ACONTECE NA IGREJA Amor Bíblia Carmelitas Carmelo Catecismo Catequese Catequista Catequistas CNBB Coronavírus Deus ESPAÇO DO LEITOR Espiritualidade Espírito Santo Eucaristia Família Formação Fé Igreja Jesus juventude Maria MATÉRIA DE CAPA Natal Nossa Senhora do Carmo O.Carm. Ocarm Oração Ordem do Carmo Papa Francisco Pentecostés provocarmo Páscoa Quaresma Reflexão SANTO DO MÊS Sociedade Somos Carmelitas somoscarmelitas São Martinho Vida vocacional Vocação vocação carmelita
Na peça dramática Le monde cassé (O mundo despedaçado), de Gabriel Marcel, Christiane exclama: “O mundo, o que chamamos de mundo, o mundo dos homens… devia ter outrora um coração. Mas, parece, esse coração deixou de bater”. Sim. O coração humano deixou de amar, insensível à fome e à miséria; ao desrespeito à vida humana; aos assassinatos nas grandes e pequenas cidades; à insensatez das guerras; à corrupção vergonhosa. Até mesmo, torna-se possível o suicídio da humanidade com a guerra nuclear. Porque desertaram do coração humano o amor, a fé e a esperança.
O progresso técnico-científico não foi acompanhado da civilização do amor, mas tornou possível a destruição da Terra, do ser humano. A técnica, por si mesma, não é capaz de oferecer sentido à vida nem de responder às mais profundas aspirações do coração. Urge sempre mais alimentar a civilização técnica com as virtudes teologais.
A fé — confiança no outro, não enxergado como competidor, mas como alguém de quem necessitamos para ser e crescer. A esperança, tecido da alma humana, que alimenta e revigora a vida e a faz caminhar. Virtude dos caminhantes deste mundo. O amor, que não se confunde com o egoísmo, mas é ser com os outros. É o nós da comunhão, sem a qual não há verdadeiro desenvolvimento individual e coletivo, mas só perspectiva de barbárie para a humanidade. Só o amor quebra a cadeia da violência, da exploração do outro, do egoísmo.
Por que insistir no amor? Não seria natural à criatura humana? Diante da pobreza extrema, dos sofrimentos físico e moral, seria normal voltar-se para os outros, para os mais necessitados, num gesto de amor, ajudando-os com o pão que nos sobra, com palavras de conforto ou de apoio. Mas assim não acontece. Os corações são de pedra.
Mas, “para tornar a sociedade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar o amor na vida social, nos planos político, econômico, cultural, tornando-o norma constante do fazer e do agir” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja). Na verdade, o que enxergamos em torno de nós, na sociedade brasileira e no mundo, é o império do ter, da posse, sob qualquer de suas formas: a tirania do poder material e político ou do sexo desenfreado. Os cidadãos se tornam objeto das ambições políticas, voltadas para interesses pessoais, não da comunidade. As pessoas são reduzidas a objetos de consumo e de poder, de interesses mesquinhos.
A civilização do ter é a do atentado à vida, desde sua concepção até o ocaso: o aborto e a eutanásia. A vida da criança, do jovem, do adulto, do velho. Os sequestros, os roubos, os assassinatos, os estupros. A vida humana objeto de comércio. Dizia João Paulo II: “Não há reivindicação que justifique o comércio da vida humana. O caminho da violência é um beco sem saída”. Só há um caminho para reconstruir o tecido humano em frangalhos: a valorização das grandes dimensões da vida: a amizade e o amor, a oração e a contemplação, como falava Paulo VI em sua encíclica Populorum Progressio sobre o desenvolvimento dos povos.
A amizade e o amor conjugal. Amor que é virtude humana e graça divina. É ser com. Não enxergar no outro um ele, um objeto, mas um tu, com o qual dialogamos e do qual brota um apelo, a que devemos responder. O outro como presença que nos faz crescer. Não há sociedade verdadeiramente humana sem o nós da comunhão, do amor recíproco, da estima e da ajuda mútua. Sem a capacidade de sair de si mesmo e de ir ao encontro do outro, não seremos capazes de estimar o valor dos outros. E, por isso, não seremos capazes de ajudá-los e ampará-los.
Rezemos com as palavras do papa Francisco na encíclica Laudato Si: ‘‘Ó Deus, ensinai-nos a descobrir o valor das coisas, a contemplar com encanto, a reconhecer que estamos profundamente unidos com todas as criaturas no nosso caminho para vossa luz infinita. Obrigado porque estais conosco todos os dias. Sustentai-nos, por favor, na nossa luta pela justiça, pelo amor e pela paz”.
Por Cardeal Dom José Freire Falcão – Arcebispo emérito de Brasília
Comments0