionar um encontro pessoal e comunitário com a Palavra a partir da correspondência protopaulina e auxiliar as comunidades no aprofundamento do texto, na preparação e vivência do Mês da Bíblia 2021.
A carta apresenta fortes traços teológicos e doutrinais, chamando os gálatas à unidade eclesiológica em torno da fé em Jesus Cristo. “O ponto central, o Hino Batismal (cf. Gl 3,26-28): não há mais judeu ou grego, não há mais escravo ou livre, não há mais homem e mulher, pois todos são um só em Jesus Cristo. Está aí a chave para as comunidades se abrirem para todas as etnias, para o religioso, para o social e para a igualdade de gênero”, comenta o autor.
Ainda na esteira do fomento da espiritualidade dos cristãos leigos existe a vivência dos círculos bíblicos. Em diversas regiões do país, muitas pessoas se reúnem ao redor do Verbo Divino na modalidade de pequenos grupos. A prática não é coisa nova, afinal, o primeiro encontro em torno da Palavra viva foi aquele formado pelo próprio Jesus, que continuou na Igreja primitiva que nasceu e se desenvolveu em torno dos doze, que pouco a pouco levavam novos adeptos ao Mestre Ressuscitado.
Para o professor e pesquisador na Universidade Católica de Pernambuco, Cláudio Vianney Malzoni, o Mês da Bíblia ajudou a resgatar um lugar sempre novo de leitura das Sagradas Escrituras: “São grupos de partilha de vida, guiados pela Palavra de Deus. Nos círculos bíblicos, as pessoas recordam o que está acontecendo em suas vidas, no bairro, na cidade, no país, no mundo. Isso faz com que cada um seja pessoa. Essa experiência de vida é depois iluminada pela leitura e reflexão de uma passagem bíblica”, aponta.
O pesquisador, que também é membro do Grupo de Reflexão Bíblica e Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, destacou que em alguns lugares os estudos bíblicos são ecumênicos, sendo isso algo positivo, “Pois tem ensinado que a Bíblia é um bem comum a todas as igrejas cristãs, base para iniciativas comuns que visam à união, não à separação”.
Malzoni alerta para não se fazer a leitura da Bíblia como se nela houvesse respostas para tudo na vida e de maneira imediata. “A partilha da vida e a leitura da Palavra dão seu fruto ao longo do tempo. O mais importante é sentir-se povo de Deus, como diz a canção: ‘Também sou teu povo, Senhor, e estou nesta estrada’” finaliza.
Conhecida no âmbito religioso, a Editora Ave-Maria é sempre lembrada quando se fala de Bíblia. Há 62 anos (doze anos antes da consolidação do Mês da Bíblia), a Igreja do Brasil recebeu dos missionários claretianos uma das maiores riquezas da fé: a publicação da primeira Bíblia católica feita para os fiéis deste país.
O ano era 1959, momentos antes do Concílio Vaticano II, período em que a Igreja Católica se abria para a renovação, levando aos fiéis o acesso às Sagradas Escrituras, que antes não era possível. Já na primeira edição, em apenas um mês, todos os 25 mil exemplares foram vendidos.
Em sua 216ª edição, a Bíblia Ave-Maria segue sendo uma das mais vendidas, atualmente com 450 mil exemplares ao ano. Com o passar do tempo ela foi ganhando mais espaço nos lares católicos, apontada também como a preferida entre os membros dos grupos de oração.
Maria Helena Soriano, fisioterapeuta e coordenadora da Renovação Carismática Católica (RCC) da Arquidiocese de São Paulo (SP), faz uso da Bíblia diariamente. “A minha é a 140ª edição da Ave-Maria. Gosto dessa versão, pois apresenta uma linguagem simples, de fácil entendimento, porém, sem prejuízo para a compreensão dos aspectos históricos e culturais”.
Segundo a coordenadora foi por meio dos estudos bíblicos que a Renovação Carismática Católica popularizou o conhecimento da Palavra de Deus para muitas pessoas, reforçando o papel de alimento espiritual necessário para todo ser humano que a Bíblia tem. “A Renovação Carismática Católica trouxe como proposta a divisão do tempo de oração em momentos de louvor, leitura e escuta da Palavra, contemplação, entre outros. Além das orações direcionadas por meio das citações bíblicas para a meditação cotidiana”.
Para Márcio Matos, teólogo, professor e membro do Ministério de Pregação da Renovação Carismática Católica da Arquidiocese de São Paulo, além da espiritualidade querigmática, o ponto alto nos grupos de oração é a pregação da Palavra de Deus: “Utilizamos a Bíblia como instrumento de evangelização, reflexão, conversão e de transformação de vida das pessoas”.
Na fala do pregador, a Palavra de Deus é fundamental na espiritualidade do católico e a Renovação Carismática Católica sempre motivou seus membros a levarem a Bíblia para a Igreja, seja nos grupos de oração, seja nas missas. Matos define como interessante a iniciativa da Editora Ave-Maria ao lançar, em 2018, o livro Chave bíblica católica: “É um recurso interessante para ajudar as pessoas a encontrarem com mais facilidade dentro da Bíblia as passagens que são ligadas a determinados temas, é uma chave de leitura que ajuda muito”. Todas essas iniciativas visam a incentivar a intimidade com os textos sagrados.
Marcando solenemente o cinquentenário do Mês da Bíblia, a Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou um selo comemorativo, o qual está acompanhando todos os eventos dessa celebração.
Em entrevista, a Irmã Izabel Patuzzo, assessora dessa comissão, falou sobre os eventos realizados para a data festiva, tais como a Semana Nacional Bíblica (em modalidade virtual): “O objetivo dessa semana foi fazer a memória histórica dos cinquenta anos com a presença das irmãs paulinas, lembrando temas e pessoas que tanto contribuíram nesse tempo de estudos bíblicos”.
Com apresentações do texto-base e estudos bíblicos, a comissão ofereceu ao longo de 2021 encontros formativos de animação bíblica, além de apoio em muitos outros eventos organizados pelos regionais e dioceses. Em 1º de setembro haverá uma programação especial com Missa solene, leitura orante e lives que poderão ser acompanhadas nas redes sociais das Edições CNBB.
Segundo a religiosa, celebrar os cinquenta anos do Mês da Bíblia é recordar marcas na vida de tantas comunidades que se reuniram ao redor das Sagradas Escrituras e delas se alimentaram. “A Bíblia é fruto de uma experiência comunitária de Deus, por isso a comunidade é o lugar por excelência do estudo e da oração com a Palavra”, encerra.
Que a nação inteira ouça o anúncio da salvação, que ouvindo creia e crendo, ame!
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