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Quando Dostoiévski afirmou que a beleza salvará o mundo, talvez nem tenha percebido a extensão de sua palavra. Tinha razão o autor quando imaginava a beleza dos sentimentos nobres, a beleza das árvores, das flores, do ar e dos milhões de criaturas que inundam o mundo, os ares e as águas.
Certamente é maravilhoso o mar com sua multidão multiforme e multicor de peixes, o ar povoado de aves, as florestas com variadíssima fauna, a beleza da pessoa humana criada à imagem e semelhança de seu Criador. Em tudo, até na matéria inerte, nos minerais, nas pedras, na terra árida, há um banho de beleza que encanta.
O homem extasiado diante de toda beleza é capaz de criar a arte, que não é outra coisa senão a tentativa de reter a beleza em algum espaço que ele possa contemplar com seus olhos ou ouvir mais com o coração do que com os ouvidos. Mais belo ainda é o que a mente humana pode criar em benefício das pessoas.
A beleza que contemplamos na Terra não é outra coisa senão um tênue reflexo da perfeita e esplendorosa beleza de Deus. Nele tudo é belo, tudo é sábio, tudo é bom, tudo é santo. Talvez a maior expressão da beleza divina se expresse na sua misericórdia infinita e sem limites. Pelas suas criaturas é capaz de gestos tão grandes de bondade que chega a ultrapassar os limites da razão, deixando que o mistério penetre até mesmo o espaço que não poderia conter, revelando a extensão de seu amor. O amor não conhece limites!
Ao ouvir as leituras bíblicas relacionadas à Eucaristia, opcionais para a festa de Corpus Christi, penetra-se a maravilha do coração divino e extasia-se diante de sua amorosa relação com os seres humanos. Prefigurando a encarnação do Verbo e sua ação salvífica, já no livro do Gênesis surge a misteriosa e inesperada figura de Melquisedec, rei de Salém (rei de paz), reconhecido por Abraão como sacerdote que oferece pão e vinho ao Deus Altíssimo. Tal imagem enigmática do primeiro livro bíblico é reconhecida pelo Salmo 109, como prefiguração do Messias quando diz: “Tu és príncipe desde o dia em que nasceste; na glória e esplendor da santidade, como orvalho, antes da aurora, eu te gerei. Jurou o Senhor e manterá sua palavra: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem do rei Melquisedec”. A mesma comparação previsível é confirmada na em Hebreus 7,3: “(…) ele [Melquisedec] se assemelha ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre”.
No Evangelho de Lucas, na descrição do milagre da multiplicação dos pães, novamente o mistério da beleza do coração divino vem surpreender a razão humana ultrapassando limites para a demonstração do amor que salva, que alimenta, que dá vida. Lucas, certamente tendo em mente a instituição da Eucaristia na noite santa que precedeu o sacrifício do Calvário, relata o extraordinário fato com bonita coloração litúrgica, afirmando que o Senhor tomou os pães e os peixes apresentados, abençoou-os, partiu-os e deu-os aos apóstolos para que fossem distribuídos. Eis a beleza que salva: um alimento eucaristizado pelas sacrossantas palavras que se multiplicam e não acabam, mas até sobram. Por isso podemos cantar a bons pulmões: “Eis o pão da vida, eis o pão do Céu, que alimenta os homens que marcham para Deus!”.
Paulo, vinte anos após a ressurreição do Senhor, pôde anunciar tal maravilha relatando aos coríntios: “Na noite em que ia ser entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória!’” (1Cor 11,23-24). Prossegue Paulo narrando a doação do vinho transformado no próprio sangue do Salvador.
Ninguém entenderá esses relatos perfeitamente se prescindir do conceito de beleza divina que se revela no amor, o mais belo de todos os sentimentos humanos.
Quem pode duvidar ser maravilhoso o gesto de um Deus que é capaz de esvaziar-se de seu poder (kênosis, em grego) para se reduzir a formas humanas, na encarnação do Verbo? Como já citado antes, aquele que o Céu não pode inteiro conter coube no seio de uma mulher, dela nasceu para nos salvar. Milagre do amor! Esse mesmo maravilhoso Deus, não se contentando em nos dar seu Filho para morrer na cruz, quis mais: oferece-se em alimento místico e infinito na Eucaristia que os cristãos nunca renunciaram a celebrar frequentemente desde as primeiras comunidades. Como se ensina nos Atos dos Apóstolos, eles estavam sempre unidos para ouvir a Palavra, para oração em comum e para a fração do pão, Maria com eles (cf. At 1 a 4).
Eis a razão de celebrar com tanta festa e entusiasmo a Solenidade de Corpus Christi: Eucaristia, a beleza que salva!
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